MP denuncia cabeleireiro por racismo, homofobia e injúria: ‘Não contrato preto’, ‘gorda’ e ‘viado’

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Via @portalg1 | O Ministério Público (MP) denunciou nesta semana um cabeleireiro e empresário de São Paulo à Justiça por racismo, homofobia e injúria racial após ele ofender negros, pessoas obesas, gays, feministas e petistas e rir disso em áudios que circularam nas redes sociais, no início deste ano.

“Eu não contrato preto”, “gorda” e “viado”, diz Diego Beserra Ernesto, dono de um salão de cabeleireiros em Perdizes, bairro nobre da Zona Oeste da cidade. Ele é um homem branco.

As falas preconceituosas tinham sido gravadas por Diego em 12 de janeiro, quando foram enviadas por mensagem de celular a um cabeleireiro negro, Jeferson Dornelas, de 49 anos. O homem pagava um aluguel ao proprietário para usar uma cadeira do espaço e assim poder trabalhar também no mesmo local, mas atendendo suas próprias clientes.

Eles conversavam sobre uma mulher negra, Ana Carolina Alves de Souza, de 31 anos, que conheceu no dia anterior e Jeferson queria contratar como auxiliar. Mas ela desistiu sem dar explicações.

Assim que mandou um recado para Diego lamentando a desistência de Ana, Jeferson contou que recebeu o seguinte áudio do dono do lugar:

“Eu não contrato gordo. Eu não contrato petista, eu não contrato preto. Cê tá entendendo? Mas, no caso do preto, por quê? Porque alguns se fazem de vítimas da sociedade.”

“No caso dali, a mulher, tem duas coisas, mano: gorda e preta. Ela não cuida nem do próprio corpo, entendeu? Como é que vai ter responsabilidade na vida? Não tem”, comenta o empresário, na gravação.

Ana, uma das vítimas (à esquerda); o local onde funciona o salão (no centro); e Diego, o investigado (à direita) — Foto: Divulgação e Reprodução/Arquivo pessoal e Google Maps

Após isso, segundo Jeferson, Diego continuou as ofensas contra negros, ao enviar mais áudios, citando inclusive ex-funcionários dele.

“Tem gente que... a partir do dia que o Rodrigo virou pra mim e falou assim: ‘Você está me escravizando, eu tô cansado de ser escravo’. Ele é, tipo moreno, entendeu?! E tive um outro auxiliar também negro e tive problema. Então não me interprete mal, mas, mano, essa é minha linha de raciocínio hoje”, diz o dono do salão no áudio.

Rodrigo é o cabeleireiro Rodrigo da Silva Lemos, um homem negro e gay de 29 anos que já trabalhou para Diego. O outro auxiliar negro mencionado no vídeo não foi identificado.

Diego e Ana — Foto: Reprodução e Divulgação/Arquivo pessoal

Nas conversas pelo WhatsApp, Diego gravou mais declarações preconceituosas contra Ana.

“Inclusive [tem] cabelo curto, é feminista”, fala o proprietário do espaço. “Não tô generalizando falando que todas são. Mas tem uma grande probabilidade de ser feminista. Feminista é um saco. Você não pode falar nada”, declara.

Homossexuais também foram alvo de Diego, que riu ao enfatizar sua aversão a eles em mais um áudio: “Esqueci de falar, mano. Não contrato mais viado [risada]. Principalmente viado. Viado... mas nem fudendo. Não contrato mais. Só se a pessoa estiver mentindo, tá ligado?!”

Jeferson desistiu de alugar a cadeira no salão após as declarações preconceituosas de Diego. Os áudios foram revelados pelo ativista Antonio Isuperio na página dele e dos Jornalistas Livres, nas redes sociais. Ele encaminhou a denúncia também ao Ministério Público.

Polícia Civil e MP

Decradi funciona no Palácio da Polícia Civil, no Centro de São Paulo — Foto: Divulgação/Polícia Civil de SP

Depois, três vítimas (os cabeleireiros Jeferson, Ana e Rodrigo) procuraram delegacias para registrar boletins de ocorrência pelas falas ofensivas do dono do salão. Eles foram ouvidos pela Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP).

Diego foi interrogado no mesmo lugar, onde confirmou a veracidade dos áudios, mas negou ter sido preconceituoso. Ele acabou indiciado pela Polícia Civil por racismo, homofobia e injúria racial.

O Grupo Especial de Combate aos Crimes Raciais e de Intolerância (Gecradi) do MP também acompanhou as investigações e denunciou o dono do salão pelos crimes. Até a última atualização desta reportagem não havia uma decisão judicial a respeito. Se a Justiça aceitar a denúncia do MP, o acusado se tornará réu no processo. Ele responde em liberdade.

As penas para os crimes de racismo, homofobia e injúria racial podem variar de 2 a 5 anos de prisão para cada delito. A diferença entre racismo e injúria racial é que o primeiro crime ocorre quando as ofensas racistas são contra um grupo, e o segundo direcionadas a um indivíduo.

