As Prerrogativas da Advocacia e as alterações da Lei nº 14.365/2022

prerrogativas advocacia alteracoes lei 14 365
Via @consultor_juridico | Entrou em vigor, na última sexta-feira (3/6), a Lei nº 14.365, que alterou o Estatuto da Advocacia e os Códigos de Processo Civil e Penal "para incluir disposições sobre a atividade privativa de advogado, a fiscalização, a competência, as prerrogativas, as sociedades de advogados, o advogado associado, os honorários advocatícios, os limites de impedimentos ao exercício da advocacia e a suspensão de prazo no processo penal".

Dentre as diversas alterações promovidas, o presente estudo se debruçará sobre algumas sancionadas e outras que, a despeito da aprovação pelo Congresso, foram objeto de veto pelo presidente da República.

De início, observa-se a inclusão do artigo 798-A no Código de Processo Penal para que seja suspenso "o curso do prazo processual nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, inclusive".

Para aqueles que não militam na seara criminal, é importante registrar que, no processo penal, desde a entrada em vigor do atual Código de Processo Civil, o período de Festas de fim de ano sempre foi momento de insegurança e confusão em razão dos normativos editados em cada Tribunal que nunca foram convergentes e uniformes.

Havia Corte que aplicava o recesso do Processo Civil aos feitos penais, enquanto outras não, gerando insegurança na contagem de prazos, na realização de atos processuais etc.

Ainda que, agora, haja expressa disposição legal suspendo os prazos processuais, o legislador, acertadamente, ressalvou algumas exceções, tendo em vista que o Direito Penal cuida de uma das garantias constitucionais mais fundamentais: a liberdade.

Nesse contexto, as hipóteses excepcionais de não suspensão estão elencadas em rol taxativo: 1) casos em que há réu preso, "nos processos vinculados a essas prisões"; 2) procedimentos regidos pela Lei Maria da Penha; e 3) nas medidas urgentes, desde que devidamente fundamentadas.

Equilibrada e adequada, portanto, a opção legislativa.

Outra alteração promovida pela Lei nº 14.365 diz respeito a um proceder — cada vez mais corriqueiro — adotado, principalmente, nos Tribunais Superiores: o de tolher a apreciação de processos pelo colegiado competente mediante decisão monocrática que julga o mérito.

Via de regra, agravo regimental não comportava sustentação oral — por força de previsões regimentais, conforme, por exemplo, o artigo 131, § 2º do Supremo Tribunal Federal[1] e o artigo 159, IV do Superior Tribunal de Justiça[2] —, razão pela qual foi incluído, no artigo 7º da Lei nº 8.906/1994 (dos direitos do Advogado) o § 2º-B, concedendo ao causídico a possibilidade de ocupar a tribuna, in verbis:

§ 2º-B. Poderá o advogado realizar a sustentação oral no recurso interposto contra a decisão monocrática de relator que julgar o mérito ou não conhecer dos seguintes recursos ou ações:

I - recurso de apelação;

II - recurso ordinário;

III - recurso especial;

IV - recurso extraordinário;

V - embargos de divergência;

VI - ação rescisória, mandado de segurança, reclamação, habeas corpus e outras ações de competência originária.

Registre-se que, há alguns anos, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal começou a admitir a possibilidade de sustentação oral em agravo regimental, conforme registrado no Informativo nº 937, de abril de 2019.

Preliminarmente, a Turma acolheu a postulação da defesa, apresentada do púlpito, para que fosse autorizada a realização de sustentação oral no julgamento do presente agravo interno. Com base em interpretação constitucional do Código de Processo Civil (CPC), a maioria dos ministros considerou que a previsão do artigo 937, § 3º (1), do CPC, também se aplica ao habeas corpus, por se tratar de um pedido de writ tal qual o mandado de segurança. Esse dispositivo prevê o cabimento de sustentação oral no agravo interno interposto contra decisão de relator que extinga ação rescisória, mandado de segurança e reclamação. [3]

Tal entendimento, contudo, jamais encontrou guarida na Primeira Turma da Suprema Corte, tampouco ressoou no Superior Tribunal de Justiça.

