Outros advogados foram presos em outras cidades por ordem da mesma operação. Para além da suposta criminalização da advocacia alegada pelos representantes das advogadas, o absurdo dos absurdos é a prisão de mulheres em presídio masculino, algo recorrente na região norte do país, diga-se.
Segundo o Estatuto da OAB:
Art. 7º São direitos do advogado:
IV – ter a presença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, para lavratura do auto respectivo, sob pena de nulidade e, nos demais casos, a comunicação expressa à seccional da OAB;
V – não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB, e, na sua falta, em prisão domiciliar; (…). (grifos nossos).
O artigo 5º da Constituição estabelece:
XLVIII – a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;(…).
Independentemente do mérito das acusações contra as advogadas, matéria bastante sensível por dar margem à criminalização da advocacia, a prisão de mulheres em presídio masculino é inconstitucional, e a prisão de advogados desobedecendo ao estabelecido no Estatuto da OAB constitui violação de prerrogativas da advocacia.
É certo que o Estado policial tem dado o tom de operações de combate à criminalidade. Além das habituais violações dos direitos de réus e investigados, agora o leque se amplia com a prisão/criminalização de advogados que defendem réus em processo penal. Se o advogado for investigado junto com seu cliente, fere-se o próprio direito de defesa de réus em processo criminal.
Sobre o demonizado termo “garantismo”, dispõe Ferrajoli:
Não obstante, é útil precisar que “garantismo” é um neologismo que se difundiu na Itália nos anos Setenta com referência ao direito penal, como réplica teórica à redução, naqueles anos, das garantias penais e processuais dos direitos de liberdade, por obra de uma legislação e de uma jurisdição de exceção justificadas pela emergência do terrorismo. Mas é claro que o paradigma garantista deve ser ampliado, em sede teoria geral do direito, para todo o campo dos direitos da pessoa. Por “garantismo” se entende, portanto, nesta acepção mais ampla, um modelo de direito baseado na rígida subordinação à lei de todos os poderes e nos vínculos a eles impostos para a garantia dos direitos, primeiramente, dentre todos, os direitos fundamentais estabelecidos pela Constituição. Neste sentido o garantismo é sinônimo de “Estado constitucional de direito”, ou seja, de um sistema que refunda o paradigma clássico do Estado liberal, ampliandoo em duas direções: de um lado, em relação a todos os poderes, não apenas para o Judiciário, mas também para os poderes legislativo e de governo, e não apenas para os poderes públicos, mas também para os poderes privados; de outro lado, em relação a todos os direitos, não apenas os de liberdade, mas também os direitos sociais, com as consequentes obrigações, além das proibições, a cargo da esfera pública. (FERRAJOLI, 2015, pg. 11)
Usar a problemática real da criminalidade, seja terrorismo, tráfico de drogas, facções criminosas, como pretexto para a implantação de um Estado policial, em que prerrogativas de advogados são desrespeitadas, em que advogados ligados à defesa de grupos criminosos são investigados junto com seus clientes, é uma tática além de antiga, ineficiente. Enfraquecer o Estado Democrático de Direito não é o caminho para uma punição eficiente de criminosos, sequer diminui a criminalidade a curto e longo prazo.
REFERÊNCIAS
ADORNO, Luís. FILHO, Herculano Barreto. Em cadeia masculina, advogadas de cúpula do PCC alegam condições desumanas. Matéria publicada no UOL em 25/11/2020. Disponível aqui.
FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo teórico e projeto político. Tradução: Alexander Araújo de Souza e outros. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
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Maria Carolina De Jesus Ramos
Especialista em Ciências Penais. Advogada.
Fonte: Canal Ciências Criminais
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