O PL 5.284/20 e a busca e apreensão em escritórios de advocacia

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bit.ly/3bR3Vv4 | O deputado federal Paulo Abi-Ackel (PSDB/MG), em dezembro de 2020, apresentou à Câmara dos Deputados projeto de lei que altera "o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, para incluir disposições sobre a atividade privativa de advogado, a fiscalização, a competência, as prerrogativas, as sociedades de advogados, o advogado associado, os honorários advocatícios e os limites de impedimentos ao exercício da advocacia".[1]

O Estatuto da OAB, Lei no 8.906/94, com certeza necessita de atualização, pois nos 25 anos de sua vigência grandes foram as transformações na sociedade e no sistema de Justiça. Basta uma para dar-nos conta das mudanças: o avanço do uso dos meios eletrônicos, seja através do fim do processo em papel, seja pela via das audiências online.

O PL é diversificado. Alguns artigos trazem regras de simples educação formal, lembrando que o advogado tem direito a "tratamento compatível com a dignidade da advocacia" (parágrafo único do artigo 6º). Outros cuidam de temas de grande relevância para os profissionais da área, dando nova redação por emendas ou adições aos artigos do Estatuto da OAB. Por exemplo, os que tratam das sociedades de advogados, artigos 9º, 14, 15, § 4º, 16, § 2º, 18 22, § 2º, 26, 30, parágrafo único, 54 e 58. Ainda neste tema, inserem-se mudanças no artigo 85 do Código de Processo Civil.

Vejamos um exemplo. O artigo 22, § 2º, busca dar solução aos casos de ausência de previsão contratual para o pagamento de honorários ou de acordo, estabelecendo-se que a querela seja solucionada via arbitramento judicial. A arbitragem (artigo 510 do CPC) exigirá a participação de expertos. Penso que estes deverão ser advogados experientes e respeitados, pois ninguém melhor do que eles saberá avaliar o valor do trabalho executado.

No entanto, o que será aqui analisado são as mudanças ou aditamentos previstos no artigo 7º do Projeto de Lei sob análise, que trata da busca e apreensão nos escritórios de advocacia.

Por certo, ninguém põe em dúvida a importância da advocacia para o sistema de Justiça, do qual ela faz parte e é considerada indispensável (CF, artigo 133), verdadeiro requisito do Estado democrático de Direito.

Porém, o que pretende o PL 5.284, na verdade, não originaria benefício algum à classe, muito ao contrário, abriria possibilidade de desgaste de sua imagem perante a sociedade. Vejamos a redação que o PL pretende dar ao artigo 7º, incluindo um artigo 6º-A:

§ 6.º-A. É vedada a quebra da inviolabilidade do escritório ou do local de trabalho do advogado com fundamento meramente em indício, depoimento ou colaboração premiada, sem a presença de provas periciadas e validadas pelo Poder Judiciário, sob pena de nulidade e de aplicação do artigo 7.º–B.

O dispositivo almejado não proíbe a busca e apreensão em escritórios de advocacia, nem poderia. Ele cria condições. Só que estas condições, por vias inversas, vedam a busca e apreensão. Estamos diante de uma impossibilidade implícita, já que a redação proíbe o ato se indício, depoimento ou colaboração premiada não estiverem secundados por laudo pericial. Em outras palavras, todos aqueles importantes meios de prova, estejam juntos ou separados, sejam 3 ou 30, dependerão de um laudo, validado pelo Judiciário.

Indícios são meios de prova reconhecidos pelo artigo 239 do CPP e como lembra Frederico Cattani, não podem  ser a única prova para uma condenação”.[2] Ouvida de testemunhas (artigo 202 e seguintes do CPP) é a mais antiga prova conhecida, merecendo, até, menção na Bíblia[3]. E a colaboração premiada, inserida na Lei 12.850/2013 e que sofreu alterações Lei 13.964/19, é a prova moderna por excelência

O PL, todavia, condiciona ditas provas a um laudo. A primeira indagação a ser feita é qual seria este laudo. Imagine-se que seja uma perícia contábil. Sabidamente, este tipo de exame técnico é de grande complexidade, exige profissionais altamente capacitados e trabalho árduo por semanas, quiçá meses.

