É imprescindível que, em caso de apreensão decorrente de investigação, seja respeitado o sigilo profissional do advogado(a), considerando que, além do que se possa estar sendo investigado, existem dados sigilosos, de modo que é preciso evitar a violação da privacidade, intimidade e sigilo profissional do investigado. Porquanto, a Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia) dispõe expressamente em seu artigo 7º, inciso II, que “são direitos do advogado a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia”.
Acontece que, em decorrência dos avanços tecnológicos nos dias de hoje, tornou-se dispensável que o advogado possua um escritório físico, de maneira que o aparelho telefônico passou a ser o principal instrumento de comunicação entre o profissional e seus clientes, cujas conversas extraídas de seu interior, por força de lei, também devem ser dotadas de inviolabilidade por conter dados sensíveis de terceiros.
Assim, diferente de outros aparelhos eletrônicos, o celular é de uso extremamente pessoal e íntimo, pois armazena os mais diversos dados privados dos indivíduos, seja por meio de fotos, mensagens, vídeos ou ligações. Desse modo, a proteção desses dados é uma questão tão significativa ao aparato jurídico brasileiro que houve a necessidade de criação da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/18), que entrou em vigor em 2020, estabelecendo, inclusive, um valor pecuniário de multa em caso de infração à norma.
Tendo em vista a relevância dos referidos dados e informações, bem como o fato de que novas tecnologias têm enfraquecido a privacidade, pois expõem os dados pessoais a várias formas de acesso e tratamentos que antes não existiam, no contexto das investigações criminais, a violação de dados pessoais se torna uma preocupação ainda maior.
Isso porque as autoridades podem ter acesso a uma quantidade imensa de informações privadas, o que pode levar a abusos e invasões de privacidade. Em razão disso, é preciso tratar da necessidade de equilibrar a segurança pública com a proteção dos direitos individuais. Nesse sentido, ensina Cíntia Rosa Pereira de Lima:
As novas tecnologias contribuem para uma esfera privada cada vez mais fragilizada, pois esta acaba exposta a muitas formas de acesso e de tratamento de dados, antes inexistentes. Esses riscos apresentam- se com especial relevo na sociedade informacional, que é caracterizada por ser uma sociedade de serviços e rica em relações internacionais (alto nível de globalização) e com elevado padrão de condutas [1].
Inviolabilidade
Entretanto, no que diz respeito à inviolabilidade profissional, ela pode ser afastada ante a presença de indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, segundo o artigo 7, §6, do Estatuto da Advocacia, porém, é expressamente vedada a utilização de documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes.
Deste modo, visando a impedir que a inviolabilidade dos instrumentos de trabalho da advocacia fosse afetada em razão de um de seus membros ser alvo de investigação, incluiu-se recentemente o § 6º-A e seguintes ao artigo 7º do Estatuto, tutelando expressamente a forma como se dará o acesso a dados privados do advogado que não digam respeito às investigações, bem como, informações sobre seus demais clientes:
Art. 7º São direitos do advogado:
II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia; (Redação dada pela Lei nº 11.767, de 2008)
(…)
§ 6º-A. A medida judicial cautelar que importe na violação do escritório ou do local de trabalho do advogado será determinada em hipótese excepcional, desde que exista fundamento em indício, pelo órgão acusatório. (Promulgação partes vetadas) (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022)
§ 6º-B. É vedada a determinação da medida cautelar prevista no § 6º- A deste artigo se fundada exclusivamente em elementos produzidos em declarações do colaborador sem confirmação por outros meios de prova. (Promulgação partes vetadas) (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022)
§ 6º-C. O representante da OAB referido no § 6º deste artigo tem o direito a ser respeitado pelos agentes responsáveis pelo cumprimento do mandado de busca e apreensão, sob pena de abuso de autoridade, e o dever de zelar pelo fiel cumprimento do objeto da investigação, bem como de impedir que documentos, mídias e objetos não relacionados à investigação, especialmente de outros processos do mesmo cliente ou de outros clientes que não sejam pertinentes à persecução penal, sejam analisados, fotografados, filmados, retirados ou apreendidos do escritório de advocacia. (Promulgação partes vetadas) (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022)
