Direito penal: é possível alegar estado de necessidade no crime de roubo?

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bit.ly/30ITsuA | Esta semana resolvi trazer um tema bastante polêmico, mas de ampla utilização como tese defensiva: a possibilidade do reconhecimento do estado de necessidade no crime de roubo.

O Estado de necessidade é reconhecido pelo nosso CP como um dos elementos excludentes de antijuridicidade (os demais são legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de um direito). Significa dizer que, mesmo que o agente cometa um fato típico e culpável, não será considerado crime, por ausência de um dos elementos (antijuridicidade).

O Estado de necessidade tem previsão no artigo 24 do CP, que possui a seguinte redação:

Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. 

Nota-se que no estado de necessidade, no dizer de Leandro Pinheiro Aragão dos Santos, “o confronto de direitos ou bens jurídicos protegidos, ao qual, em dadas circunstâncias não provocadas pelo agente, estará ele legitimado para sacrificar tal bem jurídico em função de algum bem jurídico alheio ou próprio, salvando o assim de perigo atual.

Podemos mencionar como exemplo, o agente que se encontra preso num recinto fechado durante um incêndio e para escapar das chamas, salvando sua vida e sua integridade física, destrói uma das portas ou janelas do cômodo. Teria ele cometido o delito de dano ao patrimônio, tipificado no artigo 163 do Código Penal Brasileiro? A resposta é não, em virtude do Estado de necessidade que elimina a ilicitude da conduta”.

O Estado de necessidade tem sido alegado em vários casos de crime de furto simples (alguns alegam inexigibilidade de conduta diversa, a depender do caso).

Mas, será possível arguir esta tese defensiva em relação ao crime de roubo (dada a configuração da violência ou grave ameaça)?

Em Decisão do TJ-RJ, a 8° Câmara negou a aplicação da tese, em um caso concreto em que o agente subtraiu a quantia de R$ 100,00 com emprego de violência, sob a justificativa de estar desempregado e necessitando do dinheiro.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO OITAVA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO Nº: 0009530-39.2010.8.19.0045 

RELATOR: DES. CLAUDIO TAVARES DE OLIVEIRA JUNIOR 

CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO NA FORMA SIMPLES. ARTIGO 157, CAPUT, DO CP. RECURSO DEFENSIVO OBJETIVANDO A ABSOLVIÇÃO POR EXCLUDENTE DE ILICITUDE (ESTADO DE NECESSIDADE), BEM COMO A COMPENSAÇÃO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO COM A AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. REJEIÇÃO DAS TESES DEFENSIVAS. REVISÃO DA DOSIMETRIA DA PENA. PROVIMENTO PARCIAL DO APELO Agente que, no interior da Drogaria Drogafar, situada na Comarca de Resende, subtraiu, para si ou para outrem, mediante grave ameaça exercida com emprego de simulacro de arma de fogo, a quantia de R$ 100,00 (cem reais), de propriedade da referida Drogaria. Absolvição por Estado de Necessidade Com efeito, a simples justificativa de estar desempregado e sem condições de sustentar sua família, encontrando-se em estado de miserabilidade, não se traduz naquela situação de perigo atual exigida pelo ordenamento jurídico, indispensável à caracterização do estado de necessidade. Em se tratando de crime cometido mediante grave ameaça à pessoa, o bem de maior valoração a ser protegido é a incolumidade física da vítima, face à flagrante desproporcionalidade entre o alegado estado de necessidade do réu e a preservação da integridade física daquela. Não bastasse isso, o mesmo não logrou produzir qualquer elemento de prova que evidenciasse a veracidade de sua tese defensiva(…).

No caso acima, entendo que não há que se falar em estado de necessidade, sob pena de entregar verdadeira “carta branca” aos que violarem a lei penal. Por óbvio, o desemprego, por si só, não pode atrair a aplicação da excludente de ilicitude aqui estudada, sobretudo em crimes mais graves, como é o caso do crime de roubo.

Contudo, em que pese entendimentos contrários e, claro, a depender de cada caso concreto, entendemos que é perfeitamente possível a aplicação da excludente de ilicitude prevista no artigo 24 do CP.

Para tanto, necessário aclarar os elementos que compõem o estado de necessidade, sendo eles:

  1. Prática de fato para salvar de perigo atual: parte da doutrina também entende que o perigo, mesmo que iminente autoriza a ação do agente;
  2. Ameaça a direito próprio ou alheio: assim como ocorre na legítima defesa, o estado de necessidade pode abarcar situações tanto em caso de ameaça a direito próprio, quanto a direito de terceiros;
  3. Situação não provocada voluntariamente pelo agente: também se aplica se a situação for provocada culposamente pelo agente; 
  4. Inevitabilidade do comportamento lesivo.

Por óbvio, o comportamento lesivo deve ser de inevitável, não podendo o agente escolher praticar ou não o fato.

Tome-se como exemplo a conduta de A que, passeando pela rua tranquilamente, é surpreendido por B e C, desafetos seus, que tentam agredi-lo. Ao empreender fuga, A, já exausto, anuncia assalto a D, que se preparava para sair de sua residência em sua motocicleta, tomando-lhe o veículo e fugindo sem sofrer maiores lesões.

Nesse caso, era inexigível que A sacrificasse o direito ameaçado (integridade física, vida). Também não há dúvidas de que a situação não foi causada voluntariamente por ele. Nesse contexto, praticando o fato para salvar-se de perigo atual, que não provocou nem poderia evitar, tem-se que ao subtrair a motocicleta de D, A agiu em estado de necessidade.

Ainda que o roubo seja praticado com emprego de arma de fogo, entendemos perfeitamente possível a aplicação da tese, repita-se, a depender do contexto fático.

Vale lembrar que para a caracterização do estado de necessidade é necessário, dentre outros requisitos, que o perigo seja inevitável e que sua ação seja imprescindível, não podendo socorrer-se da autoridade pública ou outros meios legais, sem prejuízo do bem jurídico que busca resguardar.
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FONTES AUXILIARES

SANTOS, Leandro Pinheiro Aragão dos. Estado de necessidade ou inexigibilidade de conduta diversa aplicada à miserabilidade do(s) agente(s). Miserabilidade como excludente de crime. Conteúdo Jurídico, Brasilia (DF), 20 jan 2020. Disponível aqui.
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Jairo Lima
Advogado Criminalista e Membro do Núcleo de Advocacia Criminal. WhatsApp: (89) 9.9442.4066.
Fonte: Canal Ciências Criminais

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