As sugestões fazem parte de estudo apresentado ao Ministério do Trabalho e Previdência em novembro pelo Gaet (Grupo de Altos Estudos do Trabalho), uma equipe criada pelo governo. Formado por economistas, juristas e acadêmicos em 2019, por iniciativa do ministro da Economia, Paulo Guedes, o grupo formulou uma série de propostas para embasar novas mudanças na legislação trabalhista brasileira. Ao UOL, o Ministério do Trabalho negou que haja uma nova reforma trabalhista em curso e disse que não necessariamente vai adotar as sugestões.
Entre as sugestões mais polêmicas, estão as que mudam o FGTS. A visão dos membros do Gaet é que essas duas ferramentas devem ser fundidas porque possuem um mesmo objetivo: permitir o sustento do trabalhador formalizado logo após a demissão.
O que pode mudar?
Atualmente, quando um trabalhador é contratado, a empresa passa a depositar 8% por mês em uma conta do FGTS em nome do funcionário. Ao longo do tempo, os recursos dessa conta vão crescendo, e o trabalhador só pode ter acesso a eles em situações específicas, como ao comprar a casa própria, ao se aposentar ou ao ser acometido por doença grave.Na demissão sem justa causa, o trabalhador também tem acesso ao FGTS. Além disso, a empresa é obrigada a pagar o equivalente a 40% de seu saldo no FGTS, a título de multa rescisória.
No caso do seguro-a o trabalhador recebe do governo até cinco parcelas mensais de até R$ 1.912. No momento da demissão, estes recursos ajudam a sustentar o trabalhador por alguns meses, até que ele consiga se recolocar.
As propostas do Gaet, enviadas ao Ministério do Trabalho e Previdência, alteram as regras em vigor. Em linhas gerais, haveria a formação de uma única "poupança precaucionária", nos seguintes termos:
- Seguro-desemprego: o benefício deixaria de ser pago após a demissão. Os recursos do programa passariam a ser depositados pelo governo no fundo individual do trabalhador (FGTS) ao longo dos primeiros 30 meses de trabalho. Depois disso, não haveria mais depósitos.
- Recursos a serem depositados pelo governo no fundo do trabalhador seriam equivalentes a 16% do salário para quem ganha até um salário mínimo (hoje, R$ 1.100). Porém, quanto maior o salário, menor o porcentual a ser depositado.
- FGTS: as empresas continuariam depositando todo mês o equivalente a 8% do salário do trabalhador no fundo. Só que o fundo receberá o reforço dos depósitos do governo vindos do antigo seguro-desemprego (16% para quem recebe um salário mínimo).
- Multa de 40% do FGTS: em caso de demissão sem justa causa, a empresa não pagará mais o valor ao trabalhador, mas sim ao governo. Esses recursos ajudariam a bancar as despesas do governo com o depósito de até 16% nos primeiros 30 meses do vínculo empregatício.
- Saques do FGTS: é estabelecida uma referência para retirada dos recursos. O Gaet cita o parâmetro de 12 salários mínimos. Os valores acima disso poderiam ser sacados pelo trabalhador a qualquer momento.
- Demissão: no desligamento sem justa causa, o trabalhador poderia retirar a parte do FGTS que havia ficado presa (até 12 salários mínimos). No entanto, isso seria feito gradativamente, por meio de saques mensais limitados. Para quem recebia um salário mínimo, o saque mensal seria neste valor.
Por que mudar a legislação?
Dentro do Gaet, um subgrupo de Economia do Trabalho, formado por cinco especialistas, foi o responsável pelas sugestões a respeito do FGTS e do seguro-desemprego. Entre eles estava o economista e acadêmico José Márcio Camargo, sócio do Banco Genial.Segundo ele, as propostas feitas buscam aperfeiçoar o sistema.
