De advogado a psicólogo: atendendo as vítimas do crime

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bit.ly/2SmDrHW | Quando você estuda o Direito dentro das faculdades, você aprende que você poderá ser advogado, promotor, juiz, delegado, fazer concurso público, dentre outras profissões. E, quando você escolhe sua profissão como sendo a de advogado, se você for apaixonado pelo Direito Penal, você prefere enfrentar um grande tabu social: “defender bandidos”.

Ser advogado criminalista é, na visão de parte da população, “defender bandidos”. Não raros, há acusações de pessoas do povo – como a do vereador Milton Martins, da cidade de Sete Lagoas/MG – que dizem que o advogado criminalista é tão “bandido” quanto seu cliente “bandido”.

Quando você começa a trabalhar na área criminalista, você vê que a situação não é bem essa. O advogado não defende bandido, defende o devido processo legal e defende o direito do acusado de se defender perante a Justiça. Se ele é acusado ou inocente, cabe às provas demonstrarem e ao juiz interpretá-las.

Contudo, dentro da seara criminalista, o advogado também pode se dar conta de ver o outro lado da moeda do ato criminoso: o lado da vítima. Não raras são as vezes que as vítimas procuram advogados para verem aqueles que cometeram o crime contra elas presos.

Para defender a vítima, não basta o advogado conhecer o funcionamento do processo e da Justiça. É preciso enxergar o mundo com outros lados. É preciso “pegar emprestado” os olhos da vítima para enxergar o mundo com estes olhos – de quem foi vítima do crime.

O advogado terá que enxergar o inquérito policial, o processo judicial, a morosidade da Justiça, os testemunhos, a prisão preventiva, tudo com outros olhos. O advogado terá que saber de cor artigos do Código de Processo Penal como os 268 a 273 e 598 e 600, § 1º, pois é necessário o conhecimento de como agirá no processo na qualidade de assistente da acusação.

E mais: o advogado terá de deixar de ser apenas advogado. Em muitos casos, como a vítima está abalada emocionalmente, a primeira pessoa que ela se abre é com o advogado. Para contar o caso, ela também conta seus sofrimentos pessoais, o que passou na mão do algoz e – não raras vezes – começam a chorar, a se sentir mal, a pensarem que elas quem estavam erradas e, nos casos mais graves, até mesmo a pensar em suicídio.

Nesse momento, toda a frieza do advogado criminalista que defende “bandido” tem que se dissipar e se transformar em um ser humano sensível, receptivo, amoroso. A vítima não quer apenas um advogado que defenda seus direitos, quer um ser humano que entenda o seu lado, que a abraça e a acolhe e que a entenda e a faça se sentir melhor.

O advogado que, em tempos de PJe, se transforma em Técnico em Informática, membro da Secretaria da Vara onde protocola o processo e várias outras profissões, ao defender a vítima de um crime, se transforma em mais um: em psicólogo.

Não incomum foi as vezes que este autor se pegou, após atender uma vítima de crime, lendo artigos e textos na área de psicologia, para tentar entender um pouco mais dessa belíssima ciência. E não é com o intuito de achar que vai conseguir substituir um profissional formado, mas que consiga aprender a ter o tato necessário para acolher a vítima do crime.

Outra missão especial que o advogado precisa entender é que, como muitas vezes o autor do crime possui relação pré-existente com a vítima – como em crimes de violência doméstica – ou que esta última foi vítima de crime sexual, que notoriamente lhe causa extrema vergonha, o advogado criminalista também precisa ter tato para entender quando a vítima não desejar ver o autor do crime preso, quando mudar de ideia quanto a punição ao mesmo – afinal, talvez a vítima ainda possa sentimentos para com o autor – ou quando a vítima não desejar levar o caso adiante por vergonha de ter que contar a experiência traumática que passou.

Em casos como essa, o tato do advogado criminalista deve ser mais aguçado, para que ele mostre para a vítima que ela também será acolhida pelo Poder Judiciário, pelo Ministério Público e pela Delegacia de Polícia, que não há necessidade de ter vergonha de recontar a experiência traumática a que viveu, sobre a necessidade de se punir o agressor doméstico – ainda que tenha bons sentimentos para com este -, que casos como estes são segredo de justiça, dentre outros.

O advogado precisa passar confiança, mas também mostrar que sabe o que está falando. Se o advogado disser que a Delegacia de Polícia é um ambiente amistoso e, chegando lá, for hostil, a vítima perde na hora a confiança no advogado criminalista. Saber o que fala é fundamental nestes casos.

Por fim, quando a vítima do crime se foi – em casos de homicídio -, é fundamental ao advogado criminalista entender que ele atenderá á família da vítima. Família do criminoso já é algo que incomoda e irrita qualquer advogado criminalista. A família da vítima costuma ser ainda mais incômoda. O tato, portanto, deve ser maior.

A família da vítima costuma ser “sangue nos olhos”, sede de vingança e não entende que justiça é diferente da retaliação cega. Que justiça nem sempre é ver o réu pegar a pena máxima. Que, no caso, as provas nos autos não ensejam a possibilidade de prisão preventiva naquele momento. Que a Polícia está colhendo mais provas, antes de findar o inquérito, para não ter pontas soltas, ainda que demore mais algum tempo.

Para a família da vítima, isso tudo representa fragilidade do sistema, corrupção ou fraqueza do advogado. Se o advogado não consegue pena máxima, significa que ele é fraco ou conivente. É preciso o advogado entender a raiva da família da vítima e cuidar, principalmente, da própria saúde mental.
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Rodrigo César Picon De Carvalho
Fonte: Canal Ciências Criminais

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