Da extinção do processo sem julgamento de mérito – Por Reis Friede e Adriano França

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bit.ly/39XVbka | Como se sabe, em regra, o processo de conhecimento termina com decisão de caráter definitivo e, por via de consequência, com o julgamento do mérito da questão controvertida levada ao conhecimento do julgador. Por absoluta imposição da legislação em vigor, no entanto, o magistrado, em certas ocasiões, é obrigado a proferir decisão de caráter simplesmente terminativo sem resolução do mérito em, pelo menos, três diferentes momentos: logo na primeira decisão após a propositura da ação, após o decurso do prazo concedido para emenda ou complementação da inicial ou após a citação do réu. Isto independentemente da vontade pessoal do magistrado em prosseguir com o processo até a sentença meritória.

Para além disso, e ainda mais importante, pode-se identificar que não só existem esses três diferentes momentos para a extinção do processo sem julgamento do mérito, como ainda várias são as hipóteses legais – tratadas de forma mais abrangente no novo Código de Processo Civil (CPC/15) em comparação ao antigo - que obrigam o julgador a extinguir o processo sem a apreciação normal do libelo.

Com efeito, o CPC/15 mantém sistemática semelhante à prevista no código de processo anterior, de 1973 (CPC/73), quanto ao momento de extinção do processo, embora haja algumas peculiaridades. O artigo 485 do CPC/15 segue a mesma lógica do antigo 267 do CPC/73 ao elencar as hipóteses de extinção sem resolução do mérito em seus diversos incisos, iniciando especialmente pela hipótese de indeferimento da inicial, no inciso primeiro, em correspondência com os artigos 319, 320, 106 parágrafo 1º e 801, todos do CPC/15, que apresentam, em última análise, o elenco de todos os requisitos que devem, obrigatoriamente, ser cumpridos e atendidos pelo demandante, quando do ajuizamento de sua pretensão.

Ademais, vale ressaltar que o novo código adjetivo traz normas que robustecem o princípio do contraditório e adotam um processo cooperativo, como se extrai do dispositivo encetado no artigo 10 do CPC/15, que determina que o “juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.

De qualquer forma, resta patente que existem ausências de requisitos (ou, como preferem alguns autores, defeitos substanciais e não-substanciais) superáveis (através da oportunidade do artigo 321 do CPC) e insuperáveis (que, por efeito, exigem a imediata extinção do processo, sem resolução do mérito), como se observa claramente, em regra geral, na jurisprudência pacífica a respeito e, particularmente, através da interpretação, pelo argumento racional a contrario sensu, como já havia sido consagrado durante a vigência do CPC/73.

Também, é de se salientar que o dispositivo registrado no artigo 321 do CPC se encontra irremediavelmente limitado ao momento próprio da denominada primeira fase de saneamento — portanto, anterior ao chamado despacho liminar positivo —, sendo, com efeito, absolutamente vedado ao julgador a aplicação da regra de correção da inicial, mediante emenda da peça inaugural, após a efetivação da citação, ainda que o magistrado identifique a ausência de requisito essencial ou indispensável ou, ainda, outros requisitos insuperáveis na exordial despachada.

Ressalte-se que, embora a doutrina e a jurisprudência sejam, em princípio, vacilantes, não há mais razões para se falar em indeferimento da inicial ou de emenda à inicial após a citação, mas sim em inviabilidade do processo, considerando não só a persistência da efetiva inexistência de um dos requisitos processuais básicos de validade, ou seja, a regularidade formal, que inclui o exame e/ou reexame dos requisitos da petição inicial, expressamente previstos nos artigos 319, 320, 801, 106 I, todos do CPC/15, como ainda a própria impossibilidade de ocorrência do denominado efeito preclusivo em matéria desta natureza, como de longa data a jurisprudência vinha reconhecendo.

Nesse contexto, se o autor não indicar na inicial os meios de prova que pretende utilizar, deverá o magistrado indeferir incontinente a inicial em razão da inépcia, sem sequer haver intimação da parte para se manifestar sobre tal vício, pois o vício decorre exclusivamente do enquadramento jurídico e não do substrato fático das alegações autorais, como visto acima. Em contrapartida, se os indispensáveis à propositura da ação (art. 320 do CPC/15) não constarem da exordial, o autor deve ser intimado para apresentá-los no prazo de 15 dias (art. 321 do CPC/15).

Contudo, após a citação, não há que se falar em concessão de oportunidade para que a parte autora apresente os documentos indispensáveis à propositura da ação. De fato, não há previsão de nova oportunidade à parte para correção de irregularidade ou defeito sanável em geral, ou seja, cabe a extinção sem resolução do mérito do processo, logo após a resposta do réu, mesmo em se tratando de vícios sanáveis, como o atendimento dos pressupostos processuais, das condições sanáveis da ação, genéricas ou específicas e, especialmente em relação ao tema ora analisado, a apresentação dos documentos indispensáveis à propositura da ação.

