bit.ly/2XzxOcq | Tradicionalmente, no Brasil, doze de junho é uma data dedicada aos namorados, em virtude de ser a véspera do Dia de Santo Antônio - o Santo Casamenteiro. O frei português Fernando de Bulhões, seu nome de batismo, ficou conhecido por pregar a importância do amor e do casamento, surgindo, daí, a relação com o amor romântico cunhado no final da Idade Média.
Comercialmente muito apelativa, a data é lembrada em anúncios publicitários, novelas, filmes e mídias sociais, com peças de propaganda erigidas em toda a cidade, celebrando o amor, a paixão e a ternura.
Doze de junho, entretanto, “esconde” um significado muito mais relevante e rotineiramente esquecido pelos grandes veículos de comunicação. Nada contra o “Dia dos Namorados”, registre-se. Mas o combate ao trabalho infantil, à margem de quaisquer dúvidas, merecia maior protagonismo no cenário nacional.
Em nosso país, o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Infantil foi instituído por ocasião da Lei nº 11.542/2007. Mundialmente, a mesma data foi implementada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) cinco anos antes, quando do primeiro relatório global sobre o tema, em conferência exclusivamente dedicada à problemática.
Cercado de polêmicas, mitos e preconceitos até hoje, o trabalho infantil enfrenta, de um lado, o desconhecimento (é proibido? É permitido? De que forma?) e, de outro, o (ab)uso do senso comum encravado no imaginário coletivo nacional: é muito melhor estar trabalhando do que roubando, desocupado ou envolvido com droga.
Quando se diz que “é melhor estar trabalhando”, não se imagina, entretanto, as formas de trabalho às quais essas crianças são diuturnamente submetidas. Segundo a OIT, sete em cada dez trabalham em atividades ligadas à agricultura. Com o corpo ainda em desenvolvimento, manejam enxadas, pás e foices sem nenhum tipo de segurança. Não à toa, grande parte desenvolve doenças que as acompanharão pelo resto da vida.
Segundo o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde, entre 2007 e 2019, 46.507 acidentes de trabalho com crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos foram registrados no Brasil. 279 morreram em serviço, no mesmo período. 15.147 notificações se deram em razão de acidentes com animais peçonhentos. 3.176 casos em virtude de intoxicação exógena por agrotóxicos, produtos químicos e plantas. Distúrbios do sono, cansaço, irritabilidade, problemas alérgicos, respiratórios, lesões na coluna e deformidades estão entre as ocorrências mais frequentes.
Mas o trabalho infantil não é uma exclusividade da zona rural. Nos centros urbanos, as crianças são forçadas a se prostituírem, vendem e ajudam na produção de entorpecentes, comercializam doces no sinal, fazem tarefas domésticas, empurram pesados carrinhos de mão até a casa dos mais ricos, normalmente ganhando alguns poucos trocados por isso – quando o dinheiro recebido não é exclusivamente passado a um explorador, que pode ser o seu próprio pai ou a sua própria mãe.
A neurociência nos ensina que as capacitações cognitivas se formam nos primeiros anos de idade. Sem a garantia do desenvolvimento biopsicossocial adequado na primeira infância, o futuro dos petizes está fadado à absoluta incerteza. Interromper a fase infantil para irresponsavelmente atribuir funções profissionais a uma criança, pois, é furtar os seus sonhos, podendo gerar, inclusive, traumas irreversíveis.
Ao adolescente, porém (pessoa que conta entre doze e dezoito anos de idade), é permitido trabalhar a partir dos 14 anos, na condição de aprendiz.
A aprendizagem a que se faz referência é disciplinada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), quando de seu art. 424 e seguintes, e complementada pelo ECA, em seus arts. 60 a 69, que determinam, em suma, que os adolescentes que ainda não tenham concluído o ensino fundamental podem trabalhar até seis horas por dia e, os que já concluíram, podem estender a jornada até oito horas diárias, se computadas horas destinadas à aprendizagem teórica.
Devem ser assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários, garantindo, ainda, acesso e frequência obrigatória ao ensino regular, o desempenhar de atividade compatível com o desenvolvimento do adolescente e horário especial para o exercício de suas tarefas.
O objetivo legal é de fazer com que o jovem aprenda um ofício e aprimore seus conhecimentos, sendo paulatinamente introduzido ao mercado de trabalho com cautela, segurança e qualificação. A Lei do Aprendiz (Lei nº 10.097, de 2000), pois, é uma das formas de se combater o trabalho infantil, integrando ações das políticas públicas de Assistência Social, Educação, Saúde, Direitos Humanos e Trabalho.
