Advogados devem ver a tecnologia como oportunidade, não como ameaça, diz especialista

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bit.ly/2rIgjtr | O mundo está acelerando de forma sem precedentes, sendo em boa parte conduzido pelos avanços tecnológicos, que estão transformando todas as indústrias e setores. Enquanto o ritmo social não para de acelerar, o Direito acaba sendo chegando atrasado. Mas isso não significa que seus operadores devem seguir o mesmo ritmo.

Essa é a avaliação do advogado Bernardo de Azevedo e Souza, pesquisador de Direito, inovação e novas tecnologias, professor do programa de pós-graduação em Direito da Universidade Feevale e fundador do Canal Ciências Criminais, o maior portal jurídico brasileiro na esfera criminal.

Com mais de uma década de atuação na advocacia, Bernardo afirma que o trabalho dos advogados está sendo transformado pelas novas tecnologias. Para o especialista, diversas startups jurídicas oferecem soluções tecnológicas para aprimorar os serviços jurídicos e estabelecer diferenciais competitivos aos escritórios de advocacia.

Segundo ele, o momento está exigindo também dos advogados o desenvolvimento de um conjunto de novas mentalidades e habilidades para lidar com os problemas jurídicos. Para Bernardo, questões técnicas então inusitadas, advindas de tecnologias como blockchain, impressão 3D e inteligência artificial, estão começando a bater às portas do Judiciário, levando a um novo modelo de atuação profissional.

Leia a entrevista completa:

Direito News — Muito se fala hoje na chamada “Advocacia 4.0”. O que vem a ser esse termo e o que exatamente significa? 

Bernardo de Azevedo e Souza — Se analisarmos brevemente os avanços tecnológicos ao longo dos séculos, veremos que a maioria das transformações ocorreu nos últimos 50 anos. O ritmo das mudanças, nos mais diversos setores e indústrias, tem sido cada vez mais acelerado. Muitos especialistas afirmam que vivemos a Quarta Revolução Industrial. Isso porque passamos por três grandes revoluções e estamos agora na revolução 4.0, que é fundamentalmente diferente das anteriores. A nova revolução é caracterizada pela fusão de tecnologias e pelo estreitamento de limites entre os mundos físico, biológico digital. Tecnologias como nanotecnologia, robótica, inteligência artificial e engenharia genética estão impactando tudo, incluindo o Direito. E, assim como as novas tecnologias estão transformando a sociedade, elas estão modificando o mercado jurídico e o papel dos advogados. A advocacia está sendo inserida na revolução 4.0, e o trabalho dos advogados está sendo impactado pelas novas tecnologias. Daí a expressão “Advocacia 4.0”.

Direito News — Em sua opinião, de que forma a tecnologia impacta os advogados?

Bernardo de Azevedo e Souza — As novas tecnologias estão, sem dúvida, afetando o cotidiano dos advogados. Os profissionais têm hoje em mãos um leque de opções para aprimorar seus serviços jurídicos e oferecer diferenciais competitivos em seus escritórios de advocacia. Existem em torno de 150 startups jurídicas no Brasil, incluindo aquelas em early stage, com soluções tecnológicas com potencial de revolucionar o mercado jurídico. As soluções ofertadas pelas lawtechs/legaltechs são as mais diversas, como automação de documentos, resolução de conflitos online e jurimetria. Essas soluções estão disponíveis no País e são acessíveis até para os profissionais em início de carreira. Algumas chegam a custar algo similar a uma assinatura mensal em serviços de streaming. Estou convencido de que os profissionais da advocacia devem enxergar a tecnologia como oportunidade, não como ameaça, e começar a estabelecer diferenciais competitivos em seus escritórios. Ninguém pode prever o futuro, mas penso que os advogados que não aproveitarem essas oportunidades poderão ter dificuldades em se manter no mercado jurídico amanhã. E este é apenas um lado da moeda. Há também a judicialização de questões até então inusitadas. Assim como as tecnologias trazem benefícios, elas trazem novos problemas. E muitos desses problemas começarão em breve a ser judicializados. Os próximos anos, acredito, serão muito desafiadores aos advogados. Eles deverão saber lidar com questões jurídicas inusitadas, que envolvem campos como inteligência artificial, robótica, nanotecnologias e blockchain. Para usar o exemplo das nanotecnologias, o advogado que atuar em um caso envolvendo essas técnicas multidisciplinares deverá saber o que é a escala nanométrica e o que é um microscópio de varredura eletrônica, para dizer o mínimo. Em resumo, as discussões jurídicas serão ainda mais complexas, e os advogados deverão desenvolver habilidades para compreender essa complexidade e manter a qualidade dos serviços.

Direito News — Quais são habilidades essenciais dos advogados do futuro?

