Maconha é constitucional? De que modo o Supremo pode se manifestar a respeito?

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Via @consultor_juridico | O porte de drogas para consumo pessoal pode ser considerado crime? Ou uma lei nesse sentido viola o direito à intimidade previsto na Constituição? O STF (Supremo Tribunal Federal) pode restringir sua decisão apenas à maconha?

O assunto está na pauta do Supremo para que se retome, na sessão desta quarta-feira (24/5), julgamento de recurso extraordinário que veiculou essa questão constitucional e teve sua repercussão geral reconhecida há pouco mais de dez anos. Os dispositivos normativos em possível conflito são assim indicados, pelo STF, ao se referir ao Tema 506: "Título: Tipicidade do porte de droga para consumo pessoal. Descrição: Recurso extraordinário, em que se discute, à luz do artigo 5º, X, da Constituição Federal, a compatibilidade, ou não, do artigo 28 da Lei 11.343/2006, que tipifica o porte de drogas para consumo pessoal, com os princípios constitucionais da intimidade e da vida privada".

Nesse procedimento, o Supremo pode fixar tese que haverá de ser observada pelos demais órgãos do Poder Judiciário. O STF pode decidir, por exemplo, que o texto do artigo 28 da Lei de Drogas é inconstitucional, declarando a sua nulidade. Não poderá ser considerado crime, nesse caso, o ato de ter consigo "para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".

Esse é daqueles julgamentos a partir dos quais é possível escrever um curso completo de direito constitucional. Um professor da disciplina pode tratar dele no primeiro dia de aula e no final da disciplina. O assunto é dos mais interessantes para os juristas. Não apenas pela questão em si mesma, embora seja evidente que, se o Supremo concluir pela inconstitucionalidade do dispositivo, isso terá consequências imediatas para o direito penal e, também, no sistema prisional, na saúde pública e, enfim, em toda a sociedade.

Por isso, farei um corte. Talvez volte ao tema após o julgamento, tentando explorar outras faces dessa questão. Aqui, porém, quero destacar os seguintes pontos:

O Supremo pode decidir a respeito, ou esse é daqueles temas que devem ficar a cargo do Poder Legislativo? Essa é, a meu ver, a primeira e mais importante das questões, e gira em torno dos limites existentes entre as esferas de atuação dos Poderes Legislativo e Judiciário [1]. Afinal, está-se diante de se saber se cabe ao Judiciário ou ao Legislativo perquirir sobre qual dos valores há de prevalecer, em casos como esse. Nessa hipótese, há que se reconhecer a prevalência da saúde pública, ou está em jogo apenas a saúde do indivíduo, sendo o assunto pertinente apenas à sua vida íntima? Trata-se de algo que interessa apenas ao indivíduo, ou a toda a coletividade, já que se poderia considerar que o consumo mantém o tráfico de drogas?

Esse conflito é retratado em vários julgados do Superior Tribunal de Justiça e do próprio Supremo.

Por exemplo, o STJ, em julgado expressivo do entendimento que prevalece naquela Corte, considerou os dilemas indicados acima, mas afastou a incidência do princípio da insignificância (AgRg no RHC 147158/SP, relator ministro Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, julgado em 25/5/2021). Essa decisão, porém, não prevaleceu em julgamento realizado pelo STF, em que, em razão do empate de votação entre os ministros da 2ª Turma, acabou prevalecendo o entendimento de que o porte de 1,8 gramas de maconha violaria os princípios da ofensividade, proporcionalidade e insignificância (HC 202883 AgR, relator para o acórdão ministro Gilmar Mendes, 2ª Turma, julgado em 15/9/2021).

O segundo ponto consiste no seguinte: Admitindo-se que o Supremo possa pronunciar-se sobre a questão, de qual modalidade de controle de constitucionalidade ele pode se valer?

Até o momento, foram proferidos três votos: o ministro Gilmar Mendes votou pela inconstitucionalidade do dispositivo; o ministro Fachin, pela inconstitucionalidade apenas em relação à "cannabis sativa" (maconha); e o ministro Barroso, por sua vez, sugeriu como parâmetro para diferenciar consumo (ou produção própria) e tráfico de maconha o porte de 25 gramas ou a plantação de até seis plantas fêmeas da espécie.

É possível fazer algumas aproximações entre as posturas de cada um dos ministros e as técnicas de controle de constitucionalidade [2]. Vamos a elas:

A prevalecer o primeiro dos votos citados, proferido pelo ministro Gilmar Mendes, o STF limita-se a declarar a inconstitucionalidade do dispositivo, invalidando-o. Tem-se, aqui, manifestação daquilo que se convencionou chamar de atuação do Supremo como "legislador negativo": "a declaração de inconstitucionalidade em tese somente encerra, em se tratando de atos (e não de omissões) inconstitucionais, um juízo de exclusão, que consiste em remover, do ordenamento positivo, a manifestação estatal inválida e desconforme ao modelo jurídico-normativo consubstanciado na Carta Política" (STF, ADI 267 MC, relator ministro Celso de Mello, Pleno, j. 25.10.1990). Trata-se de um modelo clássico, por assim dizer, mas há muito a jurisprudência do Supremo vem admitindo o uso de outras técnicas.

Foi o que sucedeu no voto seguinte, proferido pelo ministro Fachin, em que se adotou técnica denominada pela doutrina e pela jurisprudência de "interpretativa", que consiste em uma forma intermediária de declaração de inconstitucionalidade. No caso, admite-se a interpretação conforme à Constituição e a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto. No voto, o ministro Fachin adotou essa técnica para "declarar a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343, sem redução de texto, específica para situação que, tal como se deu no caso concreto, apresente conduta que descrita no tipo legal tiver exclusivamente como objeto material a droga aqui em pauta", no caso, a maconha ("cannabis sativa").

