A nova Súmula 646 do Superior Tribunal de Justiça

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bit.ly/3cCSaJj | A posição do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que a contribuição para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) não possui natureza tributária. Esse entendimento decorre, sobretudo, da exegese da Súmula 353 ("As disposições do Código Tributário Nacional não se aplicam às contribuições para o FGTS"), editada em 11 de junho de 2008.

Na mesma linha é a orientação do Supremo Tribunal Federal. Ao fixar o Tema 608 da repercussão geral em 13 de novembro de 2014 ("Prazo prescricional aplicável à cobrança de valores não depositados no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço"), a Suprema Corte analisou o tema e sinalizou que o FGTS é um direito do trabalhador e não um tributo.

O entendimento firmado foi no sentido de que, por constar no artigo 7º, III, da Constituição Federal como um direito dos trabalhadores urbanos e rurais, não haveria razão para maiores discussões doutrinárias ou jurisprudenciais a respeito da sua natureza jurídica. Nos termos do voto do ministro Gilmar Mendes nos autos do ARE 709.212/DF, "desde então, tornaram-se desarrazoadas as teses anteriormente sustentadas, segundo as quais o FGTS teria natureza híbrida, tributária, previdenciária, de salário diferido, de indenização etc.".

Seguindo essa linha, a 1° Seção do STJ aprovou na sessão de 9 de março 2021 a Súmula 646: "É irrelevante a natureza da verba trabalhista para fins de incidência da contribuição ao FGTS, visto que apenas as verbas elencadas em lei (artigo 28, §9º da Lei 8.212/91), em rol taxativo, estão excluídas da sua base de cálculo, por força do disposto no artigo 15, §6° da Lei 8.036/1990".

Numa primeira leitura, a redação da súmula parece ser bastante clara e não comportar maiores digressões. Contudo, ao se destrinchar o seu conteúdo, pode-se extrair ao menos duas conclusões bastante relevantes.

Primeira conclusão: o rol previsto no artigo 28, §9º, da Lei 8.212/91 é taxativo para o FGTS e exemplificativo para as contribuições previdenciárias.

Segundo o STJ, ao contrário do que ocorre com as contribuições previdenciárias, para fins de incidência da contribuição ao FGTS a discussão a respeito da natureza jurídica da verba (se remuneratória ou indenizatória) é irrelevante. Para compreender a razão para a existência de tal distinção, faz-se necessário tecer breves considerações sobre a hipótese de incidência da contribuição previdenciária.

A Constituição Federal, em seu artigo 195 [1], estabelece os contornos da contribuição previdenciária. A hipótese tributária desse tributo restringe-se ao pagamento ou creditamento de salário e demais rendimentos do trabalho. Por sua vez, o artigo 201, §11, determina que somente ganhos habituais devem incorporar o salário "para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios" [2].

Os artigos 22, inciso I, e 28 da Lei nº 8.212/1991 determinam que a contribuição previdenciária somente incide sobre os rendimentos pagos [3  [4], devidos ou creditados, a qualquer título, ao empregado ou contribuinte individual, em retribuição ao trabalho ou serviço por ele prestado.

Na terminologia do Código Tributário Nacional (CTN) [5], esses dispositivos delimitam o "fato gerador" da contribuição previdenciária, ou seja, "a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência".

Em resumo, de acordo com o disposto na CF/1988, na legislação ordinária e com base no entendimento da jurisprudência atual, um pagamento deve ser levado em consideração para recolhimento da contribuição previdenciária somente quando: 1) for concedido habitualmente ao empregado; 2) decorrer do trabalho prestado; e 3) for passível de incorporação nos proventos da aposentadoria.

Por fim, ainda que supostamente presentes tais requisitos, a Lei nº 8.212/1991 determina que não haverá incidência de contribuição previdenciária sobre as verbas que estiverem indicadas em seu artigo 28, §9º [6]. Esse dispositivo retira da base de cálculo da contribuição previdenciária — denominada salário-de-contribuição — diversas verbas.

Tecnicamente, não se trata de uma isenção. É mais do que isso: ao delimitar o campo de incidência da contribuição previdenciária, o legislador propositalmente deixou de contemplar as verbas que estão listadas no artigo 28, §9º, da Lei nº 8.212/1991. Trata-se de hipótese de não incidência.

Naturalmente, outras verbas não expressamente listadas no rol do artigo 28, §9º, da Lei 8.212/91 também não compõe a base de cálculo da contribuição previdenciária, entre as quais destacamos o aviso prévio indenizado, o salário maternidade, o auxílio-doença, etc. Por seu turno, a contribuição ao FGTS recai sobre estes mesmos valores.