Noutra banda, o adolescente, a partir dos 16 anos, poderá trabalhar independentemente da condição de aprendiz. Em nenhuma hipótese (até completar os 18 anos, quando atinge a maioridade civil) este trabalho poderá ser realizado à noite, em condições insalubres, perigosas, penosas, em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social, em horários e locais que não permitam a frequência à escola ou, ainda, que integrem a lista das piores formas de trabalho infantil, editada pela OIT.
Uma exceção à regra é a do trabalho infantil artístico, com idades inferiores às mencionadas, admitido, em casos excepcionais, com autorização judicial fixando o número de horas e as condições nas quais a atividade pode ser exercida, consoante art. 8º da Convenção 138 da OIT.
O Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador demonstra ser inversamente proporcional a relação entre a idade em que se começa a trabalhar e a renda obtida ao longo da vida adulta. A evasão escolar pode chegar a 40% nos casos em que a jornada se dê em 36 horas semanais – dados do estudo “Trabalho Infantil e Adolescente: impacto econômico e os desafios para a inserção de jovens no mercado de trabalho no Cone Sul”. A queda no rendimento escolar é de 15%.
Ao trabalhar, inevitavelmente diminui-se o tempo da convivência em família, do lazer, do estudo e da aprendizagem, cedendo espaço a todo tipo de violação de direitos.
Significa dizer, pois, que o dever de combater o trabalho infantil é, também, de cada cidadão brasileiro e de cada cidadã brasileira, o que pode ser realizado por intermédio de uma simples ligação para o Disque 100, órgão vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. O boicote às empresas que se valem da mão de obra infantil para obterem seus lucros também é uma medida importante a ser tomada por toda a sociedade.
O eloquente símbolo da campanha, um cata-vento colorido, representa os cinco continentes, significando movimento, sinergia e articulação de ações permanentes contra o trabalho infantil e traduzindo o sentido lúdico de alegria e brincadeira que deve sempre permear o espírito infantil. Não o percamos de vista.
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Por Matheus Augusto, Advogado, bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), pós-graduando em Direito Processual Civil, Trabalhista e Previdenciário pela FASA.
Comercialmente muito apelativa, a data é lembrada em anúncios publicitários, novelas, filmes e mídias sociais, com peças de propaganda erigidas em toda a cidade, celebrando o amor, a paixão e a ternura.
Doze de junho, entretanto, “esconde” um significado muito mais relevante e rotineiramente esquecido pelos grandes veículos de comunicação. Nada contra o “Dia dos Namorados”, registre-se. Mas o combate ao trabalho infantil, à margem de quaisquer dúvidas, merecia maior protagonismo no cenário nacional.
Em nosso país, o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Infantil foi instituído por ocasião da Lei nº 11.542/2007. Mundialmente, a mesma data foi implementada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) cinco anos antes, quando do primeiro relatório global sobre o tema, em conferência exclusivamente dedicada à problemática.
Cercado de polêmicas, mitos e preconceitos até hoje, o trabalho infantil enfrenta, de um lado, o desconhecimento (é proibido? É permitido? De que forma?) e, de outro, o (ab)uso do senso comum encravado no imaginário coletivo nacional: é muito melhor estar trabalhando do que roubando, desocupado ou envolvido com droga.
Quando se diz que “é melhor estar trabalhando”, não se imagina, entretanto, as formas de trabalho às quais essas crianças são diuturnamente submetidas. Segundo a OIT, sete em cada dez trabalham em atividades ligadas à agricultura. Com o corpo ainda em desenvolvimento, manejam enxadas, pás e foices sem nenhum tipo de segurança. Não à toa, grande parte desenvolve doenças que as acompanharão pelo resto da vida.
Segundo o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde, entre 2007 e 2019, 46.507 acidentes de trabalho com crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos foram registrados no Brasil. 279 morreram em serviço, no mesmo período. 15.147 notificações se deram em razão de acidentes com animais peçonhentos. 3.176 casos em virtude de intoxicação exógena por agrotóxicos, produtos químicos e plantas. Distúrbios do sono, cansaço, irritabilidade, problemas alérgicos, respiratórios, lesões na coluna e deformidades estão entre as ocorrências mais frequentes.
Mas o trabalho infantil não é uma exclusividade da zona rural. Nos centros urbanos, as crianças são forçadas a se prostituírem, vendem e ajudam na produção de entorpecentes, comercializam doces no sinal, fazem tarefas domésticas, empurram pesados carrinhos de mão até a casa dos mais ricos, normalmente ganhando alguns poucos trocados por isso – quando o dinheiro recebido não é exclusivamente passado a um explorador, que pode ser o seu próprio pai ou a sua própria mãe.
