Para todos aqueles que atuam na seara criminal, o momento do Júri é único. Os dias que antecedem o plenário são de enorme nervosismo para o advogado, sentimento ímpar que de forma genial foi descrito como “estado de Júri” por Evandro Cavalcanti Lins e Silva, em sua obra “A Defesa tem a Palavra.”
O advogado sabe que terá pouco tempo para manejar a tese defensiva, desdizer tudo aquilo que até então foi posto pela acusação, e muitas vezes lutar contra uma posição condenatória já formada pelo Conselho de Sentença por conta de toda a influência midiática que algumas vezes ocorre previamente ao julgamento.
Porém, cabe ao advogado (a), e tão somente a ele (a) o dever de defender o réu com toda a sua inteligência, conhecimento dos fatos, persuasão, e, principalmente, aquele brilho no olhar que só quem está de frente ao Júri popular defendendo um inocente tem.
A vibração, coragem e entusiasmo fazem parte da oratória defensiva, como lembra Evandro Lins e Silva “Ninguém ouviu grande defesa sem a vibração, o calor, o entusiasmo, o arrebatamento do advogado. Defesa sem vigor, sem dedicação ardente, sem sentimento, é defesa sem vida, fria, fadada ao insucesso, defesa de perdedor de causas”. Mas devemos sempre lembrar que o mesmo autor também ensinou que “Não é preciso defender “bonito”, é preciso defender útil”.
Não são raras as vezes em que, no exato momento em que a acusação termina sua explanação, começa um burburinho no plenário. Muitos ali começam a duvidar de uma possível absolvição, e os jurados já começam a olhar para o réu de forma diferente, com olhar de reprovação. Nesse momento, a pequena esperança que ainda havia no interior do réu vai embora, a certeza da condenação se faz certa, e o desespero aflige até o mais confiante dos homens.
Mas cabe ao advogado ficar frio, lúcido, sempre lembrando que tem nas mãos a missão de reverter tudo, devendo falar, falar, incansavelmente falar, até que não haja mais argumentos ou força para demonstrar ponto por ponto da tese defensiva.
O nervosismo não pode, em hipótese alguma, devastar a tese defensiva. O advogado é a última barreira de um estado democrático de direito, de um julgamento justo. Muitas vezes é justamente a fala do advogado que diferencia uma pessoa absolvida de uma condenada a pena de trinta anos, mesmo sendo inocente.
A exposição é muito grande, todos estão ali esperando o veredicto, muitos querendo a culpa do acusado, muitos querendo fazer a “justiça” com as próprias mãos, e muitos fazendo do julgamento um mero ato formal para uma punição injusta e ilegal.
Mas, de fato, vovô Sobral[2] tinha razão “a advocacia não é profissão para covardes”. É dever do advogado lutar contra o poder de sedução que o Ministério Publico sempre possui aos olhos dos jurados e perante a mídia. Na verdade, há promotores de justiça que tem verdadeiros “fãs- clubes” em meio aos sete juízes populares. Contra todo esse imbróglio existe a luta do advogado, muitas vezes de forma solitária, na calada da noite, estudando os argumentos defensivos, ocasião em que o pensamento pessimista nunca pode estar presente, pois o legítimo advogado morre junto com a sua esperança.
“Ao tomar a palavra para começar o discurso, as pernas vacilam, tremem as mãos, o coração bate aceleradamente, sobe a pressão arterial, e isso acontece a todos os advogados, moços ou velhos, porque o medo não arrefece com o tempo, talvez se agrave (...) O medo, a angústia, a ansiedade, esse estado emocional, tudo desaparece com as primeiras palavras. Em poucos minutos, o advogado, verdadeiramente advogado, é dono e senhor da tribuna, domina a sala, todos presos à sua palavra, ao seu fascínio, ao seu magnetismo pessoal[3].”
Todos esperam do advogado um argumento diferenciado, uma posição confrontante com o trazido pela acusação e que até então foi apresentado. Até aqueles que estão querendo uma condenação esperam do advogado um debate leal e munido por alguma “novidade”, nem que seja as vezes um novo olhar sobre uma prova já apresentada pela acusação. Na verdade, até o acusador espera isso. Os bons promotores e que de fato pertencem ao júri esperam um advogado desafiador.
E não há nada mais frustrante do que um advogado fraco e despreparado: o Júri perde, a defesa e a sociedade também.
Para ser um advogado do Tribunal do Júri há que se ser um apaixonado, pela defesa, pelo desafio e, principalmente, pelo ser humano. Advocacia de Júri não é para aventureiros, já que o plenário é o palco das mais legítimas tragédias humanas. É um local democrático, todos podendo nele atuar, bastando para isso que tenham dedicação e paixão.
Muitos ainda desejam acabar com o plenário popular, por considerá-lo ilegítimo, mesmo notoriamente sendo esse o mais democrático dos Tribunais. Sobre esse ponto, resta uma dúvida: a quem interessa não ouvir a voz do povo?
[1] https://canalcienciascriminais.com.br/plenitude-defesa-juri/
[2] ref. a música Vovô Sobral, de João Nogueira.
[3] Silva, Evandro Lins e, 1920-1998. A defesa tem a palavra / Evandro Lins e Silva. – 4a ed. - Rio de Janeiro: Booklink, 2011. pag 33
________________________________
Daniel Cavalcanti
Fonte: www.zcadv.com.br
Postar um comentário
Agradecemos pelo seu comentário!