A criminalização da advocacia

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bit.ly/378WEEI | Notícia do UOL de 25 de novembro de 2020 comunica que três advogadas foram presas em cadeia masculina, por suspeita de transmissão de informações entre membros do PCC. As advogadas Marisâmia A. C. I., Gabriele S. X. e Kelly M. C. I. D. foram presas em Rondônia, na capital Porto Velho, por processo que corre na comarca de São Paulo.

Outros advogados foram presos em outras cidades por ordem da mesma operação. Para além da suposta criminalização da advocacia alegada pelos representantes das advogadas, o absurdo dos absurdos é a prisão de mulheres em presídio masculino, algo recorrente na região norte do país, diga-se.

Segundo o Estatuto da OAB:

Art. 7º São direitos do advogado:

IV – ter a presença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, para lavratura do auto respectivo, sob pena de nulidade e, nos demais casos, a comunicação expressa à seccional da OAB;

V – não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB, e, na sua falta, em prisão domiciliar;   (…). (grifos nossos).

O artigo 5º da Constituição estabelece:

XLVIII – a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;(…).

Independentemente do mérito das acusações contra as advogadas, matéria bastante sensível por dar margem à criminalização da advocacia, a prisão de mulheres em presídio masculino é inconstitucional, e a prisão de advogados desobedecendo ao estabelecido no Estatuto da OAB constitui violação de prerrogativas da advocacia.

É certo que o Estado policial tem dado o tom de operações de combate à criminalidade. Além das habituais violações dos direitos de réus e investigados, agora o leque se amplia com a prisão/criminalização de advogados que defendem réus em processo penal. Se o advogado for investigado junto com seu cliente, fere-se o próprio direito de defesa de réus em processo criminal.

Sobre o demonizado termo “garantismo”, dispõe Ferrajoli:

Não obstante, é útil precisar que “garantismo” é um neologismo que se difundiu na Itália nos anos Setenta com referência ao direito penal, como réplica teórica à redução, naqueles anos, das garantias penais e processuais dos direitos de liberdade, por obra de uma legislação e de uma jurisdição de exceção justificadas pela emergência do terrorismo. Mas é claro que o paradigma garantista deve ser ampliado, em sede teoria geral do direito, para todo o campo dos direitos da pessoa. Por “garantismo” se entende, portanto, nesta acepção mais ampla, um modelo de direito baseado na rígida subordinação à lei de todos os poderes e nos vínculos a eles impostos para a garantia dos direitos, primeiramente, dentre todos, os direitos fundamentais estabelecidos pela Constituição. Neste sentido o garantismo é sinônimo de “Estado constitucional de direito”, ou seja, de um sistema que refunda o paradigma clássico do Estado liberal, ampliando­o em duas direções: de um lado, em relação a todos os poderes, não apenas para o Judiciário, mas também para os poderes legislativo e de governo, e não apenas para os poderes públicos, mas também para os poderes privados; de outro lado, em relação a todos os direitos, não apenas os de liberdade, mas também os direitos sociais, com as consequentes obrigações, além das proibições, a cargo da esfera pública. (FERRAJOLI, 2015, pg. 11)

Usar a problemática real da criminalidade, seja terrorismo, tráfico de drogas, facções criminosas, como pretexto para a implantação de um Estado policial, em que prerrogativas de advogados são desrespeitadas, em que advogados ligados à defesa de grupos criminosos são investigados junto com seus clientes, é uma tática além de antiga, ineficiente. Enfraquecer o Estado Democrático de Direito não é o caminho para uma punição eficiente de criminosos, sequer diminui a criminalidade a curto e longo prazo.

REFERÊNCIAS

ADORNO, Luís. FILHO, Herculano Barreto. Em cadeia masculina, advogadas de cúpula do PCC alegam condições desumanas. Matéria publicada no UOL em 25/11/2020. Disponível aqui.

FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo teórico e projeto político. Tradução: Alexander Araújo de Souza e outros. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
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Maria Carolina De Jesus Ramos
Especialista em Ciências Penais. Advogada.
Fonte: Canal Ciências Criminais

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