Bernardo de Azevedo e Souza — Os nossos sistemas educacionais foram desenvolvidos para atender os interesses de outra época e não evoluíram muito desde então. Os cursos de Direito também pouco evoluíram. Temos mais de 1.500 faculdades de Direito no País e a modelagem do ensino jurídico é do século XIX, com professores do século XX ensinando  os alunos a superar o desafios do século XXI. É claro que há exceções, mas, de modo geral, o modelo educacional não está acompanhando todas as transformações do mercado. Assim, para se manterem competitivos em um mercado cada vez mais concorrido, com mais de 1,2 milhões de profissionais, os advogados devem desenvolver habilidades não ensinadas nas faculdades, como aguçar o pensamento crítico, melhorar a apresentação profissional em redes sociais, aprimorar a capacidade de resolver problemas complexos, ter noções básicas de programação e conhecer as técnicas de Visual Law.

Direito News — Mas aprender programação é realmente necessário?

Bernardo de Azevedo e Souza — Conheço muitos profissionais excelentes que jamais aprenderam uma linha sequer de programação, mesmo atuando em questões relacionadas à tecnologia. Portanto, o advogado não é obrigado a aprender programação para ser bem sucedido na advocacia. Mas quem decide aprender a programar, ainda que sejam apenas noções mais básicas, acaba se diferenciando a maioria. O profissional que sabe o básico sobre codificação terá mais facilidade de aconselhar negócios digitais, por exemplo, e terá acesso a mais oportunidades de novos negócios justamente por conhecer o tema. Muitas das empresas e startups que hoje estão inovando aplicam algoritmos de forma estratégica em seus negócios. Advogados com noções de programação são capazes de se comunicar melhor com essas empresas e entender realmente como seus negócios funcionam.

Direito News — Interessante essa perspectiva. E o que vem a ser o Visual Law?

Bernardo de Azevedo e Souza — Quanto mais atuo na advocacia, mais me convenço que os juízes não estão lendo inteiramente as petições. Existem exceções, mas a maioria dos magistrados não tem mais tempo para ler todas as peças processuais. Muitas vezes, o que se faz é uma leitura superficial. O juiz passa os olhos nos tópicos e nos pedidos finais para compreender o que levou a parte a ingressar com aquela demanda. O Visual Law foi concebido nesse contexto, para tornar o Direito mais claro e auxiliar os magistrados a compreender os itens principais das demandas. O conceito envolve usar vídeos e outros elementos visuais para transformar a informação jurídica em algo de fácil compreensão, que qualquer pessoa possa entender. Estudos demonstram que os seres humanos têm uma capacidade notável de lembrar imagens, e que textos acompanhados de ilustrações são mais persuasivos. O que se busca, com o Visual Law, não é eliminar as informações textuais, mas combiná-las com imagens para melhor capturar a atenção dos magistrados, em meio a imensidão de processos judiciais, que hoje beiram a 80 milhões (CNJ). Alguns escritórios de advocacia que já estão utilizando as técnicas de Visual Law em petições, e em breve teremos um panorama do posicionamento dos magistrados sobre esse conceito.

Direito News — Quais são as principais técnicas de Visual Law?

Bernardo de Azevedo e Souza — Os advogados podem utilizar vídeos, infográficos, fluxogramas e até mesmo storyboards. Cada recurso em sua finalidade específica e deve ser aplicado conforme o caso concreto, e não é de recomendado empregar todos eles na mesma petição. Vídeos podem ser utilizados, por exemplo, para complementar petições iniciais, explicar casos complexos e destacar argumentos; infográficos podem ser usados para ilustrar estatística, narrar acontecimentos em ordem cronológica e realçar diferenças ou semelhanças de casos judiciais; fluxogramas podem ser usados para ilustrar variedade de recursos em um mesmo processo, apresentar a estrutura organizacional de empresas e desenhar a logística interna de organizações; já os storyboards podem ser aplicados para reconstituir crimes e esclarecer a dinâmica de acidentes de trânsito. As aplicações são as mais diversas e exigem muita criatividade dos profissionais.

Direito News — Que mensagem final você gostaria de deixar aos profissionais que estão iniciando na advocacia e terão de enfrentar os desafios da revolução 4.0?

Bernardo de Azevedo e Souza — O Direito está entrando numa nova era e não voltará a ser analógico como antes. O processo de transformação digital que estamos presenciando é irreversível, mas não significa o fim da advocacia. Não há por que supor que cenários “apocalípticos” como esse irão se concretizar. Os advogados sempre serão essenciais e não vislumbro um futuro sem esses profissionais. Mas me parece inegável que o mundo está exigindo um novo olhar dos advogados. Embora ninguém seja capaz de antecipar o amanhã, os sinais sãos inegáveis: os profissionais que enxergam a tecnologia como oportunidade, e não como ameaça, são capazes de se manter competitivos no mercado jurídico e aumentam suas chances de alçar voo no “novo mundo” do Direito.

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