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Caso Dado Dolabella e o tribunal da opinião pública: os limites entre Justiça e julgamento midiático

Por @fernandatripode | O episódio envolvendo o ator Dado Dolabella (@dadodolabella) ilustra, com clareza, os riscos da condenação midiática. Sem adentrar no mérito judicial, ainda em curso e sob análise das instâncias competentes, além dos casos anteriores arquivados e extintos sem condenação por violência doméstica contra a mulher, observa-se que a imagem pública do ator foi reiteradamente associada a uma série de acusações, muitas vezes desconexas dos autos judiciais.

Na qualidade de advogada do ator e conhecedora de todos os processos já instaurados, apresento esta reflexão com base não apenas na análise teórica das garantias constitucionais, mas também na experiência prática de acompanhar de perto os equívocos e distorções que marcaram sua trajetória judicial.

Independentemente do desfecho processual, essa distorção revela que o chamado “tribunal da internet” funciona à margem da Justiça, impondo uma pena social que, em muitos casos, é irreversível. A análise crítica desse fenômeno exige a defesa de princípios constitucionais fundamentais, como a presunção de inocência e a isonomia, que têm sido fragilizados pela velocidade da informação e pelo poder das redes sociais.

Presunção de inocência

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LVII, estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Trata-se de cláusula pétrea, uma das garantias mais sólidas do Estado de Direito.

O julgamento antecipado pela mídia desvirtua esse princípio ao criar condenações sociais que persistem mesmo diante de absolvições formais. Além disso, o julgamento equivocado, ao produzir condenações desconexas da realidade processual, compromete a credibilidade do sistema de justiça e fragiliza direitos individuais.

Isonomia e tratamento igualitário

Ainda no artigo 5º, a Constituição assegura a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Esse mandamento impõe ao Judiciário, à sociedade e à mídia o dever de não atribuir rótulos ou discriminações baseados em gênero, notoriedade ou condição social.

Quando a opinião pública seleciona determinados indivíduos como “culpados em potencial”, muitas vezes em razão da fama ou de narrativas ideológicas, rompe-se o princípio da isonomia constitucional, substituindo o tratamento igualitário por julgamentos seletivos e parciais.

Os riscos do julgamento midiático

O julgamento paralelo promovido pela mídia e pelas redes sociais gera efeitos devastadores, tais como linchamento moral e ataques à honra, propagação de crimes contra a honra em escala digital, ameaças à integridade física e psicológica, além de danos emocionais e sociais, como ansiedade, isolamento e depressão. Também há prejuízos profissionais relevantes, incluindo perda de contratos, oportunidades e reputação.

O processo penal brasileiro foi estruturado para equilibrar acusação e defesa, sob a supervisão imparcial do Estado-juiz. Substituir esse espaço pela arena midiática é negar o devido processo legal e fragilizar os alicerces da Justiça.

Considerações finais

A experiência brasileira demonstra que a verdadeira Justiça só se realiza nos autos do processo, jamais nas manchetes ou nas redes sociais. O respeito à presunção de inocência e à isonomia não significa minimizar a gravidade de crimes, mas sim assegurar que todo julgamento ocorra dentro das garantias constitucionais.

Portanto, é urgente que sociedade, mídia e operadores do Direito reflitam sobre os limites éticos e jurídicos da exposição midiática. Sem isso, corremos o risco de transformar direitos fundamentais em mera formalidade e de substituir a Justiça pela opinião pública.

Fernanda Tripode (@fernandatripode) é advogada no escritório Fernanda Tripode Advocacia e Consultoria Jurídica.

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