— O senhor preferia que eu ficasse servindo pelo fato de eu ser mulher, né?
O advogado respondeu que não, mas a magistrada prosseguiu:
— Mas eu estou aqui presidindo.
O advogado se insurgiu, dizendo que não se tratava de misoginia.
A magistrada ressaltou:
O advogado Flávio Fernandes, ex-presidente da Anacrim, que abandonou plenário do III Tribunal do Júri, no último dia 10 — Foto: redes sociais
— Sim, porque, quando eu estou fundamentando, o senhor me interrompe para dizer que sabe...
Novamente, o advogado não permitiu que a juíza concluísse a frase, negando ser misógino por quatro vezes. Após diversas interrupções, a juíza afirmou que não conseguia concluir seu raciocínio.
Juíza Tula Correa de Mello preside o III Tribunal do Júri; ela é uma das quatro magistradas titulares — Foto: Ana Branco
— Parece até que a senhora está advogando pela vítima. Vossa Excelência não está se comportando como uma magistrada. Vossa Excelência não pode fazer isso — disse o advogado.
A juíza registrou a ofensa em ata e invocou o artigo 474, inciso 2, do Código de Processo Penal, que veda o uso de linguagem que ofenda a dignidade da vítima ou de testemunhas. Segundo a ata da magistrada, os ataques foram direcionados às testemunhas de acusação, entre elas a irmã da vítima, Débora Mendonça, que atuava como informante no julgamento.
De acordo com o documento, o advogado Flávio Fernandes gritou com Débora: "Ouvida sem o compromisso legal na condição de informante, foi inquirida pela defesa técnica aos gritos, suportando indagações repletas de adjetivos desqualificativos da honra e imagem de seu falecido irmão. Os patronos, mesmo quando advertidos, se manifestaram por meio de ilações indiretas acerca do atuar profissional e pessoal da vítima, perito papiloscopista da Polícia Civil."
Ainda segundo a juíza, em determinado momento, um advogado chamou a vítima de "papiloscopista de merda".
Em outro trecho da ata, a magistrada destacou que houve desrespeito por ela ser mulher:
"Tendo esta magistrada o dever de pontuar a grave ofensa ao gênero, por mais melindrados que os patronos tenham se sentido em sua esfera profissional — cujo respeito deve ser mútuo, e não unilateral, conforme ocorrido durante toda a sessão plenária e testemunhado pelas inúmeras pessoas presentes."
Fernandes, por sua vez, abandonou o júri, alegando que não havia condições de prosseguir, sendo acompanhado pelos advogados dos outros três réus. Desde dezembro de 2022, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) extinguiu a aplicação de multas pelo magistrado em caso de abandono do plenário. O júri foi adiado e será remarcado para junho, quando haverá nova data disponível. Outro Conselho de Sentença será formado, ou seja, outros sete jurados serão sorteados. Na primeira seleção, Fernandes recusou três jurados, todas mulheres. O julgamento contava com sete jurados, todos homens.
O debate ocorreu na presença de representantes da Comissão de Direitos e Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Rio (OAB-RJ), e da Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim). Ambas as entidades foram acionadas por Fernandes no segundo dia de julgamento. Questionadas sobre possíveis registros de desrespeito às prerrogativas dos defensores no primeiro dia do júri, ambas informaram que não houve nenhuma denúncia a respeito.
Em seu despacho, a juíza Tula Correa determinou o cálculo das despesas com o júri, incluindo gastos com alimentação, escolta, transporte de jurados e servidores da Justiça envolvidos na sessão plenária dos dois dias, além da extração de documentos para a OAB-RJ, a fim de que sejam tomadas providências sobre o caso. Toda a audiência foi gravada pelo Tribunal de Justiça do Rio.
De quem era o julgamento?
O julgamento era dos réus Bruno Santos de Lima, Lourival Ferreira de Lima, Daris Fidélis Motta e Manoel Vitor da Silva Soares. Os quatro são acusados do homicídio do papiloscopista Renato Couto de Mendonça, ocorrido em 13 de maio de 2022.
Mendonça fazia uma obra em seu apartamento, na Praça da Bandeira, quando percebeu o furto de alguns materiais. Segundo a Polícia Civil, ele iniciou uma investigação por conta própria, descobrindo que os materiais estavam no ferro-velho de Lourival, na Mangueira.
