Vaidade de vaidades, tudo é vaidade (até na magistratura): Opinião pública, ideologia e interpretação do Direito

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Por @zc.advocacia | Nós, seres humanos, somos muito mais do que músculos, sistema nervoso, e inúmeras definições anatômicas possíveis; temos sentimentos que são capazes de mudar a nossa percepção de mundo. Somos formados por histórias que escutamos, e desde a infância somos programados para seguir aquilo que nos é apontado como correto, coerente e justo por nossos pais, professores ou quaisquer outros com poder de hierarquia sob uma mente ainda em formação.

E não raramente, todos esses modelos comportamentais nos são impostos sem uma devida fundamentação. Sim, porque sim, não porque não. Até porque, quando munidos do argumento de autoridade, não se faz necessária qualquer fundamentação para a imediata obediência.

Sendo assim, podemos dizer que o referido ser humano é o resultado de ideologias, suas ou de outros que lhes foram impostas ao longo da vida, e também de experiências vivenciadas pelos antepassados. Por isso que cada ser é único, formado por características únicas.

E o que acontece quando esse mesmo ser humano, bombardeado de ideologias diversas, com um entendimento pré-formado sobre os mais variados assuntos, se vê como aplicador e intérprete da lei?

Como ele pode aplicar o direito sem deixar que a sua formação “atrapalhe” no decisório? Como garantir a estimada “segurança jurídica” se cada juiz traz consigo uma carga diferente de ensinamentos metajurídicos?

Difícil questão para responder. Nos ensinamentos do Professor Eros Graus, fica cristalino o entendimento de que o jurista não trabalha com a mera leitura de um texto normativo, pois se fosse assim, a Faculdade de Direito já seria considerada algo obsoleto, necessitando tão somente do conhecimento regular da língua pátria para a aplicação da lei ao caso concreto.

Mas não. O jurista precisa olhar para o texto como um músico olha para uma partitura, e dela tirar a norma a ser aplicada. A partitura em si não é uma música, necessitando de uma força humana para se tornar arte; assim como o texto não é norma, necessitando do jurista para assim o ser.

Ao interpretarmos/aplicarmos o direito – porque aí não há dois momentos distintos, mas uma só operação- ao praticarmos essa única operação, isto é, ao interpretarmos/aplicarmos o direito não nos exercitamos no mundo das abstrações, porém trabalhamos com a materialidade mais substancial da realidade. Decidimos não sobre teses, teorias ou doutrinas, mas situações do mundo da vida. Não estamos aqui para prestar contas a Montesquieu ou a Kelsen, porém para vivificarmos o ordenamento, todo ele. Por isso o tomamos na sua totalidade. Não somos meros leitores de seus textos – para o que nos bastaria a alfabetização – mas magistrados que produzem normas, tecendo e recompondo o próprio ordenamento.

Muitos juristas buscam até hoje deixar o direito mais objetivo, e por consequência arrancar a carga de subjetivismo ainda presente, exigindo uma racionalidade nas decisões que jamais haverá.

Esses mesmos racionalistas regozijariam inclusive, se existissem “juízes computadores”, já que na tecnologia encontrariam uma resposta racional para as demandas judiciais, o que jamais ocorrerá quando da aplicação do direito feita por seres humanos.

Isso porque a atividade jurisdicional é política e não científica. Assim, a crítica neopositivista do discurso jurídico conduziu à separação entre a verdade objetiva da ciência do direito e as crenças ideológicas da política do direito.

Essa constitui umas das principais ingenuidades do pensamento hermenêutico moderno: achar que as decisões dos juízes são ao todo científicas; e isso porque a aplicação das normas envolve necessariamente decisões valorativas irracionais.

Isso é um fato. Ou entendemos e começamos a trabalhar com ele, ou ficaremos eternamente e de forma ineficaz tentando cientificar a aplicação da norma.

Não estamos aqui afirmando que o nobre julgador possa fazer o que ele bem entender, já que este tem o dever de respeitar a Magna Carta em todos os seus atos, especialmente quando lidar com as questões que envolvam direitos fundamentais.

Desta forma, um pouco de humanidade quando do exercício da função jurisdicional sempre cairá bem.

Opinião pública: A antessala da vaidade. 

Ainda sobre os perfis de julgadores patológicos, entendemos que o mais preocupante tipo julgador é aquele que se coloca em situação de refém da dita “opinião pública”, não por meio de ideologias, crenças ou até mesmo pré-formação de opinião, mas por puro exercício de vaidade. O juiz vaidoso, figura muito comum nos tempos atuais, é aquele que exerce a jurisdição buscando o aplauso do próximo, a popularidade, o cargo político, ou simplesmente e não menos grave, os holofotes.

Nesse sentido, como bem ministra Luigi Ferrajoli:

Quando a jurisdição não tem mais a função de verificar a verdade, mas o consenso da opinião pública, não há devido processo legal.

O julgador vaidoso, que cego pelo ego não mais consegue compreender a real importância de sua nobre função, que abriu mão de toda técnica, rigor científico, discrição e também exercício de humildade que a sua profissão exige e a torna única e especial, que prefere os likes a consciência tranquila. Esse, não importa a decisão que tome, sempre será imoral, injusta e criminosa. 
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Daniel Zalewski Cavalcanti, advogado, Sócio da ZC Advocacia, Pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal e em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional e Administrativo Sancionador.

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