Presidente do TSE, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu a sessão às 13h. O caso será retomado nesta sexta-feira (30/6), a partir das 12h, com o voto da ministra Càrmen Lúcia. Além dela, restam votar o ministro Nunes Marques e o próprio Moraes.
Até o momento, o placar é de 3 votos a 1 pela procedência da ação. Três ministros entenderam que Bolsonaro praticou abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, condutas pela qual deveria ser punido com inelegibilidade de oito anos, conforme a punição do artigo 22 da Lei Complementar 64/1990.
Votaram dessa maneira o ministro Benedito Gonçalves, acompanhado dos ministros Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares. A posição adotada por eles ainda exime de punição o candidato a vice de Bolsonaro em 2022, general Walter Braga Netto, porque não há provas de seu envolvimento no episódio.
Apenas o ministro Raul Araújo divergiu, por enquanto. Ele votou por julgar a ação improcedente, por considerar que a conduta de Bolsonaro não teve gravidade suficiente para alterar a normalidade e ameaçar a legitimidade das eleições. Sua análise ainda adotou um cenário mais restritivo de fatos e alegações do que o feito pelo relator.
A reunião que gerou o ajuizamento da ação foi feita em julho de 2022, três meses antes do primeiro turno das Eleições. Ao que tudo indica, foi uma resposta a um evento oficial do TSE, que se reuniu com autoridades internacionais para apresentar o sistema de votação. Nela, o então presidente Luiz Edson Fachin fez um alerta sobre o "vírus da desinformação".
Em três dias, Bolsonaro movimentou a máquina pública para convidar e reunir quase 100 embaixadores de países estrangeiros e autoridades nacionais na residência oficial da presidência, onde fez uma apresentação com slides colocando em dúvida o sistema eletrônico de votação e a lisura da atuação da Justiça Eleitoral.
Abrangência da ação
Primeiro a votar nesta quinta-feira, o ministro Raul Araújo inaugurou a divergência em manifestação que começou por reconhecer que, no trâmite da aije, o TSE ampliou indevidamente os limites da ação ajuizada pelo PDT, especialmente por incluir e considerar elementos posteriores às eleições.
Um desses documentos é a “minuta do golpe” encontrada em janeiro na casa do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres. Raul Araújo explicou que a aije protege bens jurídicos relativos à igualdade entre candidatos e ao livre exercício do voto. Fatos posteriores, portanto, não podem afetar a igualdade entre candidatos de uma eleição que já aconteceu.
Esse ponto motivou uma interrupção do voto pela ministra Cármen Lúcia, para quem o documento foi usado de maneira lateral no voto do relator. “O fato de ter juntado a minuta golpista em nada afetou”, concordou o ministro Alexandre de Moraes. “O voto foi claro: não se está apurando a minuta [do golpe]. Ela é um reflexo dos efeitos do discurso feito na reunião no tocante a inverdades sobre as urnas eletrônicas”, disse o ministro Benedito.
Para o ministro Raul Araújo, houve considerações substanciais não só ao achado da minuta, mas a fatos posteriores usados para caracterizar uma predisposição de atitudes de Bolsonaro em direção à ruptura do processo democrático. “São fartas das referências”, rebateu. “Não há nexo de causalidade entre os fatos”, afirmou.
Não foi grave porque o TSE não deixou
A divergência na questão preliminar é importante porque orientou o voto no mérito. Com o alcance da aije reduzido às falas de Bolsonaro para os embaixadores, o episódio perdeu um dos requisitos para caracterizar o abuso do poder político, na análise do ministro Raul: a gravidade acentuada.
Ele destacou que nem todo o discurso veicula informações falsas, pois há trechos em que Bolsonaro expõe sua posição política em temas abertos ao diálogo institucional, como as críticas ao voto eletrônico e a Lula, naquela época seu potencial concorrente. “[As falas são] censuráveis não por seu conteúdo, mas por configurarem propaganda antecipada”, analisou.
No que restou, não houve gravidade justamente porque o tema foi alvo de representação por propaganda antecipada, em que o próprio TSE restringiu o uso e alcance dos ataques feitos pelo então presidente. Para Raul Araújo, a resposta foi legítima e suficiente ao episódio, o que esvaziou o requisito para julgar a aije procedente.
Além disso, o público que acompanhou o evento pela TV ou redes sociais apenas recebeu informações já reiteradamente apreentadas por Bolsonaro, o que reduz a capacidade de produzir forte e surpreendente impacto danoso.
Afirmou, ainda, que a realização das eleições 2022 mostra que o impacto da fala foi mínimo. Bolsonaro criticou a legitimidade do sistema de votação e desestimulou eleitores, mas mesmo assim o comparecimento foi recorde de cerca de 123 milhões de pessas e a abstenção, de 20,9%, ficou dentro da normalidade em relação a eleições anteriores.
Sobre o uso indevido dos meios de comunicação social, a ilicitude foi afastada porque é função da TV Brasil acompanhar a agenda oficial do presidente. Seja qual fosse o discurso, a empresa transmitiria por função definida em lei. O desvio de finalidade só se configuraria se a empresa soubesse de antemão dos abusos cometidos, o que não se comprovou.
“Embora não se possa negar que as eleições de 2022 experimentaram um conjunto de percalços e dificuldades decorrentes de um contexto de instabilidade oriundo de discursos de conteúdo inverídico – do qual a fala do então presidente é exemplo significativo –, há de se igualmente reconhecer que a Justiça Eleitoral foi capaz de conduzir o pleito de forma orgânica, com ampla e livre participação popular, pronta proclamação do resultado e oportuna diplomação”, avaliou o ministro Raul.
“Em consequência, sendo a gravidade aferível pela vulneração aos bens jurídicos legitimidade e normalidade das eleições, mas sendo estes sujeitos a um juízo de valor de grau, fato é que a intensidade do comportamento concretamente imputado — a reunião de 18/7/2022 e o conteúdo do discurso — não foi tamanha a ponto de justificar a medida extrema da inelegibilidade”, concluiu.
Foi grave, sim
Votaram ainda os dois ministros da classe jurista que compõem o tribunal. Floriano de Azevedo Marques afastou a preliminar de ampliação indevida da lide por entender que a aije é uma ação híbrida, composta