Antes da Lei 14.532/23, a injúria racial, também conhecida, como injúria preconceito ou racismo impróprio, estava expressa no §3º, do artigo 140, do Código Penal, da seguinte forma: “Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena - reclusão de um a três anos e multa”. Sob tal perspectiva, a injúria racial era considerada uma qualificadora do crime de injúria.
Entretanto, a partir do advento da Lei 14.532/23, o tipo penal do art. 140, §3º, do Código Penal foi modificado para a seguinte redação: “Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a religião ou à condição de pessoa idosa ou com deficiência: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa”. Assim, a injúria qualificada por motivos de preconceito apenas passou a englobar as condutas discriminatórias atinentes à religião e às condições de pessoas idosas ou pessoas com deficiência.
Neste panorama, a injúria motivada por preconceito relacionado à raça, cor, etnia ou procedência nacional deixou de ser uma qualificadora da injúria no Código Penal para se tornar um crime autônomo na Lei 7.716/89, em seu artigo 2º-A, com a seguinte redação: “Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional. Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa”, trazendo uma pena mais gravosa para o novo tipo penal.
Por tal mudança legislativa, a injúria racial passou a ser crime de ação penal pública incondicionada, na qual o Ministério Público tem atribuição privativa para ajuizá-la, podendo instaurar o processo criminal sem a necessidade de manifestação de vontade de quaisquer pessoas. Ademais, este delito, por estar previsto na Lei dos crimes de preconceito, passa a ser inafiançável e imprescritível da forma expressa, com base no art. 5º, XLII, da Constituição Federal.
A Lei 14.532/23 também criou causas de aumento de pena (majorantes) aplicáveis à injúria racial, aumentando-se a pena: a) de metade (1/2), caso este delito seja praticado mediante concurso de duas ou mais pessoas (art. 2º-A, parágrafo único); b) de um terço (1/3) até metade (1/2), na hipótese de o delito ser praticado no contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação (art. 20-A); e c) de um terço (1/3) até metade (1/2), quando praticado por funcionário público, conforme acepção estatuída no art. 327 do Código Penal, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las.
Ainda que a injúria racial tenha se equiparado ao crime de racismo, faz-se necessário entender as distinções entre estes dois tipos penais. O quadro abaixo, com base nas alterações legislativas, traz uma síntese do novo arcabouço jurídico destes dois delitos com suas principais diferenças:
Injúria racial (Art. 2º-A, caput, da Lei nº 7.716/89) | Racismo (Art. 20, caput, da Lei 7.716/89) |
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A intenção do agente é ofender a honra de alguém valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia ou procedência nacional. | Discriminação generalizada contra todos de determinada raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, atingindo um número indeterminado de pessoas. |
Ação penal pública incondicionada. | Ação penal pública incondicionada. |
Imprescritível. | Imprescritível. |
Inafiançável. | Inafiançável. |
Conforme se percebe, na injúria racial, o agente que comete a conduta delitiva ofende a honra de uma pessoa ou de um grupo determinado de pessoas valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia ou procedência nacional. Diferentemente, o crime de racismo é mais amplo, seja pelo fato de ser uma conduta discriminatória generalizada, atingindo um número indeterminado de pessoas, seja pelas suas elementares, as quais, além de englobar todas as presentes na injúria racial (raça, cor, etnia e procedência nacional), também engloba a discriminação religiosa. Ademais, sem qualquer pretensão de esgotar o tema, há diversas outras formas de praticar tais delitos, entretanto, apenas com a leitura atenta da Lei 7.716/89 já se consegue compreender todos os outros enquadramentos típicos concernentes à injúria racial e ao racismo.
Neste panorama, é perceptível a preocupação do legislador em trazer uma proteção maior aos grupos historicamente minoritários, visando coibir, de maneira mais contundente, as condutas discriminatórias. Assim, mesmo que a passos curtos, o Direito pátrio, está sendo delineado para uma vertente mais democrática e igualitária, algo que irá favorecer não apenas pessoas determinadas, mas a sociedade como um todo.
Por Wilson Alvares (@wilsonalj), graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco, especialista lato sensu em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade Damas da Instrução Cristã, mestre em Direito Penal pela faculdade Damas da Instrução Cristã. Como atuação profissional, exerceu o cargo efetivo de Auxiliar Administrativo na Prefeitura Municipal de Vitória de Santo Antão e, posteriormente, a função de confiança de Secretário de Gabinete/ Assessor na Justiça Federal de Pernambuco (9ª Vara Federal). Atualmente, é advogado criminalista e de sucessões, bem como professor de Direito Penal e Direito Processual Penal.
Imagem: Midjourney, Inteligência Artificial
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