A impossibilidade de concessão de prazo para juntada de documentos indispensáveis à propositura da ação restou sedimentada no CPC/73 e aplica-se in tantum ao novo código. Isto é: os requisitos previstos nos artigos 319 VI e 320, ambos do CPC/15, devem ser apresentados nos respectivos marcos temporais. Não cabe fazer nova juntada de documentos após o escoamento do prazo para complemento da inicial, como há muito a doutrina mais abalizada tem sustentado.

Em manifestações anteriores sobre esse tema e ainda sob a égide do CPC/73, já tivemos oportunidade de salientar que a redação do art. 397 do CPC/73 (atual 435 caput do CPC/15) poderia gerar controvérsia sobre a possibilidade de que a parte autora juntasse outras provas documentais – que não as indispensáveis à propositura da ação – após a contestação do réu.

O referido artigo deixava brecha para que, após o oferecimento da peça de contestação (ou outra modalidade de resposta), as partes pudessem juntar aos autos novos documentos probatórios, que não os indispensáveis à propositura da ação e que não foram juntados tempestivamente na inicial e nem na oportunidade do artigo 284 do CPC/73 – atual 321 do CPC/15. Isto gerou posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais vacilantes, na vigência do Código Buzaid de 73, sobre como deveria proceder o julgador, na qualidade de Presidente do Processo à luz da interpretação sistêmica dos diversos dispositivos processuais; se deveria extinguir, in limine, o processo sem resolução do mérito; ou se deveria permitir uma nova oportunidade de correção e cumprimento do requisito faltante pela parte autora, não com base no art. 284 do CPC/73, mas com base no referido art. 397 do mesmo códex.

O próprio professor J. J. Calmon de Passos defendeu a absoluta imperatividade na produção da prova documental, pelo autor, no momento do ajuizamento da petição inicial e a consequente preclusão deste direito após a contestação, ocasião em que, não satisfeitos os requisitos, deveria ser extinto o processo sem julgamento do mérito.

No entanto, tal controvérsia não tem mais razão de ser, por uma evolução doutrinária ainda sob a égide do CPC/73, que seguiu as bem fundadas razões de Calmon de Passos. A doutrina, de forma amplamente majoritária e sob a ótica do processo como uma marcha para o futuro, firmou o entendimento de que a “prova nova” mencionada no referido artigo correspondia àquela concernente a fatos ocorridos posteriormente aos articulados das partes, ou seja, momento em que deveriam desincumbir-se dos seus respectivos ônus probatórios. Isto, inclusive, reverberou na redação dos artigos 434, 435 e 437 do atual códex, que, interpretados sistematicamente com os demais dispositivos, permite a clara identificação da imperatividade dos marcos preclusivos na produção de provas documentais, principalmente em razão da redação do art. 435, parágrafo único, do CPC/15.

Conforme se depreende do texto supra, o parágrafo único do art. 435 do novel códex foi além e explicitou a admissão extemporânea não só dos documentos sobre fatos ocorridos após os articulados das partes, mas também dos documentos formados, conhecidos, acessíveis ou disponíveis após os referidos articulados, independentemente se os fatos a que se destinam provar ocorreram antes ou depois dos mesmos articulados. Ao mesmo tempo, o referido dispositivo explicita a excepcionalidade de tal admissão e reforça a obrigação de as partes trazerem aos autos os documentos probatórios que disponham no primeiro momento que lhes cabe falar nos autos. O referido art. 435 também ressalta que deve ser observada a boa-fé da parte, sempre. Trata, assim, de verdadeira exceção na atividade probatória e que não faz distinção sobre o tipo de documento a ser juntado. Seja ele indispensável à propositura, seja ele relevante para a vitória da parte, poderá ser admitido no processo, quando incidir a situação excepcional do art. 435 caput e parágrafo único do CPC/15.

Isso quer dizer que a parte autora deve indicar os meios de prova, inclusive o documental, na inicial, assim como deve, neste mesmo momento, juntar os documentos indispensáveis à propositura da ação. Caso não atenda à indicação, o juiz pode indeferir de imediato a petição inicial. Caso não atenda ao ônus de juntar os documentos indispensáveis à propositura, o juiz deve conceder prazo para que a parte o faça. Não o fazendo, o juiz deve extinguir in limine o processo sem resolução do mérito. Se, por outro lado, o juiz não observar, por equívoco, tal regra e determinar a citação, caso verifique tais vícios posteriormente, deverá extinguir o processo sem resolução do mérito por inviabilidade do processo. Contudo, se entre a citação e a sentença a parte trouxer documento sobre prova nova ou documento novo, o juiz deverá observar o procedimento dos arts. 436 e 437 do CPC e poderá admitir tais documentos no processo.

