Tributação dos honorários de arbitragem pagos a advogados

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Na coluna de hoje, abordaremos um tema que apenas muito recentemente foi enfrentado pelo Carf, qual seja, a forma de tributação dos honorários auferidos por advogado que exerça a função de árbitro, no contexto de um processo de arbitragem. Discutiremos, pois, a quem cabe a sujeição passiva pelo imposto de renda sobre honorários de arbitragem, se ao advogado ou à sociedade de advogados que compõe.

Para contextualizar, devemos esclarecer que a arbitragem é um método de resolução de conflitos, no qual as partes definem que uma pessoa ou uma entidade privada irá solucionar a controvérsia apresentada — uma heterocomposição sem a participação do Poder Judiciário e do Estado.

Tal qual o processo judicial, os árbitros examinam os argumentos e provas das partes demandantes, e proferem uma decisão final e obrigatória, designada sentença arbitral, que não está sujeita a recurso e é considerada por lei como título executivo judicial. Esse procedimento é conduzido e administrado no âmbito das instituições arbitrais (que podem ser Câmaras, Centros, Institutos e outros), sem emitir qualquer julgamento sobre o conflito.

A Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96) estabelece que a função de árbitro é uma atividade temporária, que está vinculada apenas e tão somente ao caso submetido a sua apreciação. Encerrado o procedimento arbitral, o árbitro deixa de exercer tal função: não se trata, pois, de uma profissão, mas de uma função exercida para um caso específico, podendo ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes (artigo 13 da Lei de Arbitragem).

Vale esclarecer também que a lei não exige nenhuma credencial, prova ou registro para o exercício dessa função, entretanto, até mesmo pelo procedimento e pelas questões envolvidas, é essencial que o árbitro tenha conhecimentos jurídicos, em razão das demandas da arbitragem.

Pois bem, o tema suscitou controvérsias no âmbito do Carf em razão de autuação da Receita Federal de omissão de rendimentos da pessoa física, advogado de renome, que submeteu os honorários recebidos como árbitro à tributação no seu escritório de advocacia, emitindo nota fiscal de serviço, ao passo que a fiscalização entendeu que tais valores deveriam ter sido tributados na pessoa física.

O caso foi enfrentado no acórdão nº 2402-008.171 [1], que foi decidido desfavoravelmente ao contribuinte, por meio do voto de qualidade.

A relatora, que encampou a posição vencida, sustentou que a atividade do advogado que exerce função de árbitro estaria dentro do escopo da atividade da advocacia, em razão da retromencionada submissão à disciplina da OAB, comparando à situação de um parecerista, cujos honorários recebidos configuram rendimento da sociedade de que o profissional eventualmente participe, apesar dessa atividade não exigir que a pessoa seja necessariamente advogado.

Aduziu o reconhecimento disto pela Ordem dos Advogados do Brasil, ao dispor que o advogado que atua como árbitro encontra-se submetido à disciplina da Ordem. Nesse sentido, o Código de Ética da OAB estabelece, por exemplo, o dever de guardar sigilo ao advogado, quando no exercício da função de árbitro (artigo 36, §2º). O próprio Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução nº 75/2009, relacionou o exercício da arbitragem como atividade jurídica, para fins de comprovação de prática profissional dos candidatos ao ingresso na magistratura.

Além disso, apontou que a atividade de árbitro estaria dentro do escopo das atividades da sociedade de advogados, e que o argumento do caráter personalíssimo dessa atuação seria irrelevante, por ser personalíssima toda atividade exercida no âmbito da advocacia. Por fim, menciona também o acórdão proferido pelo Conselho Federal da OAB na Proposição nº 49.000.2013.011843-1, que reconheceu que 1) a arbitragem faz parte da natureza da advocacia e 2) que os honorários podem ser recebidos e tributados pela sociedade de advogados.