Interessante notar que, neste voto, foram tecidas várias considerações no sentido de que, em princípio, o Poder Judiciário não poderia deliberar sobre esse assunto, pois essa tarefa toca ao Legislativo: "Tal vazio respectivo merece ser preenchido por ato legislativo, no catálogo de sua competência. A regulamentação de toda a sequência que liga a produção ao consumo da droga em questão não cabe, nem aqui ou agora, ao Poder Judiciário, mas sim ao poder constitucional e democraticamente responsável para levar a diante tal mister sob pena de vácuo inconstitucional e mora legislativa". No entanto, após considerar que, no caso, se está diante de uma escolha "trágica", afirmou o ministro Fachin: "Enquanto não houver pronunciamento do Poder Legislativo sobre tais parâmetros, é mandatório reconhecer a necessidade do preenchimento dessa lacuna". Voltaremos a esse ponto adiante.

Por fim, o ministro Barroso seguiu, em parte, o entendimento manifestado pelo ministro Fachin. Mas foi um pouco além, e sugeriu parâmetros a serem observados pelos juízes para se distinguir o porte de maconha para uso próprio do tráfico de drogas: "O porte de 25 gramas de maconha ou a plantação de até seis plantas fêmeas da espécie – essas são as quantidades de referência que o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), propôs como sugestão de parâmetro para diferenciar consumo (ou produção própria) e tráfico de maconha, que no entender do ministro deve ser descriminalizado". Consta ainda na página de notícias do tribunal que, para o ministro, esses padrões não seriam rígidos, podendo ser afastados pelos juízes a depender das circunstâncias do caso, em decisão fundamentada "com maior profundidade". Esses critérios devem valer até que o Congresso se manifeste sobre o tema, sustentou ainda o ministro.

Parece que, aqui, adota-se uma técnica diferente. As manifestadas nos votos anteriores são chamadas de "típicas", sendo, inclusive, previstas na Lei 9.868/1999, que disciplina o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade no Supremo. A técnica adotada pelo ministro Barroso, segundo nos parece, pode ser inserida entre aquelas que doutrina e jurisprudência consideram "atípicas". Nesse caso, entendemos que se está diante de uma decisão que a doutrina classificaria como manipulativa. Dentre as possíveis manifestação dessa técnica, encontra-se a decisão manipulativa aditiva (ou manipulativa com efeitos aditivos), em que, uma vez reconhecida a lacuna ou omissão na lei, o Supremo supre esse vácuo, editando enunciado antes inexistente [3].

Caso prevaleça este último entendimento, estaremos diante de mais uma manifestação do ativismo do Supremo? Pode-se dizer que sim. Mas, como temos insistido em nossos estudos e também em outras edições desta coluna (inclusive a que antecedeu a presente), o Supremo acaba assim atuando diante da inação do legislador. Nem sempre se trata de omissão legislativa orientada pelo entendimento de que o tema não deve ser disciplinado pelo sistema normativo. Consciente de que o STF não pode furtar-se à proteção a direitos fundamentais, já que o Judiciário não deve manter-se inerte diante de ameaça ou lesão a um direito fundamental (artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição), opta-se por deixar de deliberar na lei a respeito de questões que evolvam escolhas trágicas, o que, na prática, acaba por transferir a construção da solução jurídica ao Supremo.

Mas aí pode-se olhar o problema sob outra perspectiva: o Supremo, quando os limites entre o que é jurídico e o que é político é bastante tênue, ou, até, em que o caráter político parece prevalecer sobre o jurídico, não poderia recusar-se a se manifestar a respeito, decidindo que ao legislador incumbe decidir sobre o dilema? O fato de o processo estar aguardando alguma definição no Tribunal há tanto tempo talvez revele que seus juízes não estejam seguros de que a solução do dilema caiba à Corte, e não ao Legislativo. Ao também não decidir (ou adiar, por mais de uma década, a sua decisão), tacitamente o STF talvez esteja desejando expressar que o dilema deve ser solucionado pelos legisladores, e não pelos juízes.

Aguardemos para conferir a postura que será adotada pelo Supremo. Se resolver decidir a questão, voltaremos a tratar do assunto, aqui em nossa coluna. Teremos, então, oportunidade de analisar outros pontos ligados a esse tema, que, além de sua extrema importância, é, ao mesmo tempo, fascinante para quem trabalha com processos nos tribunais superiores e, em especial, se dedica ao estudo do papel das cortes constitucionais.
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[1] Cf. o que escrevemos em Constituição Federal Comentada (7ª edição, Editora Revista dos Tribunais, 2022, comentário aos artigos 2º e 102 da Constituição; mais informações: https://bit.ly/obras2023).

[2] Cf., amplamente, o que escrevemos em Constituição Federal Comentada cit., em comentário ao artigo 102 da Constituição.

[3] Cf. o que escrevemos em Constituição Federal Comentada cit., em comentário ao artigo 102 da Constituição.
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José Miguel Garcia Medina é doutor e mestre em Direito, professor titular na Universidade Paranaense e professor associado na UEM, ex-visiting scholar na Columbia Law School, em Nova York, ex-integrante da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto que deu origem ao Código de Processo Civil de 2015, advogado, árbitro e diretor do núcleo de atuação estratégica nos tribunais superiores do escritório Medina Guimarães Advogados.
Fonte: Conjur

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