§ 6º-D. No caso de inviabilidade técnica quanto à segregação da documentação, da mídia ou dos objetos não relacionados à investigação, em razão da sua natureza ou volume, no momento da execução da decisão judicial de apreensão ou de retirada do material, a cadeia de custódia preservará o sigilo do seu conteúdo, assegurada a presença do representante da OAB, nos termos dos §§ 6º-F e 6º-G deste artigo. (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022)
§ 6º-E. Na hipótese de inobservância do § 6º-D deste artigo pelo agente público responsável pelo cumprimento do mandado de busca e apreensão, o representante da OAB fará o relatório do fato ocorrido, com a inclusão dos nomes dos servidores, dará conhecimento à autoridade judiciária e o encaminhará à OAB para a elaboração de notícia-crime. (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022)
§ 6º-F. É garantido o direito de acompanhamento por representante da OAB e pelo profissional investigado durante a análise dos documentos e dos dispositivos de armazenamento de informação pertencentes a advogado, apreendidos ou interceptados, em todos os atos, para assegurar o cumprimento do disposto no inciso II do caput deste artigo. (Promulgação partes vetadas). (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022)
§ 6º-G. A autoridade responsável informará, com antecedência mínima de 24 (vinte e quatro) horas, à seccional da OAB a data, o horário e o local em que serão analisados os documentos e os equipamentos apreendidos, garantido o direito de acompanhamento, em todos os atos, pelo representante da OAB e pelo profissional investigado para assegurar o disposto no § 6º-C deste artigo. (Promulgação partes vetadas) (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022)
§ 6º-H. Em casos de urgência devidamente fundamentada pelo juiz, a análise dos documentos e dos equipamentos apreendidos poderá acontecer em prazo inferior a 24 (vinte e quatro) horas, garantido o direito de acompanhamento, em todos os atos, pelo representante da OAB e pelo profissional investigado para assegurar o disposto no § 6º- C deste artigo. (Promulgação partes vetadas) (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022)
Portanto, o § 6º-C supracitado veda expressamente a apreensão, análise de fotografia, filmagem e documentos que digam respeito à vida privada do advogado, em especial, protege, também, as que guardam relações com seus clientes que não sejam alvos da investigação objeto da análise.
Jurisprudência
Nesse sentido, o ministro Gilmar Mendes, ao analisar a Reclamação 36.009 PR 2, reconheceu a violação do sigilo profissional do advogado. Afirmou que os limites estabelecidos pela autoridade judicial devem ser respeitados, especialmente em locais com documentos de pessoas não investigadas. Sendo assim, a medida deve especificar claramente seu alcance, protegendo os direitos de terceiros. Além disso, declarou a nulidade das provas obtidas na busca e apreensão no escritório de advocacia, determinando que o material recolhido fosse retirado dos autos e que tais provas ou informações não pudessem ser usadas em qualquer investigação.
Nesta linha, o Tribunal de Justiça do estado de São Paulo, igualmente, reconheceu a existência de constrangimento ilegal decorrente de acesso direto às informações trocadas entre cliente e advogado por meio de interceptação telefônica, em razão da latente violação aos artigos 133 da Constituição e artigo 7º, inciso II, da nº Lei 8.906/94. Vejamos:
HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO SIGILO PROFISSIONAL DA COMUNICAÇÃO ENTRE ADVOGADO E CLIENTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
OCORRÊNCIA. Alegado constrangimento ilegal decorrente da manutenção “nos autos da Ação Penal nº 0085844-11.2013.8.26.0050, dos diálogos entre advogado e cliente, extraídos da interceptação telefônica compartilhada, acobertados pelo sigilo porque mantidos no estrito exercício profissional da advocacia”. Reconhecimento. Prerrogativa do advogado. Direito a privacidade como corolário do princípio da ampla defesa. Artigos 133, da Constituição Federal, e 7º, inciso II, da nº lei 8.906. Degravações telefônicas que se traduzem em meras orientações profissionais. Constrangimento ilegal configurado. ORDEM CONHECIDA CONCEDIDA. (TJ-SP – HC: 21569021520218260000 SP 2156902-15.2021.8.26.0000, relator: Camargo Aranha Filho, data de julgamento: 21/01/2022, 16ª Câmara de Direito Criminal, data de publicação: 24/01/2022).
