Todo ato sexual praticado com menores de 14 anos é criminoso? Por Daniel Lima

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bit.ly/2qYoeCt | Como se sabe o estupro de vulnerável é crime hediondo e possui pena mínima em abstrato de 8 (oito) anos de reclusão, o que implica em dizer que, provavelmente, o agente delituoso, após ser condenado por sentença transitada em julgado, começará a cumprir a pena em regime fechado.

Por outro lado, por se tratar de crime hediondo, a progressão de regime se dá de forma mais lenta através de frações mais elevadas (2/3 ou 3/5), a depender do fato do indivíduo ser ou não reincidente.

Nessa esteira, diante da elevada pena em abstrato cominada para o crime estupro de vulnerável (ar. 217-A, CPbr), tribunais e juízes, por vezes, costumavam aplicar algumas das contravenções penais previstas na Lei de Contravenções Penais (decreto lei n° 3.688/1941), em detrimento do mencionado tipo penal.

Alegava-se que era desproporcional aplicar a pena relativa ao estupro de vulnerável para situações de menor gravidade. Ou seja, advogava-se no sentido de que nas situações em que o ato sexual era de menor relevo, e nos casos em que havia consentimento expresso da vítima, o mais corrreto era a desclassificação do estupro de vulnerável para alguma das contravenções penais da LCP.

Um exemplo disso pode ser visualizado no Recurso Especial n° 1.598.077/SE, em que o Tribunal de Justiça de Sergipe desclassificou os atos sexuais praticados pelo condenado para a contravenção penal – atualmente revogada – do artigo 61 (importunação ofensiva ao pudor) da Lei de Contravenções Penais.

Ocorre que o STJ, em sede de recurso especial, entendeu de forma diversa do que havia sido prolatado em segundo grau, no sentido de que o tipo penal de estupro de vulnerável deveria ser aplicado independentemente da gravidade e da duração do ato libidinoso praticado.

Ná época, os Ministros do STJ argumentaram que o delito de estupro de vulnerável caracterizava-se através da prática de qualquer ato libidinoso (por menos ofensivo que o ato fosse), o que incluia tanto a conjunção carnal propriamente dita (que não deixa de ser um ato libidinoso), como também o sexo oral, anal e os atos sexuais de menor relevo, como por exemplo, o beijo lascívo.

Assim, por se tratar de um caso em que o condenado havia aproveitado-se do seu cargo de professor em uma escola municipal para praticar atos libidinosos com suas alunas (menores de 14 anos), o STJ entendeu que apesar de os atos praticados terem sido de menor agressividade (passar a mão no órgão genital das vítimas), ainda assim, não havia que se falar em desclassificação para contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor (art. 61 da LCP).  

Segundo o Ministro relator Schietti Cruz, a conduta do agente de “passar a mão nas partes íntimas da vítimas” possui um relevo ético extremamente negativo, o que inviabilizava a desclassificação.

Ademais, ainda segundo o Ministro, deve-se ter em mente também que o delito de estupro de vulnerável, assim como o crime de estupro, se consuma com a prática de qualquer ato libidinoso (incluindo a conjunção carnal), independentemente da ofensividade do mesmo.

Nesse diapasão, como bem ensina Nucci (2015:1155), o delito de estupro de vulnerável, assim como o crime de tráfico de Drogas (art. 33 da Lei n° 11.343/2006), é um tipo penal misto alternativo que caracteriza-se independentemente do número e da gravidade dos atos sexuais praticados, desde que perpetrados, obviamente, em um mesmo contexto fático-delitivo.

Dito isto, o grande questionamento que aqui se faz não gira em torno necessariamente da maturidade do(a) jovem menor de 14 anos para emitir consentimento válido para prática de atos sexuais, mas diz respeito ao fato de serem punidos em um mesmo tipo penal atos sexuais distintos e de diferentes gravidades.

Expliquemos. O que ocorreu foi que em 2018 após a introdução do § 5º ao art. 217-A do Código Penal e a revogação do art. 61 da LCP, todos os atos sexuais praticados com os ditos vulneráveis passarem a ser considerados criminosos, independentemente do eventual consentimento do menor ou da gravidade do ato praticado.

Assim, se antigamente ainda existiam dúvidas acerca da possibilidade de enquadramento de atos sexuais consentidos ou menos nocivos em alguma das contravenções penais dos arts. 61 e 65 da LCP. Atualmente, essas dúvidas não mais existem.

Dito isto, questiona-se: é justo e proporcional tratar na mesma moldura penal um ato sexual forçado com um menor de 14 anos e um beijo consentido com o dito vulnerável?

Não nos parece ser justo e nem proporcional prever, ainda que de forma abstrata, a mesma pena para condutas com graus de lesividade distintos. Um simples beijo lascívo, por exemplo, não pode receber punição através de um tipo penal que também prevê punições para condutas que ofendem de forma mais gritante a liberdade sexual.

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REFERÊNCIAS:

NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual: comentários à lei 12.015/2009. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 15 ed, rev, atual e ampl. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2015. (livro digital)
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Por Daniel Lima
Mestrando em Direito Penal e Ciências Criminais. Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Advogado.
Fonte: Canal Ciências Criminais

1/Comentários

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  1. Eu acredito que seja fundamental punir com a mesma gravidade todo ato sexual forçado com um menor de idade. Até porque se a lei para um beijo lascívio forçado prever punição de menor potencial, isso incentivará o molestador a praticar outras vezes o ato visto que a punição é branda, assim de um simples beijo lascivo evolui-se rapidamente para uma conjunção carnal em pouquíssimo tempo. Por isso vamos proteger nossas crianças, a lei para esse tipo de crime deve ser muito rigorosa e a punição severa sim!

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