Suponha-se que o Brasil tivesse uma aparelhada Polícia Científica, com Peritos do Oiapoque ao Chuí, como seria mantido o sigilo nesta investigação? Afinal, supõe-se que os Peritos iriam à empresa verificar os livros e só depois, com a validação pelo Poder Judiciário, pediriam a busca e apreensão destes mesmos livros. Impossível crer que subsistiria sigilo e que algo seria achado.

Porém a situação poderia ser outra. O crime não seria empresarial, mas sim praticado por uma organização criminosa. Com certeza os Peritos teriam dificuldades em localizar os papéis, cadernos ou livros em que anotações demonstrassem a existência de ilícitos penais. Mais difícil ainda seria realizar o exame, posto que certamente não seriam recebidos amigavelmente. Porém, maior surpresa seria encontrarem algo no escritório de advocacia, dias, semanas ou meses mais tarde, depois de feito o exame técnico.

Tal tipo de exigência vai além, punindo disciplinarmente (PL, § 6º-B) o advogado que assiste ou assina acordo de colaboração premiada sobre a atividade de outro advogado sem a perícia mencionada, validada pelo Poder Judiciário. Este dispositivo atenta contra a liberdade profissional dos advogados, porque o que assina acordo de delação premiada pode estar atuando na defesa de interesses opostos aos dos suspeitos (pelas vítimas) ou mesmo a serviço de uma ONG.

O PL no almejado § 6º-C, se lido sem conhecimento do conjunto, não será entendido. Ele é um aditamento ao § 6º do artigo 7º do Estatuto da OAB. Dito dispositivo assegura a presença de um representante da OAB nas diligências de busca e apreensão em escritórios de advocacia. A Seção ou Subseção da OAB é comunicada do fato e um advogado é designado para acompanhar as diligências. A regra é boa e vem sendo aplicada com sucesso. Mas o que o pretendido parágrafo 6º-C deseja é um alargamento deste dispositivo.

Sua redação pretende que seja assegurado ao advogado que participar da diligência de busca e apreensão em escritório de advocacia, o direito a ser respeitado, o dever de zelar pelo fiel cumprimento do objeto da investigação e o de "impedir que documentos, mídias e objetos não relacionados à investigação, especialmente de outros processos do mesmo cliente ou de outros clientes que não fazem parte da investigação, sejam analisados, fotografados, filmados, retirados ou apreendidos do escritório de advocacia".

A última, ao usar o verbo impedir, é inadequada. Pode haver discordância entre a opinião do advogado sobre o que interessa à investigação e a do delegado de Polícia. Nesta hipótese, o advogado não pode impedir o ato, porque a decisão é da autoridade policial (CF, artigo 144, § 4º c.c. art. 6º, incisos II e III). Mas pode, evidentemente, ter seu protesto registrado no auto de busca e apreensão.

O PL inclui, ainda, um § 6º-E, que se reporta ao inciso II do artigo 7º do Estatuto da OAB. Este dispositivo assegura a inviolabilidade do escritório do advogado ou seu local de trabalho. Pois bem, o que o § 6º-E pretende é que a análise (leia-se perícia) seja feita na presença do advogado suspeito e do representante da OAB. Tal pretensão ignora a realidade forense, visto que os peritos podem levar dias, semanas ou meses em exames complexos. Quem acompanha, com poder de criticar e discordar, são os assistentes técnicos (CPP, artigo 159, § 3º), estes sim capacitados tecnicamente para avaliar provas e indicados pelo acusado.

Vejamos com a matéria é tratada no Direito Comparado.

