O julgamento no STF sobre o tema foi suspenso por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. A discussão é se a autodeclaração de hipossuficiência econômica pode ser usada na Justiça do Trabalho.
Contexto
O Código de Processo Civil (CPC) prevê que essa alegação é presumida verdadeira. Embora o CPC seja de 2015, o advogado e juiz do Trabalho aposentado José Roberto Dantas Oliva lembra que essa regra está prevista na legislação desde a Lei 7.115/1983.
Já a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), conforme a redação trazida pela reforma trabalhista de 2017, condiciona a concessão da Justiça gratuita à comprovação de “insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo”.
Porém, a Súmula 463 do Tribunal Superior do Trabalho, também de 2017, diz que a mera declaração é suficiente. No final do último ano, o Pleno do TST reafirmou esse entendimento.
Na ação levada ao Supremo (ADC 80), a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) pediu que a Justiça gratuita seja concedida somente para quem comprovar renda de até 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (o que hoje significa cerca de R$ 3,3 mil mensais).
O advogado trabalhista Ricardo Calcini, sócio-fundador do escritório Calcini Advogados e professor do Insper, explica que, caso o pedido da Consif seja aceito pela maioria dos ministros, o trabalhador precisará demonstrar sua insuficiência financeira de outras formas.
Isso significa “comprovar seus rendimentos dentro do limite da lei”, indica Larissa Fortes de Almeida, sócia da área trabalhista do escritório Andrade Maia.
Basta
Para Fabíola Marques, advogada trabalhista e professora da PUC-SP, a tese de Fachin é “corretíssima” e a simples declaração, de fato, basta para demonstrar a insuficiência de recursos.
“A regra é a boa-fé, portanto, se houver má-fé, esta deve ser comprovada”, aponta ela. “Se a parte contrária não concordar, deverá impugnar.”
Embora beneficiários da Justiça gratuita não precisem pagar honorários periciais e advocatícios de sucumbência em processos trabalhistas, a advogada não acredita que o julgamento do STF sobre a autodeclaração terá impacto na judicialização. “A não ser que as pessoas ajam de má-fé, o que não deve acontecer.”
Na visão de Calcini, “a ADC 80 é mais uma oportunidade de o STF aniquilar a Justiça do Trabalho, ao penalizar os trabalhadores com a imposição de despesas processuais a partir do mero exercício de um direito fundamental de ação”.
Oliva concorda que Fachin está certo: “Se até no Processo Civil tudo isso é possível, por que não o seria no do Trabalho?”.
Para ele, “não há nenhuma novidade nisso”, pois a tese já é “normal no mundo jurídico” há 42 anos. “O que se estranha é o ‘estranhamento’ atual, especialmente no âmbito trabalhista.”
“Não entendo a celeuma que surgiu a partir da denominada ‘reforma’ trabalhista de 2017. Agora parece que não se contentam mais em derrotar o trabalhador. Querem vingança. Querem tornar o perdedor exemplo, perseguindo-o para desencorajar outros que, eventualmente, pretendam também recorrer ao Judiciário. E isso só ocorre na esfera trabalhista”, acrescenta Oliva.
O juiz aposentado reforça que a declaração de pobreza pode ser impugnada e, “se comprovadamente falsa, sujeitará seu autor às penas previstas para o crime de falsidade ideológica”.
Não basta
Segundo Larissa Almeida, a partir da reforma trabalhista, a jurisprudência se dividiu. Alguns tribunais continuaram aplicando a Súmula 463 do TST, enquanto outros passaram a exigir a comprovação dos rendimentos.
Se a incapacidade financeira não for comprovada por nenhum meio, a parte pode ser condenada a pagar custas de 2% sobre o valor da causa, mais honorários advocatícios entre 5% e 15% do valor da condenação.
A advogada ressalta que “a inexigência de prova dos rendimentos, pela simples declaração de pobreza, acaba por permitir o deferimento indevido dos benefícios a muitos jurisdicionados que efetivamente não são hipossuficientes e auferem valores superiores ao permitido pela CLT”.
Nesses casos, explica ela, a parte contrária é que precisa comprovar a falsidade da declaração de pobreza e a existência de bens e rendimentos incompatíveis com a alegação.
Para a sócia do Andrade Maia, a previsão da reforma trabalhista se alinha ao inciso LXXIV do artigo 5º da Constituição, que prevê a Justiça gratuita “aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
Larissa é contra medidas que possam gerar custos indevidos ao Estado. Por isso, acredita que “a exigência de prova de rendimentos, em vez da simples declaração de hipossuficiência, oferece mais garantias contra o uso indevido dos benefícios da Justiça gratuita”.
De qualquer forma, ela considera que o julgamento do STF “poderá pacificar a questão, trazendo mais segurança jurídica para os jurisdicionados”.
José Higídio
Fonte: @consultor_juridico
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