Antes da pandemia, quando a Administração Pública vivia seu quotidiano normal, foram realizados centenas de concursos públicos para preenchimento de cargos públicos a fim de atender demandas. Muitos dos classificados, no entanto, tiveram o sonho de serem investidos em um cargo com estabilidade interrompido pela pandemia.
Além das medidas restritivas, que impuserem um distanciamento social inédito no mundo, afastando as pessoas de suas relações humanas e das atividades laborais, os governos tiveram de conter gastos públicos para enfrentar os reflexos econômicos. Dessa nova realidade resultou a criação de leis e a decretação de várias normas, entre elas a suspensão dos prazos dos concursos públicos até o fim da vigência do estado de calamidade pública.
Aquele sonho de quem se preparou, investiu tempo e dinheiro nos estudos e confiou na Administração Pública, esperando ingressar no serviço público pela porta da frente, conforme estabelecido no inciso II do artigo 37 da Constituição da República, foi adiado pelas decisões governamentais impostas pela pandemia.
Ocorre que mesmo uma pandemia dramática e cruel como a que estamos vivendo não tem abrigo constitucional para revogar leis e direitos. No curso da pandemia, as leis permanecem em vigor e continuamos a viver em um Estado democrático de Direito, que tem como um deus pilares a segurança jurídica como instrumento de garantia da dignidade dos cidadãos.
Enquanto a pandemia afeta a saúde pública e a economia, a suspensão dos concursos públicos afetou diretamente a esperança de milhares de brasileiros de mudar de vida, realizar um sonho e alcançar a tão almejada estabilidade e outros benefícios.
Como a demanda no serviço público não cessou, prefeituras e órgãos governamentais passaram a contratar funcionários através de processos seletivos temporários, transformando a exceção em regra. Essas contratações precárias devem ser realizadas excepcionalmente quando não há possibilidades de realizar um concurso público e a Administração Pública precisa atender a uma demanda pontual. O que temos visto é o escancaramento da desorganização da Administração, que vem realizando sequencialmente processos seletivos para burlar a norma constitucional.
É aí que nasce a preterição arbitrária do Estado, que deveria efetivar aqueles aprovados, mas contrata profissionais para as mesmas funções por meio de processos seletivos abusivos, convolando a expectativa do direito de nomeação e posse em direito subjetivo.
A Justiça, prudentemente, vem reconhecendo o direito a nomeação e posse dos aprovados em concursos com número de vagas definido e dos classificados em cadastro de reserva, quando verificada a preterição arbitrária, mesmo em tempos de pandemia, porque nem ela pode dar carta branca para a Administração Pública fazer da lei o que bem entender.
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Marcelo José Ortega é advogado, sócio do escritório Ortega Oliveira Gomes Sociedade de Advogados, pós-graduado em Direito Corporativo e Compliance, pós graduando em Direito Político e Eleitoral e em Direito Constitucional.
Fonte: Conjur
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