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Meu irmão mora sozinho na casa da herança. Posso cobrar aluguel dele mesmo sem Inventário resolvido?

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Por @juliomartinsnet | Uma das situações mais conflituosas no âmbito do Direito das Sucessões ocorre quando, após o falecimento dos pais, um dos irmãos permanece residindo exclusivamente no imóvel que agora pertence a todos os herdeiros. Surge, então, a dúvida frequente e legítima: os demais irmãos, que não estão usufruindo do bem, podem cobrar aluguel daquele que mora na casa, mesmo que o inventário ainda não tenha sido finalizado - ou mesmo nem tenha sido aberto? A resposta jurídica é afirmativa, mas depende de requisitos específicos para ser efetivada.

Para compreender essa possibilidade, é necessário analisar o fenômeno jurídico da "saisine" (art. 1.784 do CCB). No direito brasileiro, no exato instante da morte, a propriedade e a posse dos bens transmitem-se automaticamente aos herdeiros (todos eles indistintamente, mesmo que eles nem saibam ainda do falecimento). Isso cria, imediatamente, um estado de condomínio (copropriedade) entre os irmãos/herdeiros. Até que a partilha seja formalizada, o patrimônio é considerado indivisível, e todos os herdeiros são donos de uma fração ideal de todo o acervo. Portanto, as regras que regem essa relação são as mesmas do condomínio tradicional: cada condômino responde aos outros pelos frutos que perceber da coisa comum.

O fundamento central para a cobrança de aluguel reside na vedação ao enriquecimento sem causa. Se um herdeiro utiliza, de forma exclusiva e gratuita, um imóvel que pertence a todos, ele está obtendo uma VANTAGEM econômica indevida em detrimento dos demais coproprietários. O imóvel, por sua natureza, tem potencial para gerar renda (frutos civis). Quando um irmão ocupa a casa sozinho, ele PRIVA OS DEMAIS de receberem a parte que lhes caberia se o imóvel estivesse alugado a um terceiro, ou mesmo impede a venda do bem.

Contudo, a jurisprudência dos Tribunais Superiores estabelece uma condição crucial para que essa cobrança seja legítima: a oposição inequívoca. O simples fato de um herdeiro morar no imóvel desde antes do falecimento (como num comodato verbal com os pais) NÃO GERA, automaticamente, o dever de pagar aluguel a partir do óbito. É necessário que os demais herdeiros demonstrem que não concordam com o uso gratuito e exclusivo. Enquanto houver tolerância ou silêncio dos irmãos, presume-se que há um comodato gratuito em vigor.

Dessa forma, para que nasça o direito ao recebimento dos aluguéis, o herdeiro interessado deve notificar o ocupante, comprovando inequivocamente sua OPOSIÇÃO. Essa notificação (preferencialmente extrajudicial ou judicial) serve para constituir o ocupante em MORA e formalizar a resistência à fruição exclusiva do bem. É a partir deste ato formal de oposição que se encerra a gratuidade do uso e nasce a obrigação de indenizar os demais proprietários pelo uso da cota-parte que não lhe pertence.

Um ponto de extrema importância técnica diz respeito ao termo inicial da cobrança, ou seja, a partir de quando o aluguel é devido. Ao contrário do que muitos pensam, o valor não é retroativo à data do falecimento (abertura da sucessão). O entendimento consolidado é de que o aluguel só é exigível a partir da data da efetiva notificação ou citação judicial. Antes desse marco, entende-se que havia um consentimento tácito para a moradia gratuita. Portanto, a agilidade em buscar orientação jurídica e notificar o ocupante é determinante para evitar prejuízos financeiros. Nessa linha, decisão emblemática do STJ da lavra da ilustríssima Ministra NANCY ANDRIGHI:

"STJ. REsp 570723/RJ. J. em: 27/03/2007. Direito Civil. Recurso especial. Cobrança de aluguel. Herdeiros. Utilização exclusiva do imóvel. Oposição necessária. Termo inicial. - Aquele que ocupa exclusivamente imóvel deixado pelo falecido deverá pagar aos demais herdeiros valores a título de aluguel proporcional, quando demonstrada oposição à sua ocupação exclusiva. - Nesta hipótese, o termo inicial para o pagamento dos valores deve coincidir com a efetiva oposição, judicial ou extrajudicial, dos demais herdeiros. Recurso especial parcialmente conhecido e provido".

Por fim, é vital esclarecer que o valor do aluguel (ou taxa de ocupação) deve ser proporcional ao quinhão de cada herdeiro. Se o irmão ocupante também é herdeiro, ele não paga o valor integral de mercado, mas apenas a parte correspondente à fração dos demais irmãos. A existência de um processo de inventário em andamento não impede essa cobrança; pelo contrário, a ação de arbitramento de aluguel corre de forma autônoma ou incidental, visando equilibrar as relações patrimoniais e evitar que a morosidade do inventário beneficie injustamente apenas um dos sucessores.

Por Julio Martins
Fonte: @juliomartinsnet

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