Cinco ministros votam contra exigência de inscrição de advogados públicos na OAB

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Via @consultor_juridico | Advogados públicos não precisam estar inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil para exercer funções estatais. Porém, podem se registrar se quiserem. Esse foi o entendimento firmado por cinco ministros do Supremo Tribunal Federal nesta quinta-feira (8/5), em julgamento que foi interrompido por pedido de vista do ministro Dias Toffoli.

O ministro Cristiano Zanin, relator do caso, entendeu que exigir a inscrição dos advogados públicos na OAB é inconstitucional, mas isso pode ocorrer de forma voluntária. O voto foi seguido pelos ministros Flávio Dino, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes.

O ministro Edson Fachin, que havia pedido destaque do julgamento no Plenário Virtual, avaliou que a inscrição na OAB é válida, pois a profissão de advogado não faz distinções entre o setor público e o privado. Esse posicionamento foi acompanhado pelos ministros André Mendonça e Nunes Marques. Já o ministro Luiz Fux avaliou que o registro na Ordem é válido em certos casos.

O julgamento tem repercussão geral reconhecida. O Conselho Federal da OAB, sua seccional de Rondônia (OAB-RO), associações de advogados públicos e a própria Advocacia-Geral da União defendem que existe tal obrigatoriedade. Já a Procuradoria-Geral da República e a Justiça Federal de Rondônia se posicionaram de forma contrária.

Contexto

O artigo 3º do Estatuto da Advocacia e da OAB diz que o exercício da atividade de advocacia no Brasil e a denominação de advogado “são privativos dos inscritos” na Ordem.

De acordo com o parágrafo 1º do mesmo dispositivo, os integrantes da AGU, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das procuradorias e consultorias jurídicas dos estados, do Distrito Federal, dos municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional “exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem”.

O caso chegou ao STF em 2010, por meio de um recurso extraordinário movido pela OAB-RO contra uma decisão da Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de Rondônia. O colegiado havia autorizado um advogado da União a atuar judicialmente sem a inscrição na seccional da Ordem.

A OAB-RO alegou que a Constituição não faz distinção entre advocacia pública e privada, mas demonstra que ambas são indispensáveis e essenciais, o que as coloca no mesmo patamar.

Segundo a seccional, apesar da função pública, os advogados da União não deixam de ser advogados e desempenham as mesmas atividades dos advogados privados. Por isso, não haveria respaldo para isentá-los da inscrição da OAB e do pagamento da anuidade.

No recurso, a OAB-RO argumentou que, de acordo com o próprio Estatuto da OAB, o advogado “presta serviço público e exerce função social”, ainda que “no seu ministério privado”. Ou seja, mesmo se não fizer concurso público, o advogado tem um exercício profissional “revestido de múnus público”.

Voto do relator

Em seu voto, Cristiano Zanin ressaltou que os advogados públicos têm “a incumbência única de representar um órgão ou ente da federação, em obediência ao seu vínculo funcional com o Estado”. Embora tais profissionais exerçam atividades análogas às dos advogados privados, não estão sujeitos às mesmas regras, segundo ele.

O magistrado destacou que a Lei Orgânica da AGU não prevê necessidade de inscrição do advogado público em qualquer entidade de classe.

Ele ainda indicou que tal norma proíbe os advogados públicos de exercerem advocacia “fora das atribuições institucionais”. A Lei 9.651/1998 diz a mesma coisa, enquanto a Medida Provisória 2.229-43/2001 proíbe os procuradores federais de exercerem a advocacia “fora das atribuições do respectivo cargo”. Para Zanin, essas regras significam proibição do exercício da advocacia privada.

Além disso, o Estatuto da OAB prevê o cancelamento da inscrição do advogado que “passar a exercer, em caráter definitivo, atividade incompatível com a advocacia”. Na visão do ministro, esta é a consequência para advogados públicos que exercerem a advocacia privada.

Segundo Zanin, “a capacidade postulatória dos advogados públicos decorre de previsão constitucional” (nos artigos 131 e 132) e não depende de qualquer registro nos quadros da OAB, o que também afasta a obrigatoriedade de pagamento de anuidade à entidade.

O relator ainda lembrou que o STF já afastou a exigência de inscrição de defensores públicos nos quadros da OAB. Na ocasião, a corte decidiu que esses profissionais se submetem somente ao regime próprio da Defensoria Pública. Para o ministro, o mesmo raciocínio se aplica aos advogados públicos.

Mesmo assim, ele afirmou que “não seria de todo estranho permitir que os advogados públicos possam, voluntariamente, inscrever-se nos quadros da OAB, a fim de usufruírem das prerrogativas conferidas pelo Estatuto”.

