O aluguel e a inadimplência em tempos de pandemia do Covid-19, quem vai pagar a conta?

bit.ly/aluguel-covid19 | Pagar ou não pagar o aluguel, entrar em inadimplência, culpar a pandemia, ou lutar pela sobrevivência com esperança do covid-19 ser um drama superável. Eis a questão.

Abstract
Os contratos são de grande importância como garantia às transações da sociedade, e fazem lei entre as partes. Mas eles podem ser mudados, revistos, e até serem totalmente inviabilizados por eventos imprevisíveis que possam fazer desaparecer a substância do contrato. A questão é saber se a epidemia do coronavírus é ou não um evento imprevisível capaz de ser invocado para isentar inquilinos do pagamento de aluguéis.

Introdução

Primeiramente, temos que ter em vista a importância dos contratos como elemento essencial de garantia às transações feitas diariamente na sociedade. O pacta sunt servanda se justifica porque o contrato, uma vez celebrado livremente, incorpora-se ao ordenamento jurídico, constituído verdadeira norma de direito (Maria Helena Diniz).

Se por um lado, o Código Civil (CC art 478) prevê a possibilidade de resolução dos contratos quando ocorrer desequilíbrio entre as partes, por aplicação da Teoria da Imprevisibilidade. Por outro lado, tal aplicabilidade de resolução contratual por eventos extraordinários deve conduzir a uma revisão do contrato e não ao resilição (Enunciado 176 do Conselho de Justiça Federal).

Isto é, sempre que as circunstâncias da formação do contrato forem diferentes no momento da execução da obrigação, e por causa disso, uma das partes obtiver vantagem extrema sobre a outra, o caminho da justiça passa pela revisão contratual, e não pelo rompimento.

Deve-se ter essa breve revisão de conceitos em mente na hora de formar opinião e posicionamento nos casos concretos dos conflitos contratuais neste ambiente de pandemia do coronavírus.

Quem é que vai pagar a conta do coronavírus?

“Para quem paga, sempre é muito, e para quem recebe, sempre é pouco”, é um conhecido ditado popular e se aplica bem para entender o estado emocional das partes nas disputas locatárias que ocorrerão no futuro, com a pandemia do covid19 como pano de fundo.

É fato que haverá redução da renda agregada na economia com um todo, pelas demissões, fechamentos de estabelecimentos comerciais por ordem do Poder Público, e pela redução geral da demanda agregada que acompanha o isolamento social.

Já temos um consenso entre os governantes do planeta de que o Poder Público tem o dever de suplementar a redução de renda de alguma forma, e aqui no Brasil, veio o coronavoucher, entre outros auxílios que utilizam verbas públicas. Com isso fica claro que todos nós, enquanto sociedade, é que vamos pagar a conta!

Não há dúvidas de que este novo drama da humanidade será capitulado na história com importância semelhante às grandes guerras, à grande depressão de 1929 e outros eventos emblemáticos como o ataque de 11/09 e o estouro da bolha imobiliária de 2008.

Então, a pergunta "quem é que vai pagar a conta?" está errada! Não é esta pergunta que temos que responder, pois é óbvio que estamos todos juntos e inexoravelmente afetados pela pandemia. A pergunta que cabe é: como vamos dividir a conta?

A pandemia do covid-19 veio para ficar ou será transitória? 

Ainda não sabemos, mas com certeza, por trás da pandemia, está a esperança de que será um evento passageiro, transitório. Que, apesar dos dramas e enorme sofrimento, a vida continuará aqui no planeta Terra, e nós seguiremos em frente.

O senso comum é sempre pela preservação. Preservação da vida, preservação dos empregos, preservação dos contratos, preservação de tudo o que existia antes da pandemia. É essa expectativa de que amanhã retornaremos à normalidade que nos leva a encarar a pandemia do covid-19 como transitória.

Embora possam ter efeitos nefastos, todas as pandemias do passado foram passageiras, e apesar dos dramas que vivemos, temos várias fontes de estimativas do tamanho do problema e suas consequências.

