“A desumanização de pessoas negras por meio da associação com o animal macaco consiste em prática violenta, que, partindo da ideia de inferioridade das pessoas negras — as quais sequer seriam seres humanos —, conduz à perpetuação de um cenário de desigualdade e preconceito na sociedade”, destacou a julgadora. Satisfeitos os requisitos legais, a pena de dois anos de reclusão em regime aberto foi substituída por prestação pecuniária à vítima, no valor de três salários mínimos (equivalente a R$ 4.236).
O Ministério Público narrou na denúncia que o trabalhador do prédio, em razão da raça e da cor, teve a dignidade e o decoro ofendidos pela condômina no dia 12 de abril de 2023. Nas dependências do edifício, a moradora perguntou ao empregado sobre o que havia acontecido com um dos elevadores. Como ele não soube responder de imediato que o equipamento passava por manutenção, a ré disparou: “Você parece aqueles macacos que não ouvem, não enxergam e não falam”.
O elevador estava parado entre o primeiro andar e o subsolo. Na fase do inquérito e em juízo, o técnico que vistoriava o equipamento afirmou que ouviu a condômina chamar o empregado do prédio de “macaco”. A síndica não se encontrava no edifício, mas para lá se dirigiu tão logo soube do episódio. Em seu depoimento na audiência de instrução, ela declarou que o trabalhador estava “abalado” quando lhe reportou o ocorrido, razão pela qual lhe concedeu dois dias de licença.
Apesar de intimada, a acusada não compareceu à delegacia para apresentar a sua versão dos fatos. Em juízo, ela negou qualquer conduta racista, alegando não se recordar de nenhum problema com o empregado do condomínio. Porém, disse que em data anterior ao evento citado na denúncia, de maneira genérica e sem se referir direta ou exclusivamente à vítima, disse que as pessoas do prédio nunca sabiam de nada e, por isso, pareciam os macaquinhos que não falam, não veem e não ouvem.
Alegação rechaçada
A condômina argumentou ter feito apenas menção à lenda japonesa dos Três Macacos Sábios. Segundo o budismo, eles representam a divindade de seis braços Vajrakilaya, cujo principal ensinamento é não ouvir, ver ou falar mal para não atrair algo negativo. No entanto, para a magistrada, essa pretensa justificativa seria plausível se houvesse sido comprovada pelos demais elementos de prova, o que não ocorreu, e “não se presta a afastar o dolo de ofender a honra da vítima por sua cor e raça”.
Carla De Bonis assinalou na sentença que o ofendido, desde o primeiro desabafo feito à testemunha presencial logo após o fato, assim como no depoimento policial e, finalmente, em juízo, declarou firmemente ter sido chamado de “macaco” pela acusada, sentindo-se ofendido em sua honra. “A condenação é medida de rigor. O artigo 2º da Lei nº 7.716/1989 tipifica a conduta de ‘injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional’.”
- Processo 1515213-32.2023.8.26.0562
Eduardo Velozo Fuccia
Fonte: @consultor_juridico
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