A paciente, que é primária, foi detida em outubro de 2017 sob a acusação de tentar entrar na Penitenciária de Lucélia com quatro gramas de cocaína e partes de um aparelho celular. O crime teria ocorrido durante uma visita.
Assistida pela Defensoria Pública, a mulher tem uma filha menor de 12 anos, que atualmente vive com a família em uma casa na zona leste da capital paulista. Os familiares se sustentam com benefícios assistenciais.
Ao condicionar a progressão — direito que a paciente tem desde fevereiro deste ano — ao pagamento de multa ou comprovação de hipossuficiência, o juiz acolheu manifestação do promotor Cláudio Santos Machado, do Ministério Público estadual.
Segundo o representante do MP, o artigo 118, parágrafo 1º, da Lei de Execução Penal, determina que o condenado não pode permanecer em regime aberto sem pagar a multa.
Ocorre que o dispositivo citado pelo membro do parquet diz respeito à regressão de regime e não à progressão. Tal dispositivo regressivo só pode ser aplicado quando o condenado já está em regime aberto e comete crime doloso, falta grave, é condenado por crime anterior ou não pagou a multa — na hipótese de ter condições para isso.
Ao se manifestar nos autos, a defensora pública Sandra Maria Shiguehara Tibano, responsável por defender a mulher, ressaltou a confusão feita pelo Ministério Público.
"Em que pese o entendimento do promotor de justiça, com devido respeito, exigência do pagamento de multa não encontra abrigo na legislação pátria e constitui excesso de execução por medida não prevista em lei, a implicar indevida restrição ao direito fundamental de liberdade", disse.
Já o artigo 112 da Lei de Execuções Penais, esse sim tratando da progressão de pena, não diz em momento nenhum que tal benefício será concedido apenas se o apenado pagar a multa, diz a defensora.
Ela também destaca que o Código Penal, em seu artigo 51, assim como a Constituição Federal, no artigo 5º, inciso LXVII, proíbem a manutenção da pena em regime mais gravoso.
A defensora lembrou, por fim, que no Brasil a prisão por dívida só é permitida quando há descumprimento injustificado de pensão alimentícia.
Precedente duvidoso
Ao impor obstáculos à progressão de regime, o juiz do Deecrim usou como base jurisprudencial uma decisão proferida em 2015 pelo Supremo Tribunal Federal.Trata-se do Agravo na Progressão de Regime na Execução Penal 12. À época, a corte, sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, decidiu que "o inadimplemento deliberado da pena de multa cumulativamente aplicada ao sentenciado impede a progressão no regime".
Na ocasião, no entanto, a corte não julgou um hipossuficiente, e sim paciente que teria deixado de pagar multa de forma deliberada, tendo condições para depositar o valor. O caso envolvia o advogado, empresário e político Romeu Ferreira de Queiroz.
Para a advogada Viviane Balbuglio, ativista da Frente pelo Desencarceramento de São Paulo, a decisão do Deecrim apenas reforça desigualdades que já existem no Judiciário brasileiro.
"A existência de pena de multa no sistema de justiça criminal é mais um sinônimo da profunda desigualdade social e racial que o Brasil enfrenta. Não há qualquer razoabilidade de sequer se exigir que pessoas assistidas pela Defensoria Pública, que por si só já têm a hipossuficiência comprovada, e em plena pandemia do coronavírus, precisem atestar novamente a condição de pobreza para que tenham acesso a seus direitos", diz.
Por Tiago Angelo
Fonte: Conjur
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