Infográfico: Brasil enfrentará um período de redução do PIB

Haverá um aumento da pobreza mundial, redução do comércio global, e o Brasil enfrentará um período de redução do PIB. É certo que enfrentaremos isso! Mas sob o ponto de vista econômico, tais efeitos não são estranhos à nós. A humanidade está habituada a lidar e a sobreviver aos efeitos causados pelas mais variadas catástrofes, tais como causados quando ocorre uma guerra no golfo pérsico, ou quando os planta é assolado por crises de estouro de bolhas financeiras, como em 2008.

Apesar das dificuldades, do sofrimento e das cicatrizes, o capítulo da pandemia do coronavírus também vai ser superado. E temos que manter em mente que as relações sociais e comerciais continuarão, apesar das adversidades.

A negociação é o instrumento de estabilidade jurídica durante a pandemia do covid-19

Então, do ponto de vista jurídico, não podemos partir da tentação de invocar a pandemia como fato extraordinário, imprevisível, superveniente, e insuperável para resolução contratual de todos os casos concretos.

Devemos nos manter norteados sempre pelo sentimento de preservação, de continuidade, de sobrevivência. Com a esperança de que retornaremos ao estado de normalidade em breve, apesar das feridas.

Com isto em mente, deve-se afastar o instinto repentino de fuga, que faz pensar que os aluguéis não são devidos em tempos de pandemia, ou que o contrato deve ser desde logo rescindido.

No caso dos contratos de aluguel comercial, há de se ter em mente que o contrato de aluguel é diferente do contrato de participação societária. O locador nunca participa dos lucros, nem dos prejuízos do locatário, sendo assim, este não pode alegar que não vai pagar o aluguel por que não está com o comércio aberto, pois a situação é transitória por definição.

Pelo contrato de aluguel transmite-se a posse, e tão somente a posse do imóvel para o locatário, cabendo a este todas as responsabilidades de obtenção de alvarás e instalações necessárias para funcionamento do negócio.

É verdade que é comum estabelecer-se carência no aluguel comercial de um ou dois meses, até que ele esteja funcionando, mas isso é uma mera liberalidade negocial. O aluguel é remuneração pela posse do imóvel, e não pelo funcionamento do estabelecimento comercial.

Cumpre assim entender que, o aluguel, mesmo em momento de pandemia, é devido. O que pode ser ponderado é um eventual ajuste temporário de valor, mas sempre através de negociação e concordância das partes. Com isso afasta-se em definitivo qualquer situação de extrema vantagem de um sobre o outro.

O percentual e as parcelas podem ser revistas, ou até mesmo o início do seu pagamento, mas impôr ao locador que este arque sozinho com o ônus total da inadimplência, isentando o locatário de pagamentos em decorrência da pandemia do covid-19 é onerar excessivamente o locador e fazer este arcar com todo o ônus da fechamento do comércio imposto pelo Poder Público.

Ou seja, o melhor entendimento é pela negociação do aluguel. Alguns comércios sofrerão mais ou sofrerão menos em função de suas próprias reservas. Pode ser que para alguns seja um impacto de fluxo de caixa momentâneo, e para outros pode ser o fechamento das atividades. Isso só pode ser verificado caso-a-caso.

O que vem sendo adotado nos contratos de locação, é um pagamento mínimo dos aluguéis atuais, que varia de 30% a 60% com parcelamento do saldo devedor para pagamento durante o 2ª semestre de 2020.

A isenção total do aluguel durante o tempo de isolamento soa injusta, pois aliena totalmente o locador tanto da posse quanto dos frutos da propriedade, forçando-o participar dos prejuízos do locatário sem ser sócio deste, e incapaz de participar dos lucros passados ou futuros. Parece mais alinhado com o senso de justiça a negociação de um pagamento diferido dos débitos de modo a melhor se acomodar ao fluxo de caixa dos comércios quando estes voltarem à normalidade de suas atividades.


Por Marcelo Mazzariol - Advogado em Campinas e Bacharel em Economia pela PUC-SP. Atua em direito imobiliário e é sócio da MGS :: Mazzariol Gianlorenço & Solorano.
Contato: marcelo@mgsadvs.com.br

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Referências Jurídicas

Código Civil - artigo 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Conselho Federal de Justiça - Enunciado 176. Em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, o art. 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual.

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