Herdeiro que ocupa exclusivamente imóvel componente da herança tem direito à Usucapião?

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Por @juliomartinsnet | A questão da regularização de imóveis que integrem inventários não resolvidos (muitas vezes nem iniciados) ainda pode esbarrar com entendimentos divorciados daquele já estabelecido pelo STJ em importante paradigma (REsp 1631859/SP, j. em 22/05/2018) o que pode significar verdadeiro desafio para quem pretende a regularização via usucapião, seja ele na via judicial ou extrajudicial. Como sempre destacamos aqui, uma vez presentes os requisitos para a Usucapião (especialmente nesse caso tão peculiar envolvendo imóvel integrante de acervo hereditário não resolvido) ela nasce para o Direito e, consequentemente, outro não deveria ser o resultado da demanda senão o reconhecimento da Usucapião. Falando assim parece fácil mas entre a teoria e a prática - principalmente nas questões imobiliárias - o caminho ainda pode ser bem tortuoso.

Inicialmente, é preciso recordar que o instituto da usucapião, previsto no Código Civil e em legislações específicas, representa forma de aquisição originária da propriedade pela posse prolongada, contínua, mansa e pacífica, com animus domini, sobre coisa hábil e suscetível aos efeitos da prescrição aquisitiva. A depender da espécie de usucapião mirada alguns outros requisitos podem ser exigidos, como sempre anotamos aqui também. O direito sucessório - que é o ramo do direito que trata de questões relacionadas à herança, acervo hereditário etc - impõe particularidades ao caso do herdeiro que ocupa o imóvel hereditário, dada a existência da comunhão hereditária. Com a morte do titular dos bens a Lei determina expressamente a transmissão da herança em favor dos seus herdeiros por evidente ficção legal, pelo que se forma um condomínio hereditário. Assim funciona o Direito de Saisine de que sempre falamos:

"Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, DESDE LOGO, aos herdeiros legítimos e testamentários".

Estabelecida a comunhão hereditária por força de Lei, os herdeiros (inclusive os que nem mesmo sabem ainda do falecimento e da existência dos bens) passam a ser considerados legalmente coproprietários do patrimônio despojado do defunto. Até então muita discussão havia sobre a prevalência desse condomínio hereditário sobre a tese que sugeria que a Usucapião poderia prevalecer sobre essa posse coletiva do bem, porém o importante precedente do STJ analisou com muito acerto uma hipótese onde a posse exclusiva e a ausência de oposição dos demais herdeiros, aparelhada com o preenchimento dos demais requisitos necessários para a ocorrência da prescrição aquisitiva foi suficiente para reconhecer a prevalência da Usucapião e seus efeitos sobre bem de herança em favor do herdeiro ocupante em prejuízo dos demais. A referida decisão, dotada de muito acerto e lucidez, assim definiu:

"STJ. REsp: 1631859/SP. Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI. J. em: 22/05/2018. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PREQUESTIONAMENTO . AUSÊNCIA. SÚMULA 282/STF. HERDEIRA. IMÓVEL OBJETO DE HERANÇA. POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO POR CONDÔMINO SE HOUVER POSSE EXCLUSIVA. (...) 6. O condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida POSSE EXCLUSIVA com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, SEM QUALQUER OPOSIÇÃO dos demais proprietários. 7. Sob essa ótica, tem-se, assim, que é possível à recorrente pleitear a declaração da prescrição aquisitiva em desfavor de seu irmão - o outro herdeiro/condômino -, desde que, obviamente, observados os requisitos para a configuração da usucapião extraordinária, previstos no art. 1.238 do CC/02, quais sejam, lapso temporal de 15 (quinze) anos cumulado com a posse exclusiva, ininterrupta e sem oposição do bem. (...)".

Como se percebe com a simples leitura das linhas traçadas na referida decisão, para o êxito da pretensão será necessário comprovar - seja judicial ou extrajudicialmente, como permite o art. 216-A da Lei de Registros Públicos que descortinou a USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL - que o herdeiro interessado exerce ou exerceu a posse exclusiva com "animus domini" (ou seja, nítido, público e inequívoco comportamento de DONO sobre o bem), sem qualquer oposição dos demais, pelo prazo determinado em Lei (que pode ser de 10 ou 15 anos, se tratarmos da modalidade extraordinária), além dos demais requisitos exigidos na modalidade de Usucapião adotada - sendo oportuno anotar que a modalidade extrajudicial dispensa justo título e boa-fé.

POR FIM, recentíssima decisão do TJPR que, reformando sentença do juízo de piso, reconheceu o direito da herdeira que exerceu a posse qualificada sobre bem de herança por mais de 17 (dezessete) anos:

"TJPR. 00333654120118160001. J. em: 14/04/2025. DIREITO CIVIL. RECURSO DE APELAÇÃO. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PEDIDO FORMULADO POR HERDEIRA, EM DETRIMENTO AO DIREITO DE TODOS OS DEMAIS. POSSIBILIDADE, CONTANTO QUE PRESENTES OS REQUISITOS LEGAIS DA USUCAPIÃO. POSSE EXERCIDA COM “ANIMUS DOMINI”, POR CERCA DE 17 ANOS, SEM ATOS DE EFETIVA OPOSIÇÃO PELOS DEMAIS HERDEIROS. DIREITO À AQUISIÇÃO DOMINIAL RECONHECIDO. RECURSO PROVIDO. (...) 2. A questão em discussão consiste em saber se é possível que um herdeiro adquira, por usucapião, bem deixado pelo “de cujus”, em detrimento ao direito de todos os demais herdeiros, e, em caso positivo, se o caso concreto satisfaz os requisitos necessários para tanto. (...) 4. É possível que um herdeiro adquira a propriedade do bem comum pela usucapião, contanto que a sua posse seja qualificada pelo “animus domini” e preencha os demais requisitos da usucapião na modalidade eleita. (...) 7. Os recorridos, ao longo dos últimos 17 (dezessete) anos, não adotaram atos para inibir a posse exclusiva, e com “animus domini”, da recorrente. (...) 9. Presentes os requisitos do artigo 1.238, parágrafo único do Código Civil, o direito à aquisição dominial, pela usucapião, deve ser reconhecido".

Por Julio Martins
Fonte: @juliomartinsnet

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