O colegiado também decidiu manter o afastamento do magistrado, que permanece fora de suas funções há mais de um ano por determinação do próprio CNJ.
O caso
Durante julgamento na 12ª câmara Cível do TJ/PR, o desembargador Luís César de Paula Espíndola, que já foi condenado pela lei Maria da Penha, causou polêmica ao comentar um caso de medida protetiva envolvendo uma menina de 12 anos que relatou ter sido assediada por um professor. O magistrado criticou o "discurso feminista" e afirmou que "as mulheres estão loucas atrás dos homens".
"Se Vossa Excelência sair na rua hoje, quem está assediando, quem está correndo atrás de homens são as mulheres, porque não tem homem. Hoje em dia, o que existe é que as mulheres estão loucas atrás dos homens, porque são muito poucos. A mulherada está louca atrás de homem", afirmou.
O magistrado já foi condenado em março de 2023, pelo STJ, por agressão à irmã, mas a Corte permitiu a volta dele ao cargo. Ele também já foi absolvido de denúncia por lesão corporal contra uma dona de casa, sua vizinha, após a vítima e as testemunhas não comparecerem a depoimento.
Veja a cena:
Sustentação oral
Durante a sustentação oral em nome da OAB/PR, o advogado Luiz Fernando Casagrande Pereira defendeu a abertura de processo administrativo disciplinar e a manutenção do afastamento do desembargador Luís César de Paula Espíndola, do TJ/PR, acusado de condutas misóginas e assediadoras no exercício da função.
O advogado afirmou que o caso representa "uma desonra", destacando que o magistrado teria minimizado um episódio de assédio contra uma menina de 12 anos em julgamento e feito declarações ofensivas a mulheres. Casagrande afirmou que o desembargador desrespeitava o protocolo de julgamento com perspectiva de gênero, adotando "seu próprio protocolo, com perspectiva de assediador".
Segundo o representante da OAB, servidoras e ex-assessoras relataram ao CNJ situações de assédio, importunação sexual e uso irregular de funcionárias do gabinete como empregadas domésticas e cuidadoras da mãe do magistrado.
O advogado relatou ainda que havia um "protocolo de sobrevivência" entre as servidoras, que evitavam ficar sozinhas com o desembargador e que várias delas entraram em tratamento psiquiátrico.
Casagrande afirmou que os depoimentos demonstram um padrão de comportamento conhecido "a boca pequena" dentro do tribunal e criticou o sistema de acolhimento de denúncias. "Falhamos nós do sistema de Justiça", disse, pedindo que o caso sirva para aperfeiçoar a proteção institucional das vítimas.
Por fim, o advogado reiterou o pedido de afastamento cautelar e remoção do magistrado da 12ª câmara do TJ/PR, argumentando que sua permanência, mesmo sem atuação jurisdicional, representa risco às servidoras. "Caro é tê-lo julgando no TJ/PR", concluiu.
Assista trecho da sustentação:
Voto do relator
Em seu voto, o conselheiro Mauro Campbell Marques, relator do caso, propôs a instauração de processo administrativo disciplinar contra o desembargador Luís César de Paula Espíndola, do TJ/PR, e a manutenção do seu afastamento cautelar.
O relator destacou que os fatos apurados revelam um padrão de comportamento reiterado, misógino e abusivo, incompatível com o exercício da magistratura.
Segundo Campbell, as manifestações públicas do desembargador durante julgamentos, incluindo falas discriminatórias sobre mulheres e críticas ao protocolo de gênero, somadas aos depoimentos de servidoras que relataram assédio moral e sexual sistemático, evidenciam conduta que viola os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade de gênero e da moralidade administrativa.
Campbell ressaltou que a apuração deve ocorrer de forma conjunta e integrada, para permitir a compreensão completa da gravidade e da reiteração das condutas, e defendeu o sigilo da identidade das vítimas, em respeito às normas constitucionais e à política de prevenção ao assédio no Poder Judiciário.
O conselheiro ainda mencionou o histórico de violência doméstica do magistrado, incluindo uma condenação por agressão à mãe e à irmã, como indicativo de um padrão de comportamento que extrapola o âmbito pessoal e compromete a credibilidade da função judicial.
Concluiu que a permanência do desembargador no cargo representaria risco concreto à integridade de servidoras e à confiança pública no Judiciário, determinando, portanto, a abertura do processo disciplinar e a manutenção do afastamento do magistrado até a conclusão das investigações.
Acompanhamento
Em seu voto, a conselheira Renata Gil acompanhou integralmente o relator Mauro Campbell, reforçando a necessidade de abertura do processo disciplinar e de manutenção do afastamento do desembargador Luís César de Paula Espíndola.
Como presidente do Comitê de Combate ao Assédio e da pauta de gênero do CNJ, Renata Gil destacou que o caso evidencia falhas estruturais no sistema de acolhimento de vítimas dentro do Judiciário.
A conselheira classificou as denúncias como "tristes e alarmantes", apontando que o TJ/PR deveria ter atuado com maior rigor e acompanhamento desde o início das ocorrências.
Ela ressaltou que as apurações revelaram a existência de um "protocolo de sobrevivência" entre as servidoras, que se organizavam para evitar contato direto com o magistrado, o que demonstra o ambiente de medo e vulnerabilidade no gabinete.
Renata Gil defendeu que o CNJ e as corregedorias locais intensifiquem a fiscalização da aplicação do protocolo de julgamento com perspectiva de gênero, e anunciou que acompanhará pessoalmente o andamento do caso e o acolhimento das vítimas.
"Juízes erram"
Durante o julgamento, o presidente do CNJ, ministro Edson Fachin, destacou que o caso demonstra a importância da responsabilização individual de magistrados, sem prejuízo à preservação das instituições democráticas.
Fachin afirmou que juízes erram e devem ser responsabilizados, assim como legisladores e gestores públicos, mas ressaltou que "as instituições são fundamentais para o Estado de Direito".
Afirmou, ainda, que havia indícios suficientes de materialidade e autoria para a abertura do processo disciplinar e a manutenção do afastamento cautelar do desembargador.
Por fim, ressaltou que ministro observou que o julgamento serve como exemplo de aprendizado institucional, defendendo que o Poder Judiciário deve "fazer cada vez melhor e errar menos".
- Processo: 0003915-47.2024.2.00.0000
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