Zanin propôs a seguinte tese de repercussão geral: “É inconstitucional a exigência de inscrição do advogado público nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil para o exercício das atividades inerentes ao cargo público”.

Inicialmente, o relator havia sugerido um segundo item na tese, com a seguinte redação: “A inscrição de advogados públicos nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil poderá ocorrer de forma voluntária, individualizadamente, ou mediante ato administrativo a ser firmado entre o órgão de representação estatal e a Ordem dos Advogados do Brasil”.

Porém, ele excluiu essa parte após manifestações de Gilmar Mendes e Flávio Dino. Gilmar demonstrou preocupação com o surgimento de conflitos institucionais decorrentes dos convênios firmados entre órgãos públicos e a OAB.

Votos divergentes

Fachin afirmou que a Constituição não faz distinção entre advocacia pública e privada. “Uma função essencial à Justiça não pode estar dividida em duas categorias, pois é uma única profissão”.

Segundo o ministro, advogados públicos se sujeitam ao Código de Ética da OAB e à legislação específica da carreira, como, no caso, a Lei Orgânica da AGU.

“Todos os advogados brasileiros jamais deixam de ser advogados em razão da aprovação em concurso público para exercício de cargo cuja primeira atribuição seja o exercício da advocacia”, avaliou Fachin, votando pela exigência da inscrição na OAB para advogados públicos.

Nunes Marques disse que, sem a obrigatoriedade, a Ordem perderia importância na sociedade brasileira e as carreiras teriam menos controle.

Já Luiz Fux declarou que deve ser obrigatória a inscrição na OAB em carreiras que exigem o registro ou que permitem que advogados públicos exerçam a advocacia privada.

Manifestações das partes

Em memorial enviado ao STF, o Conselho Federal da OAB explicou que sempre considerou obrigatória a inscrição de advogados públicos nos quadros da Ordem.

A OAB Nacional indicou que a Constituição não limita a sua atuação aos advogados privados. Segundo a entidade, todos aqueles que exercem a advocacia integram a OAB.

Outro argumento usado foi o de que existem duas fiscalizações distintas das atividades dos advogados públicos: a fiscalização ético-disciplinar, feita pela OAB e em prol da sociedade; e a fiscalização funcional, feita pelas próprias repartições públicas que remuneram esses profissionais, em prol delas mesmas.

Além disso, na prática, advogados públicos participam da OAB e cada seccional possui uma Comissão do Advogado Público. De acordo com o CFOAB, não é possível desvincular qualquer advogado da entidade, pois ela promove a disciplina e defende as prerrogativas do profissional.

“A OAB, em uníssono com a Advocacia-Geral da União e demais associações representativas, reitera a necessidade de união da classe em defesa das prerrogativas de todas as advogadas e advogados, públicos e privados, por meio da inscrição nos quadros da Ordem”, afirma o presidente nacional da OAB, Beto Simonetti. “A advocacia pública desempenha papel crucial na garantia dos interesses do Estado e da sociedade. É fundamental que esses profissionais estejam protegidos pelas mesmas prerrogativas e sujeitos às mesmas responsabilidades que regem a profissão.”

Também em memoriais, a AGU defendeu a exigência de inscrição de advogados públicos nos quadros da OAB, mas ressaltou que eles se submetem de forma exclusiva à “competência disciplinar do órgão correicional competente” e próprio da instituição governamental.

Segundo a AGU, não existe norma constitucional ou legal que respalde a atuação de advogados públicos sem inscrição na OAB. Assim, aplicam-se a eles as regras do estatuto da entidade, pois a atividade prestada ainda é advocatícia.

A Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe), que é amicus curiae no processo, concordou que a atividade dos advogados públicos os coloca sob vínculo com a OAB, e ainda ressaltou que o CFOAB já foi presidido por grandes advogados públicos.

A manifestação da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape), também amicus curiae, foi na mesma linha. A entidade ressaltou que a Constituição trata a figura do advogado de forma única e não usa a expressão “advocacia privada”.

Por outro lado, em 2017, a PGR, então sob o comando de Rodrigo Janot, defendeu que é inconstitucional exigir inscrição do advogado público nos quadros da OAB como condição para exercício das funções públicas.

Na visão da PGR, a competência da OAB se limita aos advogados privados e não deve ser estendida aos públicos. Isso porque eles são selecionados pelo Estado e se submetem a estatutos próprios dos órgãos aos quais estão vinculados.

O RE não é a única frente na qual a PGR de Janot buscou defender essa tese. Desde 2015, tramita no STF uma ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo órgão, que contesta a validade do parágrafo 1º do artigo 3º do Estatuto da OAB.

  • RE 609.517

Sérgio Rodas
Fonte: @consultor_juridico

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