Esse entendimento foi alcançado por unanimidade pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que na tarde desta quarta-feira (26/5) definiu tese em recursos repetitivos para impor mudança radical na jurisprudência sobre o tema.
Enquanto esteve em vigor o Código de Processo Civil de 1973, o entendimento era oposto e estava explicitado na Súmula 372 do STJ: Na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de multa cominatória.
Restava às partes recorrer à busca e apreensão desse documento ou coisa, ou contar com a presunção de veracidade os fatos que se pretendia provar por meio do documento, conforme o artigo 359 daquele CPC.
O novo entendimento foi construído a partir da noção de que o processo judicial contemporâneo deve se orientar pela busca da verdade judicial, o que impõe a busca por um ponto de equilíbrio entre a presunção de veracidade dos fatos e a possibilidade de adoção de medidas indutivas coercitivas para exibição de documento ou coisa.
Assim, ainda que o parágrafo único do artigo 400 do CPC/2015 não preveja expressamente a imposição de multa cominatória, ela é possível porque trata-se de uma espécie do gênero "medidas coercitivas".
A tese fixada foi: desde que prováveis a existência da relação jurídica entre as partes e de documento ou coisa que se pretende seja exibida, apurada em contraditório prévio (artigo 398 caput), poderá o juiz, após tentativa de busca e apreensão ou outra medida coercitiva, determinar sua exibição sob pena de multa com base no artigo 400, parágrafo único do CPC/2015.
Dever de cooperar
A tese foi fixada após amplo debate sobre seu alcance. Em suma, os ministros seguiram à unanimidade o voto do relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, com os acréscimos feitos pela ministra Nancy Andrighi em voto-vista apresentado nesta quarta.A ideia é que a adoção de medidas elencadas no parágrafo único do artigo 400 do CPC/2015 decorre do dever de cooperação insculpido no artigo 6º do mesmo código, e que não pode ser afastado pela regra do artigo 379, a qual prevê apenas o direito de não produzir prova contra si em matéria penal.
Segundo a ministra Nancy Andrighi, não faz sentido que o juiz, para dobrar a renitência da parte, que é quem deveria exibir o documento ou a coisa, precise adotar uma medida coercitiva mais gravosa do que a multa periódica, pelo simples fato de não haver menção desta medida coercitiva específica no artigo 400.
"O modelo processual de 2015 confere claramente maior importância à ampla e exauriente elucidação dos fatos e busca pela verdade, objetivo que deve ser atingido mediante cooperação de todas as partes, o que torna inadmissível, à luz da boa-fé objetiva, a ocultação ou a não apresentação injustificada de documento ou coisa e, de modo geral, a própria inercia ou omissão em matéria instrutória", avaliou a ministra.
Votaram com o relator, além da ministra Nancy, os ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Luís Felipe Salomão e Raul Araújo.
Indústria da multa
A fixação da tese ainda passou por cuidadosa escolha de palavras de modo a evitar que a possibilidade de fixar multa para exibição de documentos leve à criação, nas palavras do ministro Raul Araújo, de uma "indústria da multa".Seria o caso de partes no processo pedirem obrigações impossíveis: documentos que não existem porque elas não possuem relação jurídica ou em razão do decurso do tempo e de perecimento. O ministro Raul chegou a propor que a certeza da existência do documento fosse um pressuposto para fixação da multa.
No voto-vista, a ministra Nancy apontou que isso não seria adequado porque reduziria drasticamente a eficácia e o campo de atuação desta técnica apenas às hipóteses em que a própria parte, a quem caberia a exibição de documento ou coisa, confessasse sua existência. Ela propôs a adoção de critérios com base em três critérios.
- Se for improvável a existência de relação jurídica entre as partes deverá ser indeferido o pedido de exibição de documentos.
- Se essa relação for provável, mas a existência do documento se mostrar improvável, poderá o juiz aplicar a presunção de veracidade do que se pretendia comprovar.
- Se for provável a existência de relação entre partes e também do documento ou coisa, poderá o juiz determinar sua exibição sob pena de medida coercitiva, com base no artigo 400, parágrafo único do CPC/2015.
Já o ministro Paulo de Tarso Sanseverino já havia indicado que há mecanismos de controle próprios do sistema de justiça para evitar o descontrole da imposição de multas, como o prévio requerimento na via administrativa ou a condenação do autor nas verbas sucumbenciais com base na causalidade.
A ministra Nancy Andrighi ainda apontou o desejo de que a tese fixada pela 2ª Seção contribua para a criação de uma “cultura moderna, ampla e apropriada de guarda de documentos”, especialmente porque será aplicada em inúmeros setores e segmentos da economia e da sociedade.
REsp 1.763.462
REsp 1.777.553
Por Danilo Vital
Fonte: Conjur
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