Progressão de regime de cumprimento de pena: opção ou imposição? Por Lucas Chies Dalle Laste

bit.ly/2oMCs81 | A pena criminal, em linhas gerais, é concebida como uma forma de retribuição ao infrator pelo injusto penal praticado (o crime) e de prevenção (geral e específica, nas suas variadas nuances) da reiteração de condutas desta natureza. Em verdade, este discurso é empregado para justificar a aplicação da pena, no entanto ela acaba por exercer outras funções “não ortodoxas” e que, portanto, não são externadas.

Nesse diapasão, é perceptível que desde os tempos primórdios, as variadas civilizações mostraram-se, invariavelmente, insensíveis em relação à figura do indivíduo apenado e à sua condição.

Essa realidade começou a ser alterada de forma significativa somente após o término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), momento histórico a partir do qual despontou um novo modo de conceber a intervenção estatal sobre a liberdade (física e de pensamento) do cidadão. Insuflada pela mais nefasta experiência já vivenciada, a humanidade passou a buscar mecanismos de controle da atuação do Estado e, por conseguinte, meios de garantir a observância dos direitos humanos, inclusive da pessoa que está cumprindo algum tipo de pena criminal.

O Brasil, no que diz respeito ao sistema penal, adotou, a partir do advento da reforma penal de 1984, o sistema dualista alternativo, segundo o qual a pena criminal e a medida de segurança são aplicáveis de acordo com a condição de (in)imputabilidade do agente e, portanto, não são cumulativas (em substituição ao sistema dualista cumulativo ou sistema do duplo binário até então vigente, que admitia a cumulação de pena criminal e de medida de segurança).

Por sua vez, no que tange à pena criminal, o ordenamento jurídico pátrio contempla penas privativas de liberdade, penas restritivas de direito e pena de multa, a teor do que dispõe o art. 32, I, II e III, do Código Penal, respectivamente.

Em relação ao cumprimento das penas privativas de liberdade, por seu turno, prima facie, estas são de reclusão (aplicáveis a crimes mais graves) e de detenção (reservada aos crimes menos graves). Outrossim, aos crimes sujeitos à pena de reclusão a execução da pena pode se dar nos regimes fechado, semiaberto e aberto, enquanto para os crimes cuja pena privativa de liberdade é cominada na modalidade de detenção, os regimes de execução são apenas o semiaberto e o aberto, tudo isso nos termos do art. 33, caput, do Código Penal.

É a pena em concreto, ou seja, aquela cominada ao réu em comando judicial transitado em julgado (ao menos é assim que deveria ser…), o parâmetro para a definição do regime inicial de cumprimento de pena, nos termos do art. 33, do Código Penal, c/c art. 105, da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal).

Diante do nível civilizatório alcançado pela humanidade nos dias atuais, fruto da busca devotada e incessante pela efetivação dos direitos humanos que hoje se perfaz, o direito penal material e processual seguem a tendência de guardar estrita observância a uma série de garantias a que faz jus o réu – sujeito processual, titular de direitos e garantias fundamentais, e não mais objeto do processo – especialmente quando este é privado de sua liberdade para fim de cumprimento de pena a ele imposta.

Na esteira desta preocupação de se atribuir ao processo penal (também) a função de garantir os direitos e as garantias fundamentais do acusado, o sistema penal brasileiro buscou conferir ao cumprimento de pena o imprescindível aspecto humanitário, atribuindo-lhe um importante caractere que é a progressão de regime.

Isso significa que, considerados o mérito do apenado (critério subjetivo) e o tempo de pena privativa de liberdade cumprida (critério objetivo), o condenado poderá ser posto em regime menos gravoso de cumprimento de pena daquele em que se encontra, conforme preceitua o Código Penal, em seu art. 33º, §§ 2º e 3º (sem olvidar dos critérios específicos de que trata o § 4º, aplicáveis aos crimes praticados contra a administração pública).

O critério objetivo – tempo de execução da pena privativa de liberdade – é definido pelo art. 112, caput, da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) e no art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.072/1990 (no que diz respeito à condenação pela prática de crimes considerados hediondos e daqueles equiparados). Já o critério subjetivo – comportamento do apenado –, conforme preceitua o mesmo dispositivo legal, deve ser atestado pelo diretor do estabelecimento prisional em que a pena está sendo cumprida.

Além desta progressividade, importa referir que há a possibilidade de regressão para regime de cumprimento de pena mais gravoso, a qual se encontra disciplinada pelo art. 118, da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal), que, porém, não é o objeto deste artigo.

Feito este apontamento, retomamos o foco deste artigo, que é a progressão de regime de cumprimento de pena e, em relação a este, destacamos um questionamento que surgiu nos últimos dias, em razão de uma das ações penais em que figura como réu o ex-presidente da República Luiz Inácio “Lula” da Silva, difundido por diferentes veículos de comunicação do País, que é a possibilidade ou não de o apenado recusar-se a progredir de regime de cumprimento de pena.

Em que pese a referência a este caso concreto, o presente artigo se propõe a realizar uma abordagem estritamente sob o aspecto técnico-jurídico, ou seja, de forma desprovida de qualquer conotação político-partidária, desta questão que tem se mostrado bastante controversa entre os pensadores do direito.

Nesse diapasão, frisa-se que existe posicionamento no sentido de que a progressão de regime é um direito, uma opção do apenado e não um dever, um compromisso deste, ou mesmo uma imposição por parte do Estado, de modo que ao condenado é facultado exercer este direito ou não. Ademais, a Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) e o próprio Código Penal, em momento algum dispõem, ao menos não expressamente, acerca da obrigatoriedade da aceitação da progressão de regime pelo apenado.

No entanto, também há o entendimento de que a progressão de regime tem como cerne, em última análise, o direito (humano) fundamental à liberdade, que é indisponível, pelo qual também a progressão o seria. Na mesma esteira, a progressão de regime aproxima o apenado, além da liberdade, também da sua ressocialização. Além disso, o Estado estaria agindo de forma ilícita (e inconstitucional) ao manter preso em regime mais gravoso aquele que reúne as condições legais para cumprir a pena em regime mais brando, podendo, inclusive, ser responsabilizado por isso.

Trata-se, como se percebe, de um questionamento deveras interessante para o debate sob o aspecto jurídico, dado o seu ineditismo, uma vez que o que se verifica atualmente no sistema prisional brasileiro é justamente o oposto: apenados que já implementaram os requisitos legais para a progressão, mas que acabam permanecendo segregados em regime mais gravoso, pela inércia do aparato estatal (inclusive do órgão acusatório – que detém também a atribuição de custos legis –, que no caso envolvendo o ex-presidente Lula mostrou eficiência, no mínimo, não usual nestes casos, diga-se de passagem).

Justamente por pelo seu caráter excepcional é que, sem dúvida, esta questão continuará sendo objeto de intensos debates nos próximos dias, notadamente quando houver um desfecho desta situação no caso concreto do processo envolvendo o ex-presidente Lula, que servirá de paradigma para eventuais futuros casos análogos.
___________________________________

Quer estar por dentro de todos os conteúdos do Canal Ciências Criminais?

Siga-nos no Facebook e no Instagram.

Disponibilizamos conteúdos diários para atualizar estudantes, juristas e atores judiciários.

Lucas Chies Dalle Laste
Advogado (RS)

0/Comentários

Agradecemos pelo seu comentário!

Anterior Próxima