STJ reverte decisão inédita que condenou estudante de Medicina por estupro virtual

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Via @gzhdigital | O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reverteu a decisão, considerada inédita, que havia condenado em 2018 um estudante de Medicina por estupro virtual de uma criança de 10 anos. O ministro Reynaldo Soares da Fonseca acatou pedido da defesa de Andrio Coletto Bozzetto para mudar o enquadramento de estupro para o delito de "aliciar ou assediar por meio de comunicação criança com o fim de com ela praticar ato libidinoso".

O ministro também determinou a suspensão da execução da pena, em dezembro, até que a Justiça gaúcha calculasse a nova pena do réu levando em conta o novo enquadramento.

Bozzeto, que foi preso em 2017, já havia progredido para o regime semiaberto em janeiro de 2022 e estava em prisão domiciliar usando tornozeleira. Com a suspensão da execução, ele pôde tirar o equipamento de monitoramento eletrônico no começo deste ano.

Com a reforma feita pelo ministro, prevaleceu o entendimento de que a conduta do réu não foi a de estupro de vulnerável — crime mais grave, com pena que varia de oito a 15 anos de prisão —, mas sim a de assédio, que tem pena de um a três anos de reclusão.

Já existem precedentes de que é possível estupro sem contato físico, mas não há casos de sentenças por estupro a distância, por meio virtual. Por isso, à época, em 2018, a condenação obtida pelo Ministério Público (MP) no Rio Grande do Sul teve grande repercussão.

— Vemos com naturalidade a decisão, pois faz parte do processo judicial essa possibilidade de reversão nas esferas superiores. Mas lamentamos, pois entendemos que, de fato, o crime de estupro estava tipificado. Essa possibilidade da consumação online é que ainda se pretende consolidar. As dinâmicas sociais foram profundamente alteradas com a internet, especialmente, depois da pandemia. E isso precisa ser considerado quando se trata destes crimes — disse a promotora Luciana Casarotto, coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância, Juventude, Educação, Família e Sucessões do MP gaúcho.

Ainda segundo a promotora, "o reconhecimento de que a internet não é um território sem lei é algo a ser superado". Para ela, "as ações ali cometidas serão submetidas às mesmas normas que regem a sociedade, inclusive penalmente".

O promotor aposentado que fez a denúncia contra Bozzetto, Júlio Almeida, também comentou a decisão:

— Em razão da decisão do STJ, o caminho é tipificar o crime de estupro virtual, ou seja, descrever a conduta de praticar ato libidinoso diverso da conjunção carnal praticado por meio da internet, como crime, em lei específica. Seria uma redação um pouco diferente do que o assédio via internet. A discussão foi e é importantíssima na defesa de crianças e adolescentes.

Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei de autoria do deputado Lucas Redecker (PSDB-RS) que aumenta as penas do crime de estupro de vulnerável e tipifica a conduta de estupro virtual de vulnerável. Ele foi apensado a outro projeto, de 2011, que trata de tema semelhante e está aguardando a designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

O estudante de Medicina que acabou condenado foi preso em 2017, a partir de investigação iniciada em São Paulo, quando o pai de um menino de 10 anos descobriu conversas de cunho sexual do filho com o suspeito. A denúncia do MP, que levou à condenação de Bozzeto em 2018, apontou que "por diversas vezes, (o suspeito) produziu cena de sexo explícito e pornográfica e que durante as comunicações via internet, o denunciado orientava a criança a despir-se em frente à câmera acoplada ao computador, a ativar a transmissão e registro de cena".

A defesa de Bozzeto apelou da sentença de 1º grau, mas os termos da condenação foram confirmados pelo Tribunal de Justiça em 2020, ocorrendo apenas redução da pena. No acórdão, os desembargadores pontuaram que "a internet não é um universo sem lei, portanto, as práticas violadoras de direitos efetuadas nessa esfera cibernética também estão sujeitas as sanções necessárias para garantia da máxima efetividade da dignidade humana, valor fundamental do qual decorre a tutela da dignidade de crianças e adolescentes, incluída a sexual".

A decisão do TJ também reforçou que era "inegável a existência de uma evolução legislativa que busca assegurar a proteção de crianças e adolescentes, as quais fazem parte de um grupo vulnerável e mais exposto ao risco de serem alvo de diversas formas de violência, entre elas a sexual".

A defesa então recorreu ao STJ, que acabou desclasificando o crime, ou seja, a parte da condenação relativa a estupro de vulnerável deixou de existir. Conforme a defesa de Bozzetto, a Justiça gaúcha já recalculou a pena do acusado e entendeu que ele já cumpriu totalidade da condenação.

Relembre o caso

  • A investigação começou em abril de 2017, em São Paulo, quando o pai de um menino de 10 anos percebeu que o filho trocava mensagens de conteúdo sexual com Andrio Coletto Bozzetto. Ele levou o caso à Polícia Civil paulista, que rastreou os diálogos e chegou a Porto Alegre, descobrindo que mensagens eram enviadas de computadores da faculdade onde o estudante era aluno.
  • O estudante foi preso em 19 de setembro de 2017 em um plantão de um hospital na Capital. No apartamento do suspeito, no bairro Bom Fim, em Porto Alegre, foi encontrado um computador contendo mais de 12 mil fotografias de crianças e adolescentes em situação de pornografia. Celular e outros equipamentos também foram recolhidos pelos técnicos do Instituto-Geral de Perícias (IGP), que acompanharam o cumprimento do mandado de busca e apreensão e iniciaram a perícia nos equipamentos ainda no local.
  • Em dezembro de 2018, o estudante de medicina foi condenado a 14 anos, dois meses e 11 dias de prisão pela juíza Tatiana Gischkow Golbert, da 6° Vara Criminal do Foro Central de Porto Alegre. O MP havia apresentado denúncia em outubro de 2017 pelos crimes de "adquirir, possuir ou armazenar fotografia com cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente" e "estupro virtual de vulnerável".
  • Em março de 2020, o Tribunal de Justiça confirmou a sentença, mas reduziu a pena para 12 anos, nove meses e 20 dias. Foi negado o pedido de desclassificação do crime de estupro.
  • Em recurso dirigido ao Superior Tribunal de Justiça, a defesa de Bozzetto conseguiu a desclassificação do crime. Alegando demora da Justiça gaúcha em recalcular a pena do acusado, que já estava preso desde 2017, a defesa obteve a suspensão da execução da pena em dezembro e, com isso, Bozzeto deixou de usar tornozeleira eletrônica.

Contraponto

O que diz Tiago Lima Gavião, um dos advogados de Andrio Coletto Bozzetto:

A decisão do STJ se mostrou mais acertada em relação ao caso. Desde o princípio, a defesa sustentava a necessidade da alteração da capitulação do crime imputado ao réu.

Adriana Irion
Fonte: gauchazh.clicrbs.com.br

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