Em resumo: para as contribuições previdenciárias, o artigo 28, §9º, da Lei nº 8.212/1991 é meramente exemplificativo, na medida em que a lista verbas que, por sua natureza jurídica, estão fora do campo de incidência tributária das contribuições previdenciárias. No caso do FGTS, por outro lado, o rol artigo 28, §9º, da Lei 8.212/91 é taxativo.

Segunda Conclusão: o rol artigo 28, §9º, da Lei 8.212/91, taxativo para o FGTS, deve ser respeitado.

Essa segunda conclusão, apesar de parecer óbvia, deve ser analisada com devida cautela. A sua leitura, apesar de parecer desfavorável aos contribuintes, não necessariamente o é.

O diversos precedentes utilizados para a edição da súmula em comento sinalizam que "é devida a contribuição ao FGTS sobre os valores relativos ao aviso prévio indenizado e reflexos, auxílio-doença/acidente nos primeiros 15 dias de afastamento, terço constitucional de férias e férias gozadas, porquanto tais verbas não estão previstas no rol do artigo 28, §9º, da Lei nº 8.212/91 cumulado com o artigo15, §6º, da Lei 8.036/90".

Acontece que a recíproca também é verdadeira: se determinadas verbas estão "elencadas em lei (artigo 28, §9º da Lei 8.212/91), em rol taxativo", faz-se necessário reconhecer e garantir a segurança jurídica de que elas estarão "excluídas da sua base de cálculo (FGTS), por força do disposto no artigo 15, §6° da Lei 8.036/1990".

A título exemplificativo, tomemos como exemplo o item 7 da alínea "e" artigo 28, §9º, da Lei 8.212/91, qual seja: importâncias recebidas a título de ganhos eventuais. Por muito tempo, a jurisprudência sinalizava que as gratificações eventuais [7], por se tratar de benefício previamente acordado com o empregado, deveriam ser consideradas para fins de recolhimento do FGTS.

Agora, a leitura atenta da nova Súmula 646 do STJ traz um novo panorama que deverá ser respeitado por todo o Poder Judiciário.

É prudente, portanto, que as empresas reflitam com cautela sobre a parametrização do seu sistema de folha de salários, do Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial) e da Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais Previdenciários e de Outras Entidades e Fundos (DCTFWeb) para evitar recolhimentos desnecessários de FGTS e contribuições previdenciárias.
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[1] "Artigo 195 — A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício".

[2] "Artigo 201 — A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (...)

§ 11. Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei".

[3] "Artigo 22 — A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no artigo 23, é de:

I - vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa".

[4] "Artigo 28 — Entende-se por salário-de-contribuição:

I - para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa;

III - para o contribuinte individual: a remuneração auferida em uma ou mais empresas ou pelo exercício de sua atividade por conta própria, durante o mês, observado o limite máximo a que se refere o § 5o; (...)".

[5] "Artigo 114 — Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência".

[6] "Artigo 28 — Entende-se por salário-de-contribuição:

§ 9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente: (...)".

[7] "TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. LITISPENDÊNCIA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ABONO-ASSIDUIDADE. FÉRIAS GOZADAS. QUEBRA DE CAIXA. PRÊMIOS, BÔNUS E GRATIFICAÇÕES. CONTRIBUIÇÃO PARA O FGTS. BASE DE CÁLCULO. 1. Considerando a identidade de partes, pedido e causa de pedir com o Mandado de Segurança nº 5014708-75.2011.404.7100, cumpre reconhecer a ocorrência da litispendência em relação ao pedido de exclusão da base de cálculo da contribuição previdenciária das parcelas relativas ao salário-maternidade, 15 primeiros dias de afastamento por motivo de doença/acidente, terço constitucional de férias, aviso prévio-indenizado, adicional noturno, adicional de horas extras e adicionais de insalubridade e de periculosidade. 2. A jurisprudência do STJ já firmou o entendimento de que não incide contribuição previdenciária sobre o abono-assiduidade convertido em pecúnia, pois não se trata de contraprestação ao trabalho. 3. O valor pago a título de férias indenizadas, inclusive o respectivo terço constitucional, constitui verba indenizatória não sujeita à contribuição previdenciária. Em situações ordinárias, porém, em que há o efetivo gozo do direito, a verba se reveste de indubitável caráter salarial, conforme previsão constitucional do artigo 7º, inciso XVII, devendo, pois, nestes casos, incidir contribuição previdenciária. 4. A verba paga a título de quebra de caixa tem natureza salarial, devendo, pois, integrar a base de cálculo da contribuição previdenciária. 5. Não demonstrado o caráter eventual do pagamento de prêmios, bônus e gratificações, nem a expressa desvinculação do salário, não há como afastar a incidência de contribuição previdenciária com base no artigo 28, § 9º, alínea `` e '', item 7, da Lei nº 8.212/91. Aliás, sequer restou caracterizada a natureza indenizatória de tais verbas. 6. A contribuição para o FGTS, de que trata a Lei nº 8.036/90, incide sobre os valores pagos nos quinze primeiros dias de afastamento do trabalhador por doença ou acidente, sobre o salário maternidade, sobre as férias gozadas, sobre o terço constitucional de férias, sobre os adicionais noturno, de horas extras, de insalubridade e de periculosidade, sobre as gratificações, sobre o valor pago a título de quebra de caixa e sobre o aviso prévio indenizado e respectiva parcela do 13º ( décimo terceiro ) salário proporcional. 7. Como não demonstrado o caráter eventual dos valores recebidos a título de prêmios, bônus e abonos, tampouco a expressa desvinculação do salário, tais verbas integram a remuneração para fins de recolhimento da contribuição para o FGTS.