"O Brasil é o único país do mundo em que o trabalhador tem dois mecanismos que o protegem contra o desemprego. Um é o seguro-desemprego, em que ele recebe um salário quando é demitido. É o que tem nos EUA. O outro é o saque do FGTS, que acaba sendo uma espécie de seguro-desemprego também. A ideia é racionalizar
Camargo diz que a proposta também busca reduzir o estímulo para que trabalhadores com muitos anos numa empresa forcem a demissão, para receber a multa de 40%. "É um incentivo perverso para o próprio trabalhador", afirma. "O que se quer evitar é o incentivo à rotatividade. É evitar que o trabalhador queira ser demitido. A ideia é fazer a relação ser neutra."
A visão do grupo é de que, com isso, a rotatividade de emprego no Brasil cairia. De acordo com Camargo, na nova dinâmica, a empresa também teria mais estímulos para investir na formação do funcionário e elevar a produtividade. Em contrapartida, o trabalhador não teria o incentivo para forçar sua demissão.
Críticas às propostas
Entre representantes de trabalhadores, há dúvidas de que as mudanças possam reduzir a rotatividade. Para Sérgio Luiz Leite, primeiro secretário da Força Sindical, o efeito será contrário."Retirar os 40% de multa do FGTS na rescisão significa aumentar a rotatividade de mão de obra, que já é muito grande no Brasil. Além disso, o trabalhador não receberia o dinheiro do FGTS de uma só vez. Então, ele vai ficar descapitalizado após a demissão
O presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores), Ricardo Patah, também faz uma série de críticas às sugestões do Gaet.
"Discordamos da mudança na multa rescisória [de 40% do FGTS], que deixaria de ser paga ao trabalhador demitido, sendo repassada para as mãos do Estado. Isso significaria uma retirada de um direito dos trabalhadores que é efetivado no momento mais difícil de sua vida profissional - ou seja, na demissão
Os sindicalistas criticam ainda o fim do pagamento do seguro-desemprego nos moldes atuais, após a demissão. Além disso, afirmam que permitir saques do FGTS a qualquer momento, das quantias que superarem o teto, vai desmontar o fundo. "A proposta vai descapitalizar o FGTS, que tem uma função importante em matéria de saneamento básico e habitação", afirma Leite.
Mais uma reforma?
A última reforma da legislação trabalhista no Brasil foi feita em 2017, durante o governo de Michel Temer.De acordo com o economista José Márcio Camargo, integrante do Gaet, dificilmente o governo de Jair Bolsonaro terá força para emplacar uma nova reforma no Congresso até o fim do mandato. Ele afirma, no entanto, que é preciso discutir as propostas com a sociedade. "Estas ideias estão correndo por aí desde a década de 1990. Eu mesmo já tive discussões grandes com as centrais sindicais", diz.
Conforme o economista, a última reforma também não era esperada, mas com a chegada de Temer ao Planalto foram criadas as condições políticas para que o texto passasse no Congresso. Camargo diz que as mudanças feitas em 2017 foram positivas.
Esta não é a avaliação de Fabíola Marques, professora de Direito do Trabalho da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo e sócia do escritório Abud Marques.
"O que percebemos é que toda vez que há uma modificação na legislação trabalhista ocorre uma maior precariedade, um prejuízo para o trabalhador. Na minha opinião, o FGTS atual é uma excelente forma de garantir que ele terá mais condições de sobreviver após a rescisão do contrato
O que diz o governo
O Ministério do Trabalho e Previdência afirmou ao UOL, por meio de nota, que "não há nova reforma trabalhista". Além disso, ressaltou um ponto que consta no relatório do Gaet, o de que "os documentos não contam, necessariamente, com a concordância, integral ou parcial, deste Ministério do Trabalho e Previdência ou mesmo do governo federal".O ministério disse ainda, ao tratar das sugestões do Gaet, que "a posição de diálogo e construção é a que orienta o governo no presente momento". A pasta não respondeu sobre qual foi o encaminhamento dado às propostas.
O UOL também entrou em contato com a CNC (Confederação Nacional do Comércio) e a CNI (Confederação Nacional da Indústria), entidades patronais. Questionada sobre as sugestões do Gaet, a CNC informou que "está analisando as propostas encaminhadas". A CNI não se pronunciou.
Fabrício de Castro
Do UOL, em Brasília
Fonte: economia.uol.com.br
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