Em sentido contrário, aduziu o Redator designado que o árbitro deveria ser sempre pessoa física, e não pessoa jurídica, e que a remuneração do árbitro consiste em honorários de arbitragem, cabíveis a qualquer pessoa física que exerça a função, os quais não se confundiriam com os honorários advocatícios. Ressalta a distinção entre as atividades mencionando a existência de tópicos próprios para arbitragem e para advocacia na lista anexa à Lei Complementar nº 116/03.

Quanto aos pronunciamentos da OAB, aduziu que não seriam "oponíveis à Administração Tributária, nem muito menos confere direito ao Contribuinte, vez que apenas as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas é que têm esse condão, a teor do artigo 100, III, do CTN", e que a hipótese de incidência tributária decorreria de lei, e não de notas técnicas, resoluções ou provimentos de entidades de classe.

Além disso, o voto vencedor afastou a aplicação do artigo 129 da Lei nº 11.196/2005 [2] (Lei do Bem), sob o argumento de isto decorria da própria natureza personalíssima dessa função, que não seria atividade da sociedade de advogados, mas apenas do árbitro.

Vale mencionar uma das declarações de voto apresentadas, que, interpretando o Código de Ética da OAB, aduziu que "no exercício da profissão, o advogado realiza atividades privativas e atividades não privativas da advocacia, mas sempre atividades da advocacia", e que a arbitragem não seria atividade da advocacia, tanto que foi necessário que a OAB estendesse o sigilo profissional ao advogado que as exercesse. Além disso, quanto ao entendimento do CNJ, aduziu que o cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil também foi reconhecido como exercício de atividade jurídica, pelo CNJ, e mesmo assim não se tornou uma atividade da advocacia.

Pois bem, concomitantemente à ocorrência do julgamento, algumas novas situações ocorreram, que não foram enfrentadas no julgamento, e que tocam o tema em questão, algumas delas muito bem apresentadas pelos Professores Elisa Schmidlin Cruz e Egon Bockmann Moreira, em artigos publicados no Conjur [3].

Em primeiro lugar, a edição do Provimento 196/2020, pelo Conselho Federal da OAB dispôs "sobre o reconhecimento da atividade advocatícia decorrente da atuação de advogados como conciliadores ou mediadores, árbitros ou pareceristas e no testemunho (expert witness) ou no assessoramento às partes em arbitragem e dá outras providências".

O Provimento, exarado de acordo com a competência do órgão para definir o que é e o que não é atividade de advocacia, afirmou, verbis:

"Artigo 1º Constitui atividade advocatícia, para todos os fins, a atuação de advogados como conciliadores ou mediadores, nos termos da Lei n. 13.140/2015, ou árbitros, nos moldes preconizados pela Lei n. 9.307/1996.

§ 1º A atuação de advogados como conciliadores, mediadores, árbitros ou pareceristas e no testemunho (expert witness) ou no assessoramento às partes em arbitragem não desconfigura a atividade advocatícia por eles prestada exclusivamente no âmbito das sociedades individuais de advocacia ou das sociedades de advogados das quais figurem como sócios.

§ 2º A remuneração pela prática da atividade referida no caput tem natureza de honorários advocatícios e pode ser recebida pelos advogados como pessoas físicas ou pelas sociedades das quais sejam sócios.

artigo 2º Este Provimento tem caráter declaratório-interpretativo e entra em vigor na data da sua publicação no Diário Eletrônico da OAB."

O Provimento foi claro em colocar não apenas que a atuação de advogado como árbitro é atividade advocatícia, mas também que o fato dela ser prestada por sócio de sociedade de advogados não desconfigura prestação pela pessoa jurídica, e pontua que os honorários terão caráter advocatício.

Além disso, em 24/3/2021, foi julgado o EAREsp nº 31.084/MS, pela 1ª Seção do STJ, que pacificou a jurisprudência desse Tribunal sobre a possibilidade de sociedades uniprofissionais constituídas como sociedades empresárias recolherem ISS mediante alíquota fixa, independentemente do tipo societário adotado.