A neurociência nos ensina que as capacitações cognitivas se formam nos primeiros anos de idade. Sem a garantia do desenvolvimento biopsicossocial adequado na primeira infância, o futuro dos petizes está fadado à absoluta incerteza. Interromper a fase infantil para irresponsavelmente atribuir funções profissionais a uma criança, pois, é furtar os seus sonhos, podendo gerar, inclusive, traumas irreversíveis.
Mas, afinal, criança pode trabalhar no Brasil?
Não. A Lei 8.069/90 (ECA) considera criança a pessoa de até doze anos de idade incompletos, sendo vedada qualquer forma de trabalho para tal faixa etária.Ao adolescente, porém (pessoa que conta entre doze e dezoito anos de idade), é permitido trabalhar a partir dos 14 anos, na condição de aprendiz.
A aprendizagem a que se faz referência é disciplinada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), quando de seu art. 424 e seguintes, e complementada pelo ECA, em seus arts. 60 a 69, que determinam, em suma, que os adolescentes que ainda não tenham concluído o ensino fundamental podem trabalhar até seis horas por dia e, os que já concluíram, podem estender a jornada até oito horas diárias, se computadas horas destinadas à aprendizagem teórica.
Devem ser assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários, garantindo, ainda, acesso e frequência obrigatória ao ensino regular, o desempenhar de atividade compatível com o desenvolvimento do adolescente e horário especial para o exercício de suas tarefas.
O objetivo legal é de fazer com que o jovem aprenda um ofício e aprimore seus conhecimentos, sendo paulatinamente introduzido ao mercado de trabalho com cautela, segurança e qualificação. A Lei do Aprendiz (Lei nº 10.097, de 2000), pois, é uma das formas de se combater o trabalho infantil, integrando ações das políticas públicas de Assistência Social, Educação, Saúde, Direitos Humanos e Trabalho.
Noutra banda, o adolescente, a partir dos 16 anos, poderá trabalhar independentemente da condição de aprendiz. Em nenhuma hipótese (até completar os 18 anos, quando atinge a maioridade civil) este trabalho poderá ser realizado à noite, em condições insalubres, perigosas, penosas, em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social, em horários e locais que não permitam a frequência à escola ou, ainda, que integrem a lista das piores formas de trabalho infantil, editada pela OIT.
Uma exceção à regra é a do trabalho infantil artístico, com idades inferiores às mencionadas, admitido, em casos excepcionais, com autorização judicial fixando o número de horas e as condições nas quais a atividade pode ser exercida, consoante art. 8º da Convenção 138 da OIT.
Ciclo de Pobreza
É necessário compreender que, quando alguém se posiciona em favor do trabalho infantil, olvida que, via de regra, as crianças submetidas a tais condições o fazem em virtude da pobreza, de modo a ajudar na renda familiar. Com isso, deixam a escola de lado, abandonando-a ou preterindo-a. Esse comportamento acaba por reproduzir o ciclo de miséria daquela unidade familiar, devido ao precário nível de escolaridade que uma criança precocemente inserida no mercado de trabalho geralmente atinge.O Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador demonstra ser inversamente proporcional a relação entre a idade em que se começa a trabalhar e a renda obtida ao longo da vida adulta. A evasão escolar pode chegar a 40% nos casos em que a jornada se dê em 36 horas semanais – dados do estudo “Trabalho Infantil e Adolescente: impacto econômico e os desafios para a inserção de jovens no mercado de trabalho no Cone Sul”. A queda no rendimento escolar é de 15%.
Ao trabalhar, inevitavelmente diminui-se o tempo da convivência em família, do lazer, do estudo e da aprendizagem, cedendo espaço a todo tipo de violação de direitos.
Dever da sociedade
A Constituição Federal diz ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.Significa dizer, pois, que o dever de combater o trabalho infantil é, também, de cada cidadão brasileiro e de cada cidadã brasileira, o que pode ser realizado por intermédio de uma simples ligação para o Disque 100, órgão vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. O boicote às empresas que se valem da mão de obra infantil para obterem seus lucros também é uma medida importante a ser tomada por toda a sociedade.
O eloquente símbolo da campanha, um cata-vento colorido, representa os cinco continentes, significando movimento, sinergia e articulação de ações permanentes contra o trabalho infantil e traduzindo o sentido lúdico de alegria e brincadeira que deve sempre permear o espírito infantil. Não o percamos de vista.
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Por Matheus Augusto, Advogado, bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), pós-graduando em Direito Processual Civil, Trabalhista e Previdenciário pela FASA.
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