Testamento vital: documento dá o direito de escolher os cuidados para o fim da vida; entenda

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Nos Estados Unidos e em países da Europa, é comum que as pessoas elaborem diretivas de vontade sobre cuidados de saúde e coloquem na geladeira para que, caso uma equipe de saúde ou de emergência chegue, saiba como agir. Apesar de não ser tão popular no Brasil, o testamento vital, uma dessas diretivas, dá o direito a qualquer pessoa maior de 18 anos a decidir previamente sobre os cuidados que quer receber no fim da vida.

Qualquer pessoa maior de idade e que seja lúcida pode elaborar o documento projetando hipóteses de situações em que ela estará gravemente doente e impossibilitada de manifestar vontade, como em momentos tidos pela medicina como incuráveis ou irreversíveis. A morte do prefeito de São Paulo, Bruno Covas, reacendeu o debate sobre o documento. Nos seus últimos dias de vida, o tucano conversou com os médicos e destacou sua vontade de não ser intubado. Em entrevista à Jovem Pan, o governador João Doria afirmou que Covas queria “viver no seu tempo e da sua forma”. O testamento vital dá a oportunidade de que essas decisões sejam tomadas em total consciência – antes de ser acometido por uma doença. “Eu costumo dizer que o testamento vital é a nossa voz para quando a gente perder a voz. Então, a importância deste documento é poder chegar até o ultimo segundo da nossa vida sendo tratado como nós desejamos. O objetivo do testamento vital é não deixar a tomada de decisão para o profissional de saúde ou para os familiares”, explica a advogada Luciana Dadalto, administradora do site Testamento Vital, que centraliza as informações sobre o tema no Brasil.

Qualquer procedimento de cuidado de saúde pode ser incluído no testamento vital, desde que se tratem de atividades lícitas no Brasil — o que não é o caso da eutanásia, que é a antecipação da morte, ou da distanásia, que é a prolongação do sofrimento. A líder de cuidados paliativos do Grupo Oncoclínicas, a médica paliativista Sarah Ananda Gomes, afirma que, aqui no Brasil, não existe um modelo padrão a ser seguido, mas existem plataformas que ajudam a elencar alguns procedimentos. “Em 2020, a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia criou um aplicativo chamado Minhas Vontades para estimular que as pessoas registrem suas diretivas. Porém, a melhor forma é o paciente conversar com o médico para que o profissional esclareça da melhor forma o que pode ser incluído no testamento ou não”, explica. Um ponto que ainda gera debates é o da doação de órgãos. Ainda que o paciente a inclua no testamento vital, já que não há nada que a impeça, existe uma lei que dá a última palavra para os familiares. “A doação de órgão é um procedimento feito pós-morte e a diretiva antecipada é como o paciente quer ser cuidado ainda em vida — no momento final, mas ainda em vida. O objetivo do testamento vital é justamente falar como você quer ser cuidado nesse momento final”, completa a médica.

Como e quando fazer?

De acordo com a médica, esse assunto pode ser abordado a qualquer momento. “A pessoa não precisa estar com uma doença ameaçadora. A gente fala que o melhor momento é quando a pessoa está bem, porque não sabemos quando podemos perder a nossa consciência. Então, o quanto antes fizer esse documento, as diretivas antecipadas, melhor. O que mais comumente ocorre é quando a pessoa tem diagnóstico de uma doença que pode ser potencialmente fatal, então ela já realiza essa manifestação da vontade”, explica. A advogada Luciana Dadalto orienta que, antes de dar entrada nos trâmites de fato, é importante fazer um exercício de autoconhecimento para que você decida o que quer ou não. “Você precisa conseguir pensar na própria finitude, na própria mortalidade”, orienta. Depois, o ideal é procurar um profissional que tenha alguma formação específica em fim de vida — pode ser um geriatra, oncologista, paliativista, etc — para que você receba informações técnicas sobre os procedimentos. “Eu sempre sugiro também a consulta a um advogado porque, como não temos uma lei específica sobre testamento vital, ele vai ajudar a pessoa a não colocar informações que são contra a lei. E, apesar de não precisar registrar em cartório, pode ser feito em casa e assinar de próprio punho, acho importante lavrar a escritura em um cartório de notas para dar mais segurança ao documento. Não é obrigatório, mas é importante.”

Sarah Gomes complementa a fala de Luciana Dadalto e diz que o testamento vital não possui prazo de validade e pode ser revogado a qualquer tempo. “Se alguém registra em cartório ou fala com a equipe de saúde e faz registro em prontuário, se ele quiser revogar ou modificar isso, isso pode ser feito a qualquer momento pela própria pessoa. Aqui no Brasil é sempre importante a gente designar o representante de saúde, ou seja, aquela pessoa que a gente quer que tome decisões. Mesmo que você até tenha feito um testamento vital e que você já coloque todas as suas decisões, o papel de representante é importante porque se tiver alguma coisa que não está contemplada no documento, ele é a pessoa que a equipe de saúde vai consultar para tomar decisões no momento que o paciente estiver inconsciente e não puder responder por ele mesmo.”

E se a família não concordar?

Luciana Dadalto explica que esse documento, por se tratar de manifestação de vontades, prevalece sobre a decisão dos familiares ou profissionais da saúde. “Estamos falando de um direito de autodeterminação, direito de chegar até o fim da vida decidindo sobre ela. Essa visão da família não concordar é algo que tem muito a ver com a nossa cultura que objetifica o paciente e entende que, quando ele está gravemente doente, já não tem condições de manifestar vontade. E isso não é verdade. Esse é o objetivo do testamento vital: que ele possa decidir por ele mesmo, ainda que não possa manifestar essa vontade.” Porém, pela ausência de leis, as garantias ainda são complicadas. “Em países que o testamento vital já faz parte da cultura, temos processos contra médicos e familiares por descumprimento do testamento vital.”

Por isso é importante o diálogo com a família. A médica Sarah Gomes completa. “A família não tem direito a não autorizar. Essa opção não pode ser dada à família, a gente tem que mudar essa cultura. Se a pessoa expressou seu desejo, a família deve ser acolhida pela equipe e explicar as vontades do paciente e a obrigatoriedade em seguida. Em última instância, se qualquer pessoa da família impedir a efetivação da vontade, aí o caso deve ser levado ao poder jurídico. Apesar da gente não ter uma legislação, a resolução do CFM 1995/2012 reconheceu a validade das diretivas, deixando evidente a importância de respeitar a autonomia do paciente — quando este decide sobre seus cuidados e tratamentos aos quais deseja ser submetido ou não.”

Por Camila Corsini
Fonte: jovempan.com.br

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