A (i)legalidade da revista pessoal feita por agentes de segurança privada – Por Jairo Lima

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bit.ly/2KNc8C4 | Esta semana resolvi trazer um tema extremamente relevante, amparado em recente decisão do STJ: a busca pessoal e a possibilidade (ou não) de ser realizada por agentes de segurança privada.

A busca pessoal é o ato de procurar, no corpo de indivíduo suspeito do cometimento de alguma infração penal, elementos que comprovem os indícios observados.

De bom alvitre lembrar que a busca pessoal, constitui, via de regra, violação à privacidade e à intimidade da pessoa, protegidas pelo art. 5°, X da Constituição Federal, sendo vedado pelo nosso ordenamento jurídico, à exceção de quando há permissão da própria pessoa ou nos casos previsto em lei.

O tema é tratado no CPP, no artigo 240 em diante:

"Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.

§ 2º Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior.

Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.

Pela leitura dos supracitados dispositivos, percebe-se que, ao contrário da busca e apreensão domiciliar, a busca pessoal independe de mandado judicial, e pode ser realizada a qualquer tempo.

Desse modo, a busca pessoal fica autorizada sempre que houver fundada suspeita de que um indivíduo oculte consigo armas e munições ou objetos tais como coisas achadas ou obtidas por meios criminosos, instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos, cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato, entre outras hipóteses previstas em lei.

Entretanto, fica a indagação: qualquer pessoa poderá proceder à busca pessoal em detrimento de outrem?

Para responder ao questionamento, vale recorrer à Carta Magna.

A Constituição Federal prescreve no capítulo da segurança pública:

"Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: 

I – polícia federal;

II – polícia rodoviária federal;

III – polícia ferroviária federal;

IV – polícias civis;

V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.

Pois bem, por tratar-se de atividade que relativiza direitos individuais, sob o pretexto de salvaguardar a incolumidade pública, a busca pessoal, só poderá ser realizada por agentes públicos. Não qualquer agente, mas tão somente autoridades judiciais e aqueles pertencentes aos órgãos previstos no artigo 144 da CF.

Com o advento da Lei Federal 13.022/14 acreditamos que a Guarda Municipal também poderá realizar a busca pessoal.

Agentes de segurança privada não poderão realizar a revista pessoal
Assim, forçoso concluir que agentes de segurança privada não poderão realizar a revista pessoal.

Sobre o tema, Rômulo Gabriel Moraes Lunelli ensina:

"Pelo que podemos observar, o CPP consagra que a busca pessoal involuntária somente será permitida quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos oriundos de crime/infração ou necessários a instrução de processo penal. Outro aspecto importante, é que o referido diploma prevê tanto a busca pessoal quando a busca domiciliar involuntárias como ações exclusivamente estatais, a serem realizadas através das autoridades judiciárias ou policiais. E as forças policiais são unicamente aquelas que constam do art. 144 da Constituição Federal (RÔMULO GABRIEL MORAES LUNELLI, publicado aqui).

Noutro giro, a 5° Turma do STJ decidiu, acompanhando voto do relator, ministro Joel Ilan Paciornik, que somente as autoridades judiciais e policiais e os seus agentes estão autorizados a fazer busca domiciliar ou pessoal.

"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. DESCABIMENTO. TRÁFICO DE  DROGAS. ILICITUDE DA PROVA. REVISTA PESSOAL REALIZADA NO AGENTE POR INTEGRANTES DA SEGURANÇA PRIVADA DA COMPANHIA PAULISTA DE TRENS METROPOLITANOS –  CPTM. IMPOSSIBILIDADE. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. (…). 2. Discute-se nos autos a validade da revista pessoal realizada por agente   de segurança privada da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos – CPTM. 3. Segundo a Constituição Federal – CF e o Código de Processo Penal –  CPP somente as autoridades judiciais, policiais ou seus agentes, estão autorizados a realizarem a busca domiciliar ou pessoal. 4. Habeas corpus  não conhecido.  Todavia, concedida a ordem, de ofício, para absolver o paciente, com fulcro no art. 386, inciso II, do CPP. (STJ. QUINTA TURMA. HC 470937 / SP HABEAS CORPUS 2018/0250223-0. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK. DJe 17/06/2019).

Embora se saiba que, atualmente, com a impossibilidade de o Estado garantir a segurança a todos, a segurança privada tem ganhado força. Nessa esteira, é perfeitamente possível ao particular contratar segurança privada pessoal ou para estabelecimento comercial ou industrial. Tal agente irá atuar no âmbito do direito privado, não podendo confundi-lo com os agentes de segurança pública que compõem um dos órgãos previsto no artigo 144 da CF.

O agente privado contratado para prestar segurança a pessoas ou estabelecimentos comerciais pode, visando evitar a pratica delituosa, atuar para defender a vida ou a incolumidade de terceiros, entretanto, tal conduta deve se subsumir ao art. 25 do Código Penal (legitima defesa).

O TST também reconhece a possibilidade da revista ou busca pessoal no ambiente de trabalho desde que não haja abuso pelo empregador e exista previsão em convenção ou acordo coletivo.

As empresas de segurança privada atuam no âmbito do direito privado e exercem poderes privados. Daí que os poderes de defesa podem exercer são apenas aqueles tolerados pelo direito privado e que têm o seu uso da força no contexto de legítima defesa e de flagrante delito.

Isso significa que os atos praticados no âmbito da segurança privada são atos privados, que apenas podem envolver o manejo dos poderes a todos reconhecidos para fins de autodefesa e para afastar dano iminente. Os atos praticados devem, assim, observar os limites previstos na lei para o afastamento da ilicitude dos atos praticados em legítima defesa (Maria Sylvia Zanella di Pietro, Revista dos Tribunais, págs. 353/355).

Desse modo, conforme entendimento destacado pela 5° Turma do STJ, com o reconhecimento da ilicitude da revista pessoal e de todas as provas decorrentes desta, o agente deve ser absolvido com fulcro no inciso II do art. 386 do CPP. Forçoso reconhecer a nulidade das provas obtidos por meio da busca pessoal realizada por agentes de empresa privada ou, ainda, sem obedecer aos preceitos legais insculpidos no artigo 240 e seguintes do CPP.
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REFERÊNCIAS

LUNELLI, Rômulo Gabriel M.. A busca pessoal (revista) feita por agente de segurança privada. Análise dos aspectos jurídicos pertinentes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3629, 8 jun. 2013. Disponível aqui. Acesso em: 9 ago. 2019.
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Jairo Lima
Advogado Criminalista e Membro do Núcleo de Advocacia Criminal.
WhatsApp: (89) 9.9442.4066.
Fonte: Canal Ciências Criminais

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