(Apelação Cível Nº 5074257-40.2016.4.04.7100/RS | 5074257-40.2016.4.04.7100. Rel. ANDREI PITTEN VELLOSO. Publicado em 30/05/2018.)

PROCESSO CIVIL : AGRAVO LEGAL. ARTIGO 557 DO CPC. APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO AO FGTS SOBRE OS VALORES PAGOS NOS PRIMEIROS 15 ( QUINZE ) DIAS DE AFASTAMENTO DO AUXÍLO-DOENÇA E ACIDENTE. AVISO PRÉVIO INDENIZADO. TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. FÉRIAS INDENIZADAS. VALE TRANSPORTE PAGO EM PECÚNIA. FALTAS ABONADAS/JUSTIFICADAS. FÉRIAS GOZADAS. SALÁRIO-MATERNIDADE. LICENÇA-PATERNIDADE. COMPENSAÇÃO. I - Observa-se que o artigo 557, caput, do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei nº 9.756, de 17 de dezembro de 1998, trouxe inovações ao sistema recursal, com a finalidade de permitir maior celeridade à tramitação dos feitos, vindo a autorizar o relator, por mera decisão monocrática, a negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. Da mesma forma, o parágrafo 1º-A do referido artigo prevê que o relator poderá dar provimento ao recurso se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior. Justificada, portanto, a decisão solitária deste Relator. II - Em razões recursais sustenta a União preliminar de sentença extra petita referente às seguintes verbas : licença-nojo, licença-gala e licença para afastamento eleitoral. Em relação à licença-nojo, gala e licença para alistamento eleitoral, por não ter sido objeto do pedido inicial, caracterizando sentença "ultra petita'', tais verbas devem ser excluídas nos termos do artigo 460, do Código de Processo Civil. III - A Sumula nº 353 do STJ estabelece que as disposições do Código Tributário Nacional não se aplicam às contribuições para o FGTS. Assim, deve ser aplicada ao presente caso a legislação específica do FGTS, tendo em vista que as contribuições a ele referentes possuem natureza trabalhista e social. IV - As horas extras, os adicionais eventuais, as gratificações habituais e o aviso prévio, trabalhado ou não, devem ser incluídos no conceito de remuneração, como se pode depreender da análise das Súmulas 63 e 305, do TST, bem como a Súmula 207 do STF. V- No tocante às férias indenizadas, terço constitucional de férias, bem como ao vale-transporte, há expressa exclusão das importâncias recebidas para efeitos da incidência da contribuição ao FGTS, como se infere do artigo 28§9º, "d'', "f'' da Lei nº 8.212/91. A alínea "e'', item 7, do mesmo dispositivo exclui importâncias recebidas a título de ganhos eventuais e os abonos expressamente desvinculados do salário. VI - O Decreto nº 99.684/90, consolidou que nos primeiros quinze dias de afastamento do funcionário acidentado ou doente deve incidir a contribuição ao FGTS. O terço constitucional sobre as férias gozadas também está incluso no conceito de remuneração. VII - Quanto ao vale-transporte pago em pecúnia não lhe confere natureza salarial. VIII- Quanto ao salário-maternidade, férias gozadas, faltas abonadas/justificadas como são nítidos o caráter remuneratório incide a contribuição ao FGTS. IX- Agravos legais não providos"  (ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 350386/SP | 0006630-32.2013.4.03.6100. Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO. Julgado em 24/2/2015. Publicado em 5/3/2015).
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Cristiane Ianagui Matsumoto é sócia do Pinheiro Neto Advogados.

Lucas Barbosa Oliveira é advogado associado do Pinheiro Neto Advogados.

Fonte: Conjur

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