Agora, todavia, trata-se de expressa disposição aposta em legislação federal, razão pela qual deverão os Tribunais brasileiros alterar seus regimentos internos para facultar ao Advogado a sustentação oral.

No ensejo da novel possibilidade de sustentação oral em agravos regimentais, o Congresso Nacional aprovou a inclusão do § 2º-A ao artigo 7º da Lei nº 8.906/1994:

§ 2º-A. Incluídos no plenário virtual o julgamento dos recursos e das ações originárias, sempre que a parte requerer a sustentação oral em tempo real ao julgamento, o processo será remetido para a sessão presencial ou telepresencial.

Contraditoriamente com a faculdade de sustentação oral em sede de agravo regimental, contudo, o Presidente da República opôs veto nos seguintes termos:

Entretanto, a despeito da boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público, pois vislumbra-se risco à celeridade no trâmite dos processos judiciais, uma vez que se opõe ao avanço recente de novas modalidades síncronas e assíncronas de prestação do serviço jurisdicional, que apresentaram incremento de eficiência, celeridade e digitalização do Poder Judiciário.

Cumpre registrar que a sistemática de julgamento virtual não traz prejuízo às partes nem ao devido processo legal e à ampla defesa, mas sim à celeridade ao julgamento. Existem, inclusive, exemplos práticos que estabelecem que os representantes das partes e os demais habilitados nos autos podem encaminhar as suas sustentações orais por meio eletrônico após a publicação da pauta em até quarenta e oito horas antes de iniciado o julgamento virtual.

Devemos discordar, com todo o respeito, das razões do veto.

Ao contrário do que leva a crer a mensagem, a possibilidade de se retirar do julgamento virtual para que seja produzida sustentação oral em tempo real ocorrerá tão-somente se a parte o requerer, e não indiscriminadamente em todos os processos.

Ou seja, não se trata de regra, mas, sim, de exceção, o que, de modo algum, revela oposição "ao avanço recente de novas modalidades síncronas e assíncronas de prestação do serviço jurisdicional, que apresentaram incremento de eficiência, celeridade e digitalização do Poder Judiciário".

Não se trata, em absoluto, de oposição às inovações tecnológicas, mas apenas de que seja assegurada a possibilidade de realizar sustentação oral concomitantemente ao julgamento, oportunidade em poderão ser rebatidas as manifestações da parte ex adversa, garantir-se interação com o colegiado (a partir das expressões corporais dos julgadores) etc.

Verifica-se, sim, sem a prerrogativa vetada, flagrante violação à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal, pois uma sustentação oral gravada não se valerá dos recursos acima mencionados, tampouco haverá a certeza de ser assistida.

Equivocado, portanto, o veto presidencial, razão pela qual espera-se que o Congresso Nacional venha a derrubá-lo.

Na toada dos direitos dos advogados, verifica-se que a Lei nº 14.365 incluiu o § 6º-I, vedando a colaboração premiada do Defensor "contra quem seja ou tenha sido seu cliente".

Ainda que não houvesse expressa proibição de Advogado delatar seus clientes, sistemática interpretação legal revelava a impossibilidade de fazê-lo.

O Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, em seus arts. 21, 35, 36, 37 e 38[4], cuida de assegurar e velar pelo sigilo profissional, havendo, ainda, reverberação nos arts. 388, I e II e 448, II do Código de Processo Civil[5] e nos arts. 207 e 243, § 2º do Código de Processo Penal[6].

Da mesma forma, a Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia) cuidou de assegurar ao Advogado o direito de não depor sobre fato que esteja sob o manto do sigilo profissional, conforme artigo 7º, XIX[7], inclusive tipificando a violação do sigilo profissional como infração disciplinar no artigo 34, VII e IX[8].