O julgado, conquanto não diga diretamente respeito à questão ora discutida, como é óbvio, tangencia-a, ao enfrentar a exploração de profissão intelectual pelo sócio, prestado de forma personalíssima, mas por meio da sociedade. Nesse contexto, o STJ compreendeu que o fato da atividade ser personalíssima não é incompatível com a sua prestação se dar por meio de sociedade. Como pontuado pelos autores citados acima, verbis:

"Com fundamento no artigo 9º, §§1º e 3º, do Decreto Lei 406/68, o racional decisório extraído do voto vencedor atesta que 'quando a atividade desempenhada não se sobrepuser à atuação profissional e direta dos sócios na condução do objeto social da empresa', a sociedade faz jus ao recolhimento do ISSQN na forma privilegiada. Esse é o coração do julgado, o núcleo essencial da questão de direito, a funcionar em casos cuja questão de fundo seja análoga ou semelhante" [4].

Mais ainda, em dezembro de 2020, ao julgar ADC nº 66, o STF declarou a constitucionalidade do artigo 129 da Lei nº 11.196/2005.

Para a relatora, ministra Cármen Lúcia, a norma questionada na ADC nº 66 é compatível com as diretrizes constitucionais, incluindo a liberdade de iniciativa e a garantia de livre exercício de qualquer profissão ou atividade econômica, autorizando que o prestador de serviço se organize da forma como entender ser mais adequada, independente da atividade ser personalíssima ou não. Inclusive, deu uma amplitude maior à disposição, determinando que a validade da opção do prestador seja reconhecida para além dos âmbitos fiscal e previdenciário, e ressalvando apenas as situações de contratos "maquiados" (simulados).

Assim, após o advento do artigo 129 da Lei nº 11.196/2005, a prestação de serviços intelectuais por sociedade, mesmo que contratado um serviço individual, com designação de obrigações de caráter personalíssimo a um determinado sócio, submete-se à tributação aplicável às pessoas jurídicas.

Por fim, cumpre ressaltar também que após a decisão ora analisada, foi promulgada a Lei nº 18.988/2020, que inseriu o artigo 19-E na Lei nº 10.522/02, estabelecendo que "em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade a que se refere o § 9º do artigo 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte". Em outras palavras, tivesse o caso em questão sido julgado um mês depois, o resultado teria sido distinto, por força da alteração em questão.

Como se vê, não apenas se trata de um tema novo no âmbito do Carf, mas também um tema cujo contexto que o cerca sofreu diversos inputs após a decisão proferida em março de 2020. Resta acompanhar como outros casos sobre a mesma matéria serão julgados no âmbito do Tribunal, e como as alterações ocorridas após o acórdão analisado irão impactar na solução jurídica a ser aplicada.
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[1] Redator designado Cons. Luís Henrique Dias Lima, julgado em 03/03/2020.

[2] Artigo 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no artigo 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.

[3] https://www.Conjur.com.br/2020-mai-14/moreira-cruz-arbitragem-provimento-1962020-oab;

https://www.Conjur.com.br/2021-abr-17/cruz-moreira-arbitragem-saga-tributaria;

[4] https://www.Conjur.com.br/2021-abr-17/cruz-moreira-arbitragem-saga-tributaria
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Carlos Augusto Daniel Neto é sócio do escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributária, doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, ex-conselheiro titular da 1ª e 3ª Seções do Carf e professor em cursos de pós-graduação.

Ana Claudia Borges de Oliveira é conselheira titular da 2ª Seção de Julgamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), especialista em Direito Tributário e Finanças Públicas pelo IDP, ex-professora de Direito tributário da UNB e pesquisadora do Observatório da Macrolitigância Fiscal (IDP) e do grupo de pesquisa ProLaw Lab – UNB.

Fonte: Conjur

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