Conclusão
Portanto, tendo em vista a importância do aparelho celular do advogado(a) no contexto da sociedade informacional, pois, como se sabe, é um instrumento de trabalho e armazena diversas informações de diferentes clientes, bem como a relevância da inviolabilidade profissional do advogado(a), que é indispensável à administração da justiça, é necessário cautela para que não ocorra constrangimento ilegal do investigado ao ser submetido a ter todas as suas conversas de cunho pessoal e profissional expostas no processo.
Contudo, caso desrespeitada a necessidade do sigilo daquelas informações que não tenham relação com a investigação realizada, ocorrendo, dessa forma, uma falha da justiça, deve ser determinado o desentranhamento das referidas informações que não guardem relação com os fatos investigados, mantendo — tão somente — aquelas pertinentes ao contexto investigatório, de modo a respeitar-se o sigilo profissional do advogado(a), que é essencial ao exercício da profissão.
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Referências
LIMA, Cíntia Rosa Pereira de. Autoridade nacional de proteção de dados e a efetividade da Lei Geral de Proteção de Dados: de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n. 13.709/2018 e as alterações da Lei n.
13.853/2019), o Marco civil da Internet (Lei n. 12.965/2014) e as sugestões de alteração do CDC (PL 3.514/2015). São Paulo: Almedina Brasil, 2020. 1 recurso online. (Teses). ISBN 9788584936397
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 24 jun. 2024.
BRASIL. Estatuto da Advocacia e OAB (Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994). Disponível em < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm>. Acesso em 24 jun. 2024.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Rcl: 36009 PR 0026225- 07.2019.1.00.0000, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 15/09/2021, Data de Publicação: 20/09/2021.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. HC: 21569021520218260000 SP 2156902-15.2021.8.26.0000, Relator: Camargo
Aranha Filho, Data de Julgamento: 21/01/2022, 16ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 24/01/2022.
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[1] ( LIMA, Cíntia Rosa Pereira de. Autoridade nacional de proteção de dados e a efetividade da Lei Geral de Proteção de Dados: de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n. 13.709/2018 e as alterações da Lei n. 13.853/2019), o Marco civil da Internet (Lei n. 12.965/2014) e as sugestões de alteração do CDC (PL 3.514/2015). São Paulo: Almedina Brasil, 2020. 1 recurso online. (Teses). ISBN 9788584936397, p. 35.)
