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Bloqueio Indevido: Plataforma é condenada a reativar conta e indenizar motorista por danos morais e dias parados

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O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), por meio de sua 12ª Câmara Cível, proferiu decisão reformando sentença de primeiro grau e determinando que uma plataforma de transporte individual de passageiros por aplicativo reative a conta do seu motorista parceiro, a qual havia sido bloqueada injustificadamente. A empresa também foi condenada ao pagamento de indenização por danos morais e pelos dias de afastamento do motorista (lucros cessantes).

A parte autora, representada pelo advogado Cristiano Luconi (@luconiadvogados), sustentou que a desativação foi baseada em um pseudo-apontamento criminal, já prescrito e sem oportunizar o contraditório e a ampla defesa, o que configurou abuso de direito, atingindo diretamente a função social do contrato, a dignidade humana e o livre exercício profissional do motorista. A tese ganhou a aderência dos Desembargadores, que destacaram a ilegalidade do procedimento adotado pela plataforma.

O acórdão ratifica importante jurisprudência do TJRS acerca da necessidade do devido processo legal e da função social dos contratos na era digital.

Entenda o caso

A parte autora atuava como motorista parceiro em plataforma de transporte individual de passageiros há mais de um ano, com histórico de milhares de viagens   e índice de avaliação superior a 97% por parte dos passageiros. Além disso, realizou investimentos significativos em seu veículo, visando à prestação de um serviço de melhor qualidade, seguro e eficiente. O serviço prestado era sua única fonte de renda, da qual dependia o sustento de toda a sua família.

Mesmo com histórico de desempenho positivo, a conta de motorista foi subitamente desativada, sem qualquer aviso prévio, abertura de procedimento interno ou comunicação oficial da motivação. A ausência de diálogo e a omissão de justificativas claras evidenciam uma postura unilateral, arbitrária e, notavelmente, reiterada por parte das plataformas em desfavor de seus motoristas, os quais são apresentados como “parceiros”.

Durante a tramitação processual, com o intuito de se desvencilhar de suas responsabilidades contratuais, a empresa tentou justificar o súbito bloqueio mencionando supostas reclamações antigas de passageiros. Contudo, tais alegações não foram comprovadas e sequer guardavam relação com o episódio que motivou a exclusão. A estratégia defensiva, segundo o advogado do autor, buscava unicamente macular a imagem do motorista e desviar o foco da discussão central.

Em resposta, a parte autora apresentou ao judiciário certidões negativas criminais, além de provas documentais que atestam sua conduta idônea, dedicação e comprometimento com os usuários da plataforma.

Fundamentos da decisão: Repúdio ao abuso de direito

O TJRS, ao julgar a apelação, acolheu integralmente a tese jurídica apresentada pela parte autora. O colegiado de Desembargadores salientou que a autonomia da vontade contratual, embora garantida, não se reveste de caráter absoluto, devendo respeitar os princípios da função social do contrato, da boa-fé objetiva e devido processo legal.

O colegiado considerou que restou configurado o evidente abuso de direito por parte da plataforma, haja vista que a desativação da conta do motorista parceiro se fundamentou em fato prescrito e não comprovado, sem oportunizar defesa prévia ou contraditório. A conduta empresarial do aplicativo foi classificada como arbitrária e desproporcional, em total desconformidade com os deveres básicos de lealdade e transparência exigidos nas relações contratuais.

Ao reformar a sentença de improcedência proferida em primeira instância, o TJRS determinou:

  • o restabelecimento imediato da conta da parte autora na plataforma digital;

  • o pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00;

  • o ressarcimento dos lucros cessantes correspondentes a todo o período em que a parte autora permaneceu indevidamente afastada da atividade de motorista.

O acórdão ressaltou, com clareza, que a desativação abrupta de contas em plataformas digitais, desprovida de motivação idônea e de garantia ao contraditório e ampla defesa, compromete a segurança jurídica nas relações estabelecidas no ambiente digital e contratual, além de ferir princípios constitucionais basilares atinentes ao livre exercício da profissão e à dignidade da pessoa humana, reforçando a necessidade de adequação das práticas empresariais às exigências de um Estado Democrático de Direito.

Considerações finais

A decisão do TJRS reforça a jurisprudência que vem se consolidando no país, no sentido de que as plataformas digitais não podem agir de forma unilateral e arbitrária, desconsiderando os direitos fundamentais dos motoristas, ditos “parceiros”, vinculados à sua tecnologia.

“O desfecho desse caso é crucial para a evolução e consolidação da jurisprudência, pois o princípio da liberdade contratual não é absoluto, devendo se harmonizar com princípios contemporâneos como da função social do contrato e da boa-fé objetiva: as plataformas não podem resilir contratos deliberadamente sem justo motivo e sem garantir o direito de defesa, especialmente quando afetam o sustento de um pai de família que faz investimentos significativos para prestar um serviço digno e de qualidade. A justiça precisa coibir esses abusos de direito por parte das empresas que bloqueiam e excluem contas sem explicação, como se os motoristas fossem descartáveis. Estamos tratando com seres humanos que merecem respeito”, declarou o advogado Cristiano Luconi (@luconiadvogados), especialista em contratos e responsabilidade civil, e com vasta atuação defendendo motoristas contra as arbitrariedades das plataformas de transporte de passageiros.

O caso é mais um exemplo da atuação técnica e estratégica na defesa de profissionais autônomos contra práticas lesivas e abusivas praticadas pelas grandes plataformas digitais de transporte de passageiros. A decisão representa uma conquista não apenas individual, mas simbólica para a categoria de motoristas de aplicativo, reafirmando o respeito a sua dignidade e o livre exercício da profissão. Também sinaliza aos juízes de primeira instância a importância de aplicar corretamente os princípios contratuais contemporâneos, evitando interpretações conservadoras que favorecem desequilíbrios estruturais nas relações cíveis.

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