Consumidor terá mais informações na rotulagem nutricional de alimentos

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Via @consultor_juridico | Diante da inegável constatação de que muitos consumidores são induzidos a erro quanto às propriedades nutricionais dos alimentos, com dificuldade para identificar a presença, nem sempre evidente, de grandes concentrações de nutrientes críticos à saúde [1] que elevam o risco de sobrepeso, obesidade e doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) [2], coube à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), dentro de suas atribuições, se debruçar sobre um problema regulatório que precisava ser trabalhado. Para tal, foi implementado processo de Análise de Impacto Regulatório (AIR), tendo como principal objetivo encontrar soluções [3] para a inadequação e a falta de clareza da rotulagem nutricional no mercado brasileiro.

Ante a percepção de riscos ao consumidor ocasionados pela ingestão desequilibrada de alguns tipos de alimentos, restou evidente que o regramento de rotulagem nutricional adotado pelo Brasil desde o ano de 2003 necessitava ser revisitado, já que 79% da população brasileira maior de 16 anos compreendia parcialmente ou não compreendia as informações da tabela nutricional inserida nos rótulos de produtos alimentícios, conforme pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) [4].

O longo processo regulatório resultou na instituição de novas regras aplicadas aos alimentos embalados na ausência dos consumidores, com a publicação da Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) nº 429/2020 [5] e da Instrução Normativa (IN) nº 75/2020[6], vigorando desde 9 de outubro de 2022.

É importante ressaltar que dados do Ministério da Saúde mostraram que, nas capitais brasileiras, entre os anos de 2006 e 2019, houve acréscimo de 72% da prevalência de adultos obesos, passando de 11,8% em 2006, para 20,3% em 2019 [7].

O acesso à alimentação adequada e saudável é um direito humano básico, relacionando-se com a manutenção da saúde e com um menor risco de aparecimento de doenças crônicas não transmissíveis [8]. Doenças cardiovasculares, câncer e diabetes representam as principais causas de mortalidade de pessoas no mundo [9], observando-se que em 2019 o Brasil registrou 54,7% de óbitos causados por DCNTs [10].

Existe uma diversidade de fatores de riscos ligados à manifestação dessas doenças, como o consumo de álcool, a obesidade, o tabagismo, o sedentarismo e, como não poderia deixar de ser, a alimentação não saudável e a alta ingestão de refrigerantes e de alimentos ultraprocessados [11].

Uma das estratégias para o combate de problemas desencadeadores de obesidade e sobrepeso é fortalecer as normativas de rotulagem nutricional baseadas em evidências científicas, conforme explicita o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos não Transmissíveis no Brasil 2021-2030, do Ministério da Saúde [12]. Além disso, ganham destaque medidas para redução do consumo de sal e açúcar adicionados por meio da reformulação de alimentos industrializados, a realização de campanhas educativas e a regulamentação da publicidade, principalmente quando destinada ao público infantil [13].

É de suma importância que o setor alimentício siga as determinações regulatórias definidas pelo poder público para consolidação das regras previstas na legislação consumerista. Nesta seara, mais uma vez, fica ressaltada a relevância social do Código de Defesa do Consumidor, projetando-se como ferramenta imprescindível para a realização de uma necessária política pública para controle de obesidade e sobrepeso, por meio do aprimoramento da rotulagem nutricional a partir do direito básico do consumidor à informação clara e adequada.

Principais mudanças promovidas pela nova rotulagem nutricional

Ainda bastante incompreendida pelos consumidores, a rotulagem nutricional é definida pela Anvisa como toda declaração destinada a informar sobre propriedades nutricionais do alimento [14].

Com os objetivos de facilitar a compreensão pelo consumidor, aperfeiçoar a visibilidade e a legibilidade das informações, reduzir situações que geravam engano quanto à composição e facilitar a comparação entre alimentos, as novas regras publicadas pelas RDC nº 429/2020 e IN nº 75/2020 trouxeram algumas soluções regulatórias.

Importante destacar que a rotulagem nutricional é agora composta por três elementos distintos: a tabela de informação nutricional [15], a rotulagem nutricional frontal [16] e as alegações nutricionais [17]:

1) Tabela de informação nutricional com apresentação padronizada: caracteres e linhas de cor 100% preta e fundo branco; espaçamento entre linhas; proibição de ser colocada em áreas de difícil visualização ou deformadas, devendo ficar no mesmo painel da lista de ingredientes; declaração da quantidade de açúcares totais e de açúcares adicionados; inserção de uma nova coluna com a indicação de valor energético e nutricional por 100 g ou 100 ml; inclusão da informação do número de porções por embalagem [18].