2 TRECHOS DO INTEIRO TEOR DA SEGUINTE JURISPRUDÊNCIA (STF – Rcl: 36009 PR 0026225-07.2019.1.00.0000, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 22/08/2021, Segunda Turma, Data de Publicação: 27/09/2021): Decisão: II – Da violação às prerrogativas dos advogados e da configuração de hipótese de fishing expedition Também se observa-se a flagrante nulidade da decisão proferida pelo Juízo Estadual em virtude da violação às prerrogativas dos advogados atuantes no feito. Com efeito, a decisão proferida pelo Juízo reclamado em 23.8.2021 impôs a quebra do sigilo profissional de conversas mantidas entre o denunciado e seu advogado, sem quaisquer ressalvas, de modo a desequilibrar a relação de paridade de armas no processo, com indevido impacto sobre o exercício do direito de defesa e em violação ao disposto no art. 7º, II, da Lei 8.906/94, abaixo transcrita: “Art. 7º São direitos do advogado: […] II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia […] Em situações como essa, a jurisprudência do STF tem reconhecido a ilegalidade das diligências investigativas, conforme se observa das decisões abaixo transcritas: “HABEAS CORPUS. BUSCA E APREENSÃO FUNDAMENTADA. VERIFICAÇÃO DE QUE NO LOCAL FUNCIONAVA ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO ESPECÍFICA. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO AO MAGISTRADO ANTES DA EXECUÇÃO DA MEDIDA. IMPOSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO EM SITUAÇÃO DISTINTA DAQUELA DETERMINADA NA ORDEM JUDICIAL. NULIDADE DAS PROVAS COLHIDAS. ORDEM CONCEDIDA. 1. O sigilo profissional constitucionalmente determinado não exclui a possibilidade de cumprimento de mandado de busca e apreensão em escritório de advocacia. O local de trabalho do advogado, desde que este seja investigado, pode ser alvo de busca e apreensão, observando-se os limites impostos pela autoridade judicial. 2. Tratando-se de local onde existem documentos que dizem respeito a outros sujeitos não investigados, é indispensável a especificação do âmbito de abrangência da medida, que não poderá ser executada sobre a esfera de direitos de não investigados. […] 4. Ordem concedida para declarar a nulidade das provas oriundas da busca e apreensão no escritório de advocacia do paciente, devendo o material colhido ser desentranhado dos autos do INQ 544 em curso no STJ e devolvido ao paciente, sem que tais provas, bem assim quaisquer das informações oriundas da execução da medida, possam ser usadas em relação ao paciente ou a qualquer outro investigado, nesta ou em outra investigação. (HC 91.610, Relator (a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 08/06/2010, DJe-200 DIVULG 21-10-2010 PUBLIC 22-10-2010 EMENT VOL-02420-02 PP-00237 RTJ VOL-00216-01 PP-00346) “O paciente é advogado e tem o seu sigilo profissional legalmente estabelecido, e não se pode pretender acesso a seu telefone, no qual se podem conter informações outras que não vinculadas aos fatos investigados pela Comissão Parlamentar de Inquérito e que estejam acobertadas pela garantia de direitos de terceiros. […] Não se está a impedir que se processe investigação de condutas ilícitas praticadas no exercício de qualquer profissão, mas não se podem afastar prerrogativas constitucionais e legais dos advogados.’” (STF, HC 171.508-MC, Decisão Monocrática, Min. Cármen Lúcia, j. 20.5.2019). É importante pontuar que as prerrogativas profissionais dos advogados não são absolutas. O próprio §6º do art. 7º do Estatuto da OAB prevê a possibilidade de quebra ou relativização em casos de investigações em andamento em que sejam demonstradas a presença de indícios suficientes de autoria e materialidade delitiva. Contudo, a referida quebra deve se restringir às estritas hipóteses legais, não podendo ser utilizada como medida investigativa inicial e/ou disfarçada, em contexto no qual sequer se sabe a identidade do possível agente que tentou corromper o perito judicial. […] Dispositivo Ante o exposto, DEFIRO o pedido de extensão, nos termos do art. 580 do CPP para: […] b) declarar a nulidade da decisão proferida pelo Juízo reclamado em 23.08.2021 e da respectiva perícia, com a imediata expedição de ofício ao Instituto de Criminalística para que suspenda os trabalhos técnicos. Publique-se. Intimem- se. Cumpra-se com urgência. Brasília, 15 de setembro de 2021. Ministro Gilmar Mendes Relator Documento assinado digitalmente (STF – Rcl: 36009 PR 0026225-07.2019.1.00.0000, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 15/09/2021, Data de Publicação: 20/09/2021) (grifou- se).
Rafael Garcia Campos
é advogado criminalista, especialista em garantias constitucionais da investigação e da prova no processo pela Universidad de Castilla-La Mancha (Espanha) e especialista em crime organizado, corrupção e terrorismo pela Universidade de (Espanha).
Fonte: @consultor_juridico
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