Na última quarta-feira, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro aprovou a inclusão do Dia da Cegonha Reborn no calendário oficial da cidade, em homenagem às artesãs que customizam bonecas para que se pareçam com bebês reais, as chamadas cegonhas reborn. Enquanto isso, na Câmara dos Deputados, o deputado Cristiano Caporezzo (PL-MG) apresentou um projeto de lei que propõe proibir o atendimento de bonecas reborn em hospitais. O texto prevê multa de até 10 vezes o valor do serviço prestado pela rede hospitalar, em caso de descumprimento.
Todos esses acontecimentos reunidos levaram os internautas a afirmarem em diversas publicações, que as pessoas estão enlouquecendo. "Bebê reborn, para mim, é o início do apocalipse", declara um usuário do X (antigo Twitter) em uma publicação. Ao Correio, a psicóloga e coordenadora do curso de psicologia do Centro Universitário Anhanguera, Ana Cristina Rodrigues de Vasconcellos explica que algumas pessoas realmente acreditam que o bebê reborn é de verdade, mas isso depende do estado emocional e psicológico de cada uma.
"Alguns colecionadores cuidam do brinquedo por um hobby. No entanto, em casos mais graves, geralmente associados a sofrimento psíquico intenso ou transtornos como delírios e dissociações, pode haver confusão entre fantasia e realidade, o que exige acompanhamento psicológico e psiquiátrico", detalha a especialista. Segundo ela, ter ou colecionar bebês reborn não é, por si só, um sinal de problema psicológico. "O mais importante, é observar como esse hábito afeta a vida da pessoa", ressalta.
Se é apenas uma coleção e não interfere negativamente nas demais áreas da vida, Ana Cristina avalia que pode ser até benéfico. Por outro lado, se começa a causar sofrimento, isolamento ou prejuízos na vida social, pode ser um sinal de que é hora de buscar ajuda psicológica. "A chave está no equilíbrio: se promove bem-estar sem se afastar da realidade, é saudável", completa.
Ana Cristina também reforça que esse vínculo pode, sim, ser sinal de problema emocional, gerando obsessão pela falta de algo. "Devemos analisar se o boneco está substituindo as relações humanas. É um objeto a ser colecionado, o que passa disso, me preocupa. Precisamos sempre ressaltar: colecionamos objetos e amamos pessoas", declara.
Julgamentos
Maria da Silva (nome fictício), professora e artesã de 33 anos, é uma das colecionadoras de bebês reborn da capital. Por receio de julgamentos, ela preferiu não divulgar seu nome verdadeiro nem fotos para a reportagem. A coleção de Maria começou em 2018, comprando bonecas de segunda mão, por serem mais acessíveis. Há dois anos, ela passou a encomendar reborns personalizados com artistas profissionais e, atualmente, possui 12 em sua coleção.
A professora conta que colecionava bonecas antigas até conhecer os bebês reborns, aos 19 anos. "Eu vi pela televisão e pelas redes sociais e, como as bonecas sempre foram minha paixão, eu me encantei com a possibilidade de ter uma tão realista. Porém, na época era uma realidade distante para mim por causa do valor", relembra.
Ela conta que, ao entrar em contato com as chamadas "cegonhas" e se deparar com os altos valores das bonecas, passou a pesquisar mais sobre essa arte. Foi então que descobriu todo o processo envolvido na criação das bonecas: desde a escultura até a pintura e o implante de fios de cabelo — um trabalho minucioso e artesanal, feito com materiais em sua maioria importados. "Com todo esse conhecimento, me encantei cada vez mais pela arte, mas somente aos 26 anos tive condições de comprar a primeira", diz.
De acordo com Maria, a coleção é apenas um hobby, mas, ainda sim, ela lida com julgamentos. "É comum que as pessoas tratem com estranheza, e, desde a popularização da arte reborn no Brasil, surgiu a ideia equivocada de que as bonecas servem para substituir bebês, o que não condiz com a realidade da maioria das colecionadoras", relata.
Maria não nega que possa existir pessoas que tratam os reborns como se fossem de verdade, porém ela não conhece nenhuma. "A própria arte não permite isso. Se pesquisar bem, vai descobrir que não é recomendável fazer limpezas frequentes, trocar de roupa várias vezes ao dia, utilizar produtos como talco, perfumes, lenços umedecidos, pentear o cabelo diariamente ou mesmo ficar longos períodos com as bonecas no colo, porque tudo isso pode danificar", explica.
Roleplay
Nas redes sociais, roleplay (ou "interpretação de papeis") é uma prática em que uma pessoa assume um personagem fictício ou real e interage com outros como se fosse esse personagem. É comum em comunidades de fãs, jogos ou mesmo em nichos específicos como o dos bebês reborn.
No contexto dos reborns, o roleplay pode envolver postar fotos e vídeos cuidando das bonecas como se fossem bebês de verdade, dando mamadeira, trocando fraldas, levando ao médico etc. Essas interações costumam ser feitas em tom sério, como se tudo fosse real, e os seguidores entraram na brincadeira.
Maria da Silva afirma que as colecionadoras de bebês reborns, são pessoas comuns, com vidas e rotinas semelhantes a qualquer outra pessoa, são estudantes, profissionais, mães, donas de casa, que cumprem diariamente todas as suas obrigações e curtem um hobby diferenciado nas horas vagas.
"Algumas pessoas criam conteúdos de roleplay para atrair engajamento nas redes sociais, mas nem sempre deixam claro que se trata de ficção. Com isso, acabam exagerando nas encenações em busca de likes, sem considerar os impactos negativos para a comunidade", lamenta.
Mercado em expansão
O mercado de bebê reborn no Distrito Federal tem crescido. Márcia Assaad e a esposa Bruna Assaad trabalham com a arte de fabricar bonecas hiper-realistas há oito anos. “O mercado aqui em Brasília vem crescendo bastante. Ainda é um nicho, mas tem muita procura, principalmente por quem busca um presente diferente ou uma forma de acolhimento emocional”, diz
A maioria dos clientes do ateliê de Márcia e Bruna são, principalmente, meninas, que ficam encantadas com os detalhes e cuidam dos bebês como se fossem de verdade. “Mas também tem muitos adultos que compram, seja por coleção, ou até como forma de terapia. É um público bem diverso, cada um com seu jeitinho de amar os bebês”, detalha Márcia.
Em entrevista ao CB.Saúde da última quinta-feira, a psicóloga perinatal do Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib) Alessandra Arrais explicou que o reborn pode ter uma função terapêutica em situações específicas. "Eles são usados, por exemplo, no tratamento de pessoas com Alzheimer e no processo de luto perinatal. Algumas mulheres têm dificuldade de expressar sentimentos, e o boneco pode ajudar nesse processo como um objeto transicional, que auxilia na simbolização da perda. O problema começa quando o reborn ocupa o lugar do bebê real", reforçou.
Foto: Ateliê encanto reborn
Por Maria Eduarda Lavocat
Fonte: @correio.braziliense
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