2) A rotulagem nutricional frontal é uma novidade na regulação de alimentos no Brasil e tem a função de demonstrar de forma simplificada a presença de alguns nutrientes críticos para a saúde que estiverem em quantidades iguais ou superiores aos limites definidos na IN nº 75/20 [19]. Ela deve ser retratada no modelo de uma lupa 100% preta em fundo branco seguida da expressão "ALTO EM AÇÚCAR ADICIONADO", "ALTO EM GORDURA SATURADA" OU "ALTO EM SÓDIO", localizada na metade superior do painel principal, em uma única superfície contínua; ter a mesma orientação do texto das demais informações veiculadas no rótulo; seguir um dos modelos definidos no Anexo XVII da IN nº 75/20; não estar disposta em locais encobertos, removíveis pela abertura do lacre ou de difícil visualização, como áreas de selagem e de torção [20].

3) As alegações nutricionais são de declaração voluntária, mas, caso o fabricante opte por utilizá-las, deverá observar, dentre outras coisas: os termos autorizados para veiculação dos atributos nutricionais estabelecidos, a exemplo de "sem adição de...", "alto teor...", "rico em...", "fonte de...", "baixo teor de..."; garantia de manutenção das propriedades nutricionais alegadas até o final do prazo de validade do alimento; proibição de ser veiculada em bebidas alcoólicas; não se localizar na metade superior do painel principal e nem utilizar caracteres de tamanho superior àqueles empregados na rotulagem nutricional frontal (nos casos em que ela estiver presente) [21].

Em relação ao prazo para implementação das novas regras publicadas em 2020, vale ressaltar que, mesmo com a vigência já iniciada em 9 de outubro de 2022, ainda existe a previsão de períodos distintos de adequação para o setor produtivo. Em 9/10/2022: obrigatórias para produtos destinados exclusivamente ao processamento industrial ou aos serviços de alimentação. Até 9/10/2023: obrigatórias para os produtos que já se encontravam no mercado na data de entrada em vigor da resolução. Até 9/10/2024: obrigatórias para os alimentos fabricados por agricultor familiar ou empreendedor familiar rural, empreendimento econômico solidário, microempreendedor individual, agroindústria de pequeno porte, agroindústria artesanal e alimentos produzidos de forma artesanal. Até 9/10/2025: obrigatórias para as bebidas não alcoólicas em embalagens retornáveis, observando o processo gradual de substituição dos rótulos [22].

Apesar de ser razoável a previsão de espaço de tempo que possibilitasse o conhecimento e a assimilação do conteúdo das novas regras pelos fornecedores integrantes das complexas cadeias produtivas que compõem a fabricação de alimentos, é inegável que os prazos conferidos pela Anvisa foram generosos já que, no total, serão cinco anos entre a data da publicação da RDC nº 429/20 e da IN nº 75/20 até a sua total implementação em 2025. Fica, aqui, a reflexão se o grande intervalo para efetiva execução das alterações não acabaria sendo um dos pontos de enfraquecimento da própria política pública.

Quem acompanhou o processo de Análise de Impacto Regulatório promovido pela Anvisa testemunhou um momento especial em que várias fases e ferramentas foram utilizadas para que o desfecho regulatório trouxesse uma real e eficiente solução para o problema identificado. Não foi, sem dúvida, tarefa fácil para a agência equilibrar os variados pleitos: "de um lado, a saúde pública era a principal preocupação das organizações da sociedade civil e da academia, e, de outro, questões econômicas e comerciais eram o foco central dos interesses do setor produtivo" [23].

Ao final, a estipulação de um padrão de rotulagem nutricional frontal indicando ao consumidor a presença de alguns nutrientes críticos foi um ponto muito positivo, mas, agora que os primeiros produtos alimentícios já começam a aparecer nos mercados, uma constatação parece ficar clara: o tamanho da rotulagem nutricional frontal pode ter ficado bem menor do que o esperado, diminuindo o impacto visual que se almejava alcançar com a medida.

Além disso, foi aprovada pela Anvisa a indicação obrigatória de rotulagem nutricional frontal de somente três nutrientes críticos, como já mencionado anteriormente: açúcar adicionado, sódio e gordura saturada. Como fatores negativos desta pequena abrangência, apontamos que, além de limitar o acesso do consumidor à informação sobre a presença de outros nutrientes críticos de relevância para a saúde, ela também estimula a reformulação de alguns alimentos por meio da redução da quantidade de açúcares adicionados realizando, em contrapartida, a questionável substituição deles por edulcorantes, conhecidos popularmente como adoçantes.