"A delegacia especializada Decradi, que desenvolveu brilhante trabalho de investigação, apurou que todos os funcionários de Diego no salão de cabeleireiro são brancos, magros e heterossexuais. Cumpre consignar que as condutas do denunciado não traduzem liberdade de expressão, na medida em que esta não abarca o discurso de ódio", escreveu a promotora Maria Fernanda Balsalobre Pinto, na denúncia do MP.

"Trata-se de conduta criminosa que produz gravíssimos e deletérios efeitos no corpo social brasileiro, abrindo uma vez mais, como disse Darcy Ribeiro em O povo Brasileiro, 'a cicatriz de torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e classista'", informa trecho da acusação contra Diego feita pela Promotoria.

g1 procurou a defesa de Diego para comentar o assunto, que informou que irá se posicionar após a citação da Justiça. "Só vou poder me pronunciar quando ele for devidamente citado", disse nesta sexta-feira (31) o advogado José Miguel da Silva Júnior.

À época, a reportagem também teve acesso as gravações e ouviu todos os envolvidos.

Ministério Público de São Paulo investiga empresas suspeitas de fraudar IPTU/GNews — Foto: Reprodução GloboNews

'Estou sendo massacrado', diz dono de salão

Procurado para comentar o assunto em fevereiro, Diego pediu ao g1, por mensagem: “Por favor apurem todos os fatos antes de publicar algo”. “Estou sendo massacrado, eu e minha família estamos recebendo muitas ameaças”. Ele ainda sugeriu que seu advogado fosse procurado para falar do caso.

Após a repercussão do caso, com a veiculação dele em outros órgãos de imprensa, Diego gravou um novo áudio para Jeferson, segundo o cabeleireiro, se desculpando pelo que disse.

“Alô Jeferson, tudo bem? Estou te mandando esse áudio, cara, pra me retratar com você. Eu tô aqui pra pedir desculpa, de coração. Se você se sentiu ofendido de alguma forma, e também para todas as pessoas que tiveram acesso aos áudios”, diz Diego na gravação. “Eu nunca tive a intenção de ofender ninguém."

“Infelizmente eu tive algumas falas preconceituosas, racistas”, fala o dono do salão. “Não teria por que trabalharmos juntos. Sempre eu tive um relacionamento, uma relação de parceria mesmo, como eu virei pra você e já falei mil vezes: ‘Você sempre foi um paizão aqui pra gente'. Aprendi muito com você.”

“Eu peço desculpas pra você e pra todos que se sentiram ofendidos e estou extremamente arrependido por todas as minhas falas, desculpa mesmo, de coração”, termina Diego.

O g1 procurou ainda Jeferson, Ana e Rodrigo para comentarem o assunto à época. Veja abaixo o que cada um eles disse:

Jeferson: vítima de racismo

“Eles usam sempre do mesmo mecanismo”, disse Jeferson, vítima de racismo, sobre o pedido de desculpas que recebeu de Diego. “Depois, vir pedir essas desculpas esfarrapadas. Eu fiquei quase um ano lá ouvindo essas coisas. E ele nunca se importou.”

“Não tem desculpas isso, não tem diálogo, não tem nada disso. Ele tem que pagar criminalmente pelo que ele fez. Achei péssimo. O certo é ele não fazer”, comentou Jeferson que, depois do que aconteceu, deixou o salão.

Rodrigo: vítima de racismo e homofobia

"A gente tentava relevar, amenizar situações. Às vezes era atitude crítica em relação ao cliente, a gente tentava falar: 'Não fala isso perto do cliente, não é legal. Não fala de política por que a gente sabe que você é bolsonarista. Então é melhor não ficar falando porque as clientes, nem todo mundo é do mesmo partido político que você'", falou Rodrigo, vítima de racismo e homofobia, sobre o empresário.

“Eu me senti muito mal. Eu vou buscar providências, vou procurar os meus direitos. Vou atrás disso e vou ver o que pode ser feito”, disse o cabeleireiro. “Eu me senti muito abusado, mediante a situação, por conta das condições de trabalho que a gente tinha. Eu acho que a justiça tem que ser feita.”

Ana: vítima de injúria racial

Ana — Foto: Divulgação/Arquivo pessoal

“Eu fui fazer uma entrevista com o Jeferson. E lá eu conheci o Diego. O Diego chegou no salão e me cumprimentou balançando a cabeça. Eu senti que ele se sentiu incomodado com a minha presença. Me olhava com desdém, como se não estivesse gostando que eu estivesse no estabelecimento dele”, declarou Ana, vítima de injúria racial.

“Depois disso, eu me senti acuada de voltar a ir trabalhar lá porque eu fiquei incomodada. Eu pensei que era coisa da minha cabeça porque o Jeferson era uma pessoa negra também. Então essa ideia de racismo, de preconceito, não tinha passado na minha cabeça ainda. Até eu ouvir o áudio que eu achei numa rede social. Foi quando eu entrei em contato com o Jeferson”, falou a profissional.

“Me senti constrangida, me senti violada, eu me senti excluída. Fiquei arrasada também, muito triste. É um assunto que eu ainda não consegui falar com meu filho”, lamentou a cabeleireira.

Por Kleber Tomaz, g1 SP — São Paulo
Fonte: g1.globo.com

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