TJ-SP reduz tratamento de criança autista para 10h, impõe perícia e admite atendimento em sanatório

TJ-SP reduz tratamento de criança autista para 10h, impõe perícia e admite atendimento em sanatório
VIRAM? 😳 O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) suspendeu parcialmente a concessão de tratamento multidisciplinar intensivo a uma criança com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA), reduzindo drasticamente a carga horária terapêutica de 25 para 10 horas semanais, e determinando a realização de perícia judicial. A decisão impõe também que, enquanto perdurar a diligência, o atendimento ocorra conforme o “método tradicional”. Segundo a defesa, essa medida altera de forma arbitrária a prescrição médica, contrariando o tratamento originalmente indicado pelo médico responsável.

O agravo de instrumento, interposto pela criança tinha tão somente como objetivo a forma de pagamento do tratamento, caso realizado em rede não credenciada pelo plano, contudo, alterando os pedidos do recurso de forma extrapetita, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entendeu por prescrever novo método de tratamento para a criança.

A parte agravante, representada pela advogada Patricia Cosentino (@adv.patriciacosentino), argumenta que a decisão ignora o laudo médico especializado, contraria a Súmula 102 do TJ-SP, desconsidera a ciência ABA (Análise Aplicada do Comportamento) como abordagem cientificamente validada e única reconhecida para crianças dentro do espectro autista, além de desqualificar a intensidade mínima de 25 horas semanais, cientificamente reconhecida como fundamental para o desenvolvimento de habilidades em crianças com TEA. Segundo a defesa, a substituição do tratamento por atendimento em casa sanatorial é uma medida desconectada da realidade clínica e representa grave retrocesso nos direitos da criança.

Entenda o caso

A controvérsia teve início após decisão de primeiro grau que concedeu parcialmente tutela de urgência para garantir o custeio, pela operadora de plano de saúde, de tratamento multidisciplinar a uma criança de aproximadamente dois anos de idade diagnosticada com autismo. Foi deferido o quantitativo de 25 horas semanais, com possibilidade de reembolso em caso de atendimento em clínica particular.

A operadora interpôs agravo de instrumento, argumentando que o custo do tratamento – estimado em cerca de R$100 mil mensais – é inviável para a empresa e que o plano oferecido não cobre esse tipo de procedimento. O relator do caso, ao analisar o recurso, demonstrou surpresa com a carga horária deferida inicialmente, questionando a exequibilidade de “mais de cinco horas diárias de atendimento” a uma criança em idade precoce.

Fundamentos da decisão

Segundo o relator, não houve percepção anterior, por parte do juízo de origem, do Ministério Público ou da operadora, sobre a carga horária deferida. O desembargador considerou “absurda” a prescrição de 25 horas semanais para uma criança tão jovem, afirmando: “Como será possível que menor enfermiço, autista, com apenas dois anos de idade, ser tratado por 25 HORAS SEMANAIS, às expensas da operadora?”

Com base no princípio do melhor interesse da criança e no artigo 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Câmara converteu o julgamento em diligência, determinando a realização de perícia judicial pelo IMESC para apurar qual seria a carga horária adequada de atendimento para o menor, bem como sua frequência.

Enquanto a diligência não for concluída, a criança deverá receber 10 horas semanais de atendimento segundo o método tradicional, sem detalhamento sobre a especialização dos profissionais envolvidos. Em apoio à decisão, foi citada jurisprudência da mesma Câmara que adotou limite semelhante em outros casos.

Perspectiva técnica da defesa

Para a advogada Patricia Cosentino (@adv.patriciacosentino), a decisão, ao suspender provisoriamente o tratamento intensivo com base exclusiva na percepção do relator sobre a suposta excessividade da carga horária, suscita grande preocupação entre especialistas e profissionais do Direito. Segundo a defesa, ao questionar a validade da ciência ABA e considerar atendimento em casa sanatorial, o Judiciário revela falta de compreensão técnica sobre neurodivergências, o que pode resultar em prejuízo irreversível ao desenvolvimento da criança.

A advogada explica que a Análise Aplicada do Comportamento (ABA) não deve ser considerada apenas um método terapêutico, mas sim uma ciência baseada em evidências, em constante evolução, que exige intensidade mínima de 25 horas semanais com profissionais de diferentes áreas para garantir eficácia no desenvolvimento de habilidades, aquisição de autonomia e redução de comportamentos inadequados. “Essa carga horária é fundamental para aprendizado, prática e generalização dos comportamentos adequados, promovendo uma vida digna às crianças com autismo”, afirma.

Ainda segundo ela, clínicas sanatoriais não possuem capacidade para substituir centros de tratamento especializado, pois carecem de estrutura, equipe multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar, além de não oferecerem as intervenções individualizadas que a ABA requer. “A intensidade do tratamento é determinante para consolidar aprendizados e generalizá-los em diferentes contextos, assegurando resultados consistentes e duradouros”, acrescenta.

A advogada destaca que a prescrição médica questionada pelo relator não se baseia em “achismo médico”, mas em estudos consolidados desde a década de 1960, que comprovam a eficácia do tratamento intensivo. “Ao determinar 25 horas semanais, os médicos não estão retirando da criança suas horas de lazer, mas incluindo qualidade de vida, possibilidade de socialização e inserção na sociedade de pessoas neurodivergentes que já são tão marginalizadas”, enfatiza.

Por fim, a advogada observa que decisões como essa têm sido constantes na 2ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, onde o relator, em decisões monocráticas, converte o julgamento do recurso em perícia pelo IMESC, reduzindo ou alterando prescrições médicas sem fundamentação técnica, o que pode gerar grave atraso ou retrocesso no tratamento e impactar fatalmente o futuro dessas crianças. “O Tribunal de Justiça de São Paulo não pode, de forma arbitrária, alterar a prescrição médica de um paciente em tratamento, pois isso viola não apenas a Súmula 102 do TJ-SP, mas também a soberania médica e a relação médico-paciente, que tem como único objetivo a melhora do quadro clínico”, conclui.

Considerações finais

O caso segue em tramitação no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), aguardando a conclusão da perícia judicial para definição da carga horária terapêutica adequada com base em evidências técnicas. A decisão evidencia o papel do Judiciário na análise de tratamentos prescritos para pessoas neurodivergentes, gerando debates sobre os limites da atuação judicial frente às prescrições médicas especializadas.

Especialistas alertam para a importância de maior sensibilização do Judiciário sobre a complexidade dos tratamentos voltados ao Transtorno do Espectro Autista (TEA), sobretudo no que diz respeito à intensidade e ao caráter multidisciplinar necessários para garantir o desenvolvimento pleno, a autonomia e a inclusão social de crianças diagnosticadas com autismo.

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