Deve-se ressaltar que o código traz uma situação peculiar ao tratar da formulação de questões de fato no momento da fase recursal, quando a parte demonstrar que não pôde deduzi-las antes por motivo de força maior (art. 1.014 do CPC); consequentemente, extrai-se que a parte, em tese, pode fazer juntada de prova documental nesta fase. Ocorre que tal previsão é de convencionalidade duvidosa, pois aparentemente em descompasso com o art. 8º h do Pacto de São José da Costa Rica, o qual trata do duplo grau de jurisdição. Além disto, a apresentação de documentos nesta fase não se refere à demanda formulada na inicial, mas a uma nova demanda conexa, eis que recai sobre fatos novos – leia-se, causa de pedir nova. Por isto, não seria propriamente uma exceção ao previsto no art. 434 do CPC.

Além disso, há outras circunstâncias que importam em exceção quanto ao momento de apresentação de documentos, além do documento de prova nova ou do documento novo constante do art. 435 e parágrafo único do CPC, porém elas, na verdade, importam em alteração do onus probandi. São elas: (i) a inversão por decisão judicial (ope judicis) do ônus probatório, lastreada na carga dinâmica do ônus probatório, tratada de forma genérica no art. 373 §1º do CPC e especialmente em outros diplomas normativos, como o art. 6º VIII do CDC; (ii) quando a prova documental se encontrar em repartições e for necessário requisitá-la na forma do art. 438 do CPC/15 – com o que mesmo após o prazo concedido na forma do art. 321 do CPC/15, o juiz pode determinar a requisição de tais documentos ao poder público; (ii) quando o documento estiver em poder da parte adversária ou de terceiros, caso em que o juiz poderá determinar a sua exibição em juízo, conforme art. 396 e seguintes do CPC/15.

Ressalte-se ainda que, diferentemente do que ocorre com o autor, a não apresentação de documentos no momento da resposta pelo réu não importa, em regra, em extinção sem resolução do mérito, mas apenas em preclusão de sua oportunidade de provar suas defesas processuais e de mérito, salvo no caso de reconvenção ou ação contraposta, que possuem a natureza de demanda incidental do réu em face do autor.

Em suma, o autor deverá informar os meios de prova de que pretende se valer na inicial (art. 319 IV do CPC/15), sob pena de sentença de extinção sem resolução do mérito, por indeferimento da inicial em razão da inépcia, sem sequer haver intimação da parte para se manifestar sobre tal vício, pois o vício decorre exclusivamente do enquadramento jurídico e não do substrato fático das alegações autorais (Enunciado 01 da ENFAM). Também devem constar da inicial os documentos indispensáveis à propositura da ação (art. 320 do CPC/15). Porém, caso não constem tais documentos da exordial, o autor terá uma última chance, devendo apresentá-los no prazo para emenda ou complemento da inicial (15 dias, nos termos do art. 321 do CPC/15), sob pena de sentença de extinção sem julgamento do mérito por inviabilidade do processo.

No entanto, ocorrendo os casos excepcionais do art. 435 do CPC e ainda não extinto o processo em razão dos vícios acima mencionados, os documentos poderão ser apresentados até a sentença, no primeiro grau, eis que, embora não haja a estipulação de um prazo no CPC/15 para tal apresentação, é a decisão definitiva o marco que põe fim à atividade cognitiva-jurisdicional do magistrado. Em consequência, enquanto não proferida a sentença, o juiz, apenas no caso excepcional de documento sobre prova nova e documento novo - sempre com observância da boa-fé - deverá, primeiramente, converter o feito em diligência e submeter o elemento de prova ao contraditório, mediante a oitiva das demais partes, no prazo prorrogável de 15 dias, conforme art. 437 parágrafo 1º do CPC/15 –, e, então, apreciar a sua admissão e valorá-la no momento da sentença.

Como se pode notar, a sistematização dos marcos preclusivos para a produção de prova documental e da consequência legalmente prevista para o caso de descumprimento de tais marcos (extinção do processo sem resolução do mérito) contribui para que as partes tenham especial atenção quanto ao ônus probatório e assim evitem reveses inesperados. Por outro lado, tal sistematização também contribui para o enfrentamento de uma preocupante e efetiva ausência de rigoroso saneamento dos processos (nas suas respectivas fases), por parte de parcela significativa dos magistrados, conduzindo, em última análise, a uma situação não só de virtual dificuldade processual-administrativa, como ainda, em alguns casos, de própria inviabilidade eficiente da prestação jurisdicional.

*Texto atualizado no dia 11/12 para correção.
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Reis Friede é desembargador do TRF-2, doutor e mestre em Direito e diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF).
Adriano França é juiz federal na Seção Judiciária do Rio de Janeiro, mestre em Direito Público pela UERJ, graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRJ.
Fonte: Conjur

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