É inegável que foi dado um grande passo para aprimorar a informação ao consumidor na rotulagem nutricional dos alimentos! Entretanto, iniciam-se agora as fases subsequentes e desafiadoras de sua implementação. Infelizmente, já nos deparamos com um ponto negativo: as esperadas e indispensáveis ações educativas ainda não foram realizadas pelo poder público (pelo menos não de forma ampla e constante como a desejada para assuntos complexos como esse). Assim, verifica-se que o princípio da Política Nacional das Relações de Consumo, que se pauta na educação e na informação de fornecedores e consumidores para a melhoria do mercado de consumo [24], bem como o direito básico à educação e divulgação sobre o consumo adequado de produtos e serviços [25], estão longe de serem cumpridos, haja vista que o novo padrão de rotulagem já pode ser encontrado no mercado, pegando muitos consumidores de surpresa, sem a devida compreensão do seu significado e objetivos.
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[1] Mais informações em: OPAS. Modelo de Perfil Nutricional da Organização Pan-Americana da Saúde. Washington: OPAS, 2016.

[2] ANVISA. Relatório Preliminar de Análise de Impacto Regulatório sobre Rotulagem Nutricional. Brasília: ANVISA, 2018. p. 36-37.

[3] Mais informações em: "MAGALHÃES, Simone M. S. Rotulagem Nutricional Frontal dos Alimentos Industrializados: política pública fundamentada no direito básico do consumidor à informação clara e adequada. 2ª ed. Belo Horizonte: Ed. Dialética, 2020".

[4] IBOPE INTELIGÊNCIA & CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS INDÚSTRIAS, 2017 apud ANVISA. Relatório Preliminar de Análise de Impacto Regulatório sobre Rotulagem Nutricional. Brasília: ANVISA, 2018. p. 36.

[5] ANVISA. RDC n. 429/20. Dispõe sobre a rotulagem nutricional dos alimentos embalados. Disponível em: antigo.anvisa.gov.br/documents/10181/3882585/RDC_429_2020_.pdf/9dc15f3a-db4c-4d3f-90d8-ef4b80537380. Acesso em: 22/10/2022.

[6] ANVISA. IN nº 75/20. Estabelece os requisitos técnicos para declaração da rotulagem nutricional nos alimentos embalados. Disponível em: antigo.anvisa.gov.br/documents/10181/3882585/IN+75_2020_.pdf/7d74fe2d-e187-4136-9fa2-36a8dcfc0f8f. Acesso em: 22/10/2022.

[7] BRASIL. Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2019: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. p. 19. Disponível em: bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/vigitel_brasil_2019_vigilancia_fatores_risco.pdf. Acesso em: 22/10/2022.

[8] BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Alimentação e Nutrição (Pnan). Brasília: Ministério da Saúde, 2013.

[9] BRASIL. Ministério da Saúde. Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos não Transmissíveis no Brasil 2021-2030. Brasília: Ministério da Saúde, 2021. Disponível em: www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/publicacoes-svs/doencas-cronicas-nao-transmissiveis-dcnt/09-plano-de-dant-2022_2030.pdf/. Acesso em: 21/10/2022.

[10] BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde Apresenta Atual Cenário das Doenças não Transmissíveis no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde, 2021.

[11] BRASIL. Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2019.

[12] BRASIL. Ministério da Saúde. Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos não Transmissíveis no Brasil 2021-2030.

[13] Idem.

[14] ANVISA. RDC n. 429/20, art. 3°, XXXI.

[15] Tabela de informação nutricional é a "relação padronizada do conteúdo energético, de nutrientes e de substâncias bioativas presentes no alimento, incluindo o modelo linear" (ANVISA. RDC n. 429/20, art. 3°, XXXVI).

[16] Rotulagem nutricional frontal é a "declaração padronizada simplificada do alto conteúdo de nutrientes específicos no painel principal do rótulo do alimento" (ANVISA. RDC n. 429/20, art. 3°, XXXVII).

[17] Alegações nutricionais são "qualquer declaração, com exceção da tabela de informação nutricional e da rotulagem nutricional frontal, que indique que um alimento possui propriedades nutricionais positivas relativas ao seu valor energético ou ao conteúdo de nutrientes, contemplando as alegações de conteúdo absoluto e comparativo e de sem adição" (ANVISA. RDC n. 429/20, art. 3°, III).

[18] ANVISA. RDC n. 429/20, arts. 4°-17.

[19] Ibid, art. 18.

[20] Ibid, art. 21.

[21] Ibid, arts. 24-30.

[22] Ibid, arts. 50 e 51.

[23] ACT PROMOÇÃO DA SAÚDE E INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (IDEC). Dossiê Big Food: como a indústria interfere em políticas de alimentação. pág. 39. ACT e IDEC: 2022. Disponível em: https://actbr.org.br/post/dossie-big-food-como-a-industria-interfere-em-politicas-de-alimentacao/19378/. Acesso em: 22/10/2022.

[24] BRASIL. Lei n. 8.078/90. Código de Defesa do Consumidor. Art. 4°, IV. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 22/10/2022.

[25] Ibid, art. 6°, II.
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Por Simone Maria Silva Magalhães
Fonte: Conjur

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