E a violação ao sigilo profissional não constitui apenas infração disciplinar. O tema se reveste de tal importância que possui repercussão no âmbito da legislação penal, a qual tipifica os delitos de violação do segredo profissional e de patrocínio infiel (artigos 154 e 355, respectivamente, do Código Penal[9]).

Como se percebe, a interpretação legal e estatutária já impedia a colaboração premiada de Advogado em desfavor de seu constituinte atual ou pretérito. Entretanto, por excesso de zelo, e acertadamente, optou o legislador por consignar expressamente a impossibilidade de firmar o acordo.

Conclui-se, portanto, que as alterações promovidas pela Lei nº 14.365 aqui mencionadas aperfeiçoaram a legislação brasileira, assegurando mais direitos ao Advogado para que exerça o seu munus com excelência.
_________________________________________

[1] Art. 131.Nos julgamentos, o Presidente do Plenário ou da Turma, feito o relatório, dará a palavra, sucessivamente, ao autor, recorrente, peticionário ou impetrante, e ao réu, recorrido ou impetrado, para sustentação oral. (...)

§ 2º Não haverá sustentação oral nos julgamentos de agravo, embargos declaratórios, arguição de suspeição e medida cautelar

[2] Art. 159. Não haverá sustentação oral no julgamento de: (...)

IV - agravo, salvo expressa disposição legal em contrário;

[3] aqui.

[4] Art. 21. O advogado, ao postular em nome de terceiros, contra ex-cliente ou ex-empregador, judicial e extrajudicialmente, deve resguardar o sigilo profissional. (...)

Art. 35. O advogado tem o dever de guardar sigilo dos fatos de que tome conhecimento no exercício da profissão.

Parágrafo único. O sigilo profissional abrange os fatos de que o advogado tenha tido conhecimento em virtude de funções desempenhadas na Ordem dos Advogados do Brasil.

Art. 36. O sigilo profissional é de ordem pública, independendo de solicitação de reserva que lhe seja feita pelo cliente.

§ 1º Presumem-se confidenciais as comunicações de qualquer natureza entre advogado e cliente.

§ 2º O advogado, quando no exercício das funções de mediador, conciliador e árbitro, se submete às regras de sigilo profissional.

Art. 37. O sigilo profissional cederá em face de circunstâncias excepcionais que configurem justa causa, como nos casos de grave ameaça ao direito à vida e à honra ou que envolvam defesa própria.

Art. 38. O advogado não é obrigado a depor, em processo ou procedimento judicial, administrativo ou arbitral, sobre fatos a cujo respeito deva guardar sigilo profissional.

[5] Art. 388. A parte não é obrigada a depor sobre fatos:

I - criminosos ou torpes que lhe forem imputados;

II - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo; (...)

Art. 448. A testemunha não é obrigada a depor sobre fatos: (...)

II – a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo.

[6] Art. 207. São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho. (...)

Art. 243.  O mandado de busca deverá: (...)

§ 2º Não será permitida a apreensão de documento em poder do defensor do acusado, salvo quando constituir elemento do corpo de delito.

[7] Art. 7º São direitos do advogado:

XIX – recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional.

[8] Art. 34. Constitui infração disciplinar: (...)

VII – violar, sem justa causa, sigilo profissional; (...)

IX – prejudicar, por culpa grave, interesse confiado ao seu patrocínio;

[9] Art. 154 - Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa de um conto a dez contos de réis. (...)

Art. 355 - Trair, na qualidade de advogado ou procurador, o dever profissional, prejudicando interesse, cujo patrocínio, em juízo, lhe é confiado:

Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa.
____________________________________________

Por Luis Inácio Lucena Adams e Lucas Resende Fraga
Fonte: Conjur

0/Comentários

Agradecemos pelo seu comentário!

Anterior Próxima