A prisão domiciliar de Queiroz e a seletividade penal

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bit.ly/32rf7dN | A Constituição Federal dispõe que a prisão antes da condenação transitada em julgado é exceção à regra, e não o contrário, seja para mim, meu amigo, meu inimigo ou adversário político. Eu goste ou não.

No dia 9 de julho de 2020 o Ministro João Otávio de Noronha, do STJ, concedeu de ofício prisão domiciliar a Fabrício Queiroz e a sua esposa, Márcia Oliveira Aguiar, que são alvos de investigação sobre o esquema das “Rachadinhas” na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (HC nº 594360), tal decisão gerou muita repercussão. Vejamos.

A prisão domiciliar concedida traz dois pontos passíveis de discussão, primeiro, se trata acerca da possibilidade de prisão domiciliar para pessoas foragidas, quanto a isso a lei não prevê qualquer restrição, inclusive por se tratar de prisão preventiva o Ministro poderia muito bem conceder liberdade provisória aos pacientes.

No entanto, a decisão do Ministro não avaliou os fundamentos da prisão preventiva e da prisão domiciliar previstos no Código de Processo Penal e sim a Recomendação do CNJ n. 62/2020 que sugere aos magistrados e tribunais “máxima excepcionalidade de novas ordens de prisão preventiva, observado o protocolo das autoridades sanitárias”.

Tal recomendação leva em consideração a situação da pandemia e visa evitar a propagação dela com adoção de medidas preventivas, dentre elas, a “reavaliação das prisões preventivas de pessoas idosas, que se enquadrem nos grupos de riscos, que estejam presas em estabelecimentos com a ocupação superior à capacidade, prisões preventivas que excederam o prazo de 90 dias ou que estejam relacionadas a crimes praticados sem violência ou grave ameaça (CNJ n. 62/2020)”.

Portanto, o Ministro não agiu de forma equivocada, a recomendação do CNJ sugere de fato que as prisões preventivas sejam revistas por conta da pandemia e tendo em vista o mandamento constitucional da excepcionalidade da prisão, decidiu de maneira acertada.

No entanto, o segundo ponto, que com certeza merece foco, se trata da questão da concessão de ofício, ou seja, os pacientes não pediram a prisão domiciliar e mesmo assim fora concedida, a prisão domiciliar ao paciente Fabrício Queiroz por ser do grupo de risco (neoplasia maligna), e para sua esposa por ser sua companheira. O Ministro teve a “sensibilidade” em conceder a ela a prisão domiciliar visto que “sua presença ao lado dele é recomendável para lhe dispensar as atenções necessárias, visto que, enquanto estiver sob prisão domiciliar”.

Observa-se que não só teve a sensibilidade de deixar a esposa em prisão domiciliar para ajudá-lo como também permitiu a entrada na residência de familiares próximos.

Pois bem, está errado o Ministro? Ter um pouco de sensibilidade e conceder domiciliar simplesmente por ser companheira do outro paciente que tem neoplasia maligna? Partimos do pressuposto que a liberdade é a regra, assim fez bem o Ministro.

No entanto, segundo matéria pulicada no jornal “O Globo” em 14 de julho, de André de Souza, somente no STF, o argumento que “soltou” Queiroz foi rejeitado em pelo menos em 84% dos habeas corpus julgados durante a pandemia.

A seletividade do judiciário é o que causa grande revolta, como diz o Dr. Fabiano Lopes, definitivamente uma máquina de moer pobres, visto que a grande massa carcerária está longe de ser vista com tamanha sensibilidade. Enquanto milhares de pedidos de prisão domiciliar são negados em todo Brasil, ainda que se comprove doenças graves como hepatite C, diabetes, hipertensão arterial, sequela de tuberculose pulmonar, câncer, HIV…

No entanto, tal decisão abre um precedente para que outras pessoas usufruam do mesmo “benefício”, nesse sentido, foi impetrado um HC coletivo (n. 596189) em favor de todas as pessoas presas preventivamente pertencentes ao grupo de risco decorrente da pandemia de COVID-19, que será julgado pelo mesmo Ministro nos próximos dias.

Será que o Ministro vai ter a mesma sensibilidade com o restante do grupo de risco e suas companheiras presas? O Ministro tem duas opções salvar apenas “os seus”, a classe média/alta branca como fez no caso do Fabrício Queiroz e esposa, ou ser responsável pelas próximas mortes, como a do caso Lucas Morais, um jovem negro de 28 anos, que estava preso por portar menos de 10g de maconha e morreu no dia 04 de julho, vítima do Coronavírus no interior de Minas Gerais.

Vamos poder contar com a sensibilidade do Ministro como no caso Queiroz? Cenas que aguardaremos ansiosamente nos próximos capítulos da novela da justiça brasileira.
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Por Felipe G. Geitens e Tamara M. da Silva
Fonte: Canal Ciências Criminais

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