No local, a vítima exigiu dinheiro pelo material furtado. Lourival pediu que ele retornasse à tarde para buscar o pagamento, mas, segundo a investigação, preparou uma emboscada. O comerciante chamou seu filho, o sargento da Marinha Bruno Lima, que convidou dois colegas da corporação para ajudá-lo.
Os três militares tentaram colocar Mendonça à força em uma van. A vítima reagiu à agressão, mas foi atingida por Bruno. Em seguida, o grupo levou Mendonça até uma ponte do Arco Metropolitano, sobre o Rio Guandu, onde jogaram seu corpo.
Bruno afirmou, em depoimento, que o grupo não sabia que a vítima era policial. Quando foram lavar o veículo em um lava-jato, encontraram a carteira funcional de Mendonça, papiloscopista lotado no Instituto Félix Pacheco.
Magistrada, advogado e promotor falam sobre a sessão
A juíza Tula Correa destacou que o tribunal do júri é o "ambiente mais democrático" do Judiciário:
— É o lugar onde a sociedade vem para julgar seus pares. Portanto, a juíza na presidência tem o dever de garantir os direitos dos cidadãos, para um julgamento justo, com acesso a todas as provas dos autos. A defesa tem direito à plenitude de defesa, mas esse direito não significa uma subversão às ordens constitucionais e processuais. Em homicídios como o da socialite Ângela Diniz, em 1976, percebe-se que a defesa desqualifica a vítima. Hoje, o Supremo Tribunal rechaça esse tipo de comportamento — explicou.
Ela também afirmou que percebeu uma tentativa de impor uma "ditadura da defesa", capaz de calar a magistrada:
— Percebo que, algumas vezes, a defesa tenta tirar do contexto alguns episódios. Gravei toda a sessão, e pelas imagens é possível constatar que fui interrompida de forma desrespeitosa. Meu papel é presidir o júri e fundamentar minhas decisões, impedindo a desqualificação da vítima — reforçou.
O advogado Flávio Fernandes negou ser misógino e disse que sempre atuou com respeito:
— No plenário do júri, é comum que acusação, defesa e juízo se interrompam. O direito à plenitude de defesa está garantido na Constituição. Farei as providências necessárias, pois minha honra foi ofendida.
O promotor Fábio Vieira considerou a atitude desrespeitosa e elogiou a gravação integral da sessão:
— Foi uma das atitudes mais desrespeitosas que já presenciei durante um plenário de júri. Foi ótimo a juíza ter feito a gravação integral desde o início da sessão, pois isso deixará muito claro como ela conduziu os trabalhos da melhor forma possível. Não visualizei nenhuma ilegalidade. Pelo contrário, as defesas, a meu ver, estavam excedendo em tudo que a magistrada fazia. Mas, enfim, tudo isso foi percebido pelos jurados, que no final das contas irão avaliar a questão. Não existe mais a multa por abandono de plenário, mas os advogados devem arcar com os prejuízos que causaram — opinou o promotor.
Segundo ele, houve desrespeito com a profissão da advocacia e com os próprios clientes. Para o promotor, réus e defesas estavam articulando teses que poderiam até levar à absolvição, uma vez que alegavam legítima defesa. No entanto, o abandono dos advogados prejudicou muito os réus, em sua opinião.
O que dizem a Anacrim e a OAB
Procurado pelo blog Segredos do Crime sobre o incidente, o presidente nacional da Anacrim, James Walker Jr., afirmou que a entidade foi convidada pelo advogado Flávio Fernandes para acompanhar o segundo dia de julgamento. Walker destacou que Fernandes é ex-presidente da entidade e o definiu como um "tribuno experiente" e "muito combativo":
— Ele (Flávio Fernandes) falou que não foi agressivo e disse que a juíza associou sua postura à de uma pessoa misógina, o que ele não concorda. A Anacrim enviou a Doutora Fernanda Neiva, da nossa comissão de prerrogativas, para acompanhar os fatos e nos relatar, para que possamos tomar todas as medidas necessárias para defesa das prerrogativas dos nossos associados. Vamos aguardar o relatório, que será submetido à minha análise e à do Doutor Edson Ribeiro, da Anacrim estadual, para sabermos se houve, ou não, alguma violação dos direitos do advogado.
A Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Rio de Janeiro (OAB-RJ), também foi procurada, mas ainda não se manifestou sobre os fatos.
Fonte: @jornaloglobo
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