Em Portugal, o artigo 177º do Código de Processo Penal bem resolve a questão, dispondo, determinando que o juiz, no caso de garantias, comunique o presidente do conselho local da Ordem dos Advogados para que o mesmo, ou um seu delegado, possa estar presente.[4]

Na Espanha o Estatuto Geral dos Advogados, aprovado pela Decreto Real 658/2001, no artigo 32 trata do dever de segredo do advogado em relação aos fatos de que tenha conhecimento por força da atuação profissional, sendo que no inciso II autoriza o Reitor do Colégio, o que equivale ao Presidente da OAB, que assista os atos realizados.[5]

Na Itália, segundo Cesca e Orzari: 

A busca será possível para apuração de fato delituoso de apontada autoria do próprio advogado ou se este estiver ocultando elemento de prova relacionado ao crime em investigação. O objeto deve ser determinado e a busca se circunscreverá ao delito apurado. Sob pena de nulidade, o juiz deverá notificar o órgão de classe dos advogados para designação de membro que acompanhe a diligência.[6]

Como se vê, há uma salutar proteção aos escritórios de advocacia em todos os países, sempre se exigindo a participação da OAB local. Porém em nenhum eles um escritório de advocacia é considerado local inexpugnável, assemelhado a uma embaixada ou consulado, como pelas vias indiretas faz o PL 5.248/2020. No Brasil, os órgãos do Poder Executivo, gabinetes de magistrados e agentes do Ministério Público, órgãos do Poder Legislativo não detêm tal tipo de prerrogativa.

A adotar-se tal pretensão, as organizações criminosas, em especial as dedicadas ao tráfico de entorpecentes, transfeririam seus arquivos para os escritórios de seus advogados e assim gozariam de total proteção. Com certeza isto não ocorreria nas grandes bancas, que defendem casos de corrupção envolvendo políticos ou empresários, porque seguem a legislação com rigor. Porém, ocorreria no âmbito da criminalidade comum.[7]  Quem tem um mínimo conhecimento de segurança pública e da criminalidade moderna[8] sabem bem o que isto significa.

Assim, como bem ensina José Afonso da Silva, comentando a Constituição, "a inviolabilidade do advogado, prevista no artigo 133, não é absoluta. Ao contrário, ela só ampara em relação aos seus atos e manifestações no exercício da profissão, e assim mesmo, nos termos da lei".[9]

Em suma, é do interesse de todos que buscas e apreensões em escritórios de advocacia sejam feitas com cautela e respeito ao sigilo profissional, presente o representante da OAB, porém inviabilizá-las seria causar um enorme prejuízo à descoberta de crimes mais graves e uma ofensa aos advogados que exercem corretamente sua profissão, felizmente a maioria absoluta no Brasil.
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[1] Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node04ogin8wro400hdwx3qgmto2f2783130.node0?codteor=1944297&filename=PL+5284/2020. Acesso em 12/3/2021.

[2] Revista Eletrônica Consultor Jurídico, Indício deve ser aplicado com cautela no processo penal, 11/2/2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-fev-11/frederico-cattani-indicio-visto-cautela-acao-penal. Acesso em 12/3/2021.

[3] Bíblia, Deuterenômio 19, exigia que exigia que fossem duas as testemunhas para evitar injustiças.

[4] Disponível em: http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=199&tabela=leis&so_miolo=, arquivo 2. Acesso em 12/3/2021.

[5] Disponível em: https://www.boe.es/buscar/doc.php?id=BOE-A-2001-13270. Acesso em 12/3/2021.

[6] CESCA, Brenno Gimenes. ORZARI, Octávio Augusto da Silva. Prova penal e segredo profissional. São Paulo: R. Fac. Dir. Univ. São Paulo v. 111 p. 555 - 586 jan./dez. 2016, p. 562.

[7] Vide Advogado de líderes do PCC é executado em Osasco. Estadão. Disponível em: https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,advogado-de-lideres-do-pcc-e-executado-em-osasco,420454. Acesso em 12/3/2021.

[8] Vide Zero, Zero, Zero, Roberto Saviani, Companhia das Letras.

[9] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 40ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 604.
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Vladimir Passos de Freitas é ex-secretário Nacional de Justiça no Ministério da Justiça e Segurança Pública, professor de Direito Ambiental e de Políticas Públicas e Direito Constitucional à Segurança Pública na PUCPR e desembargador federal aposentado do TRF-4, onde foi corregedor e presidente. Pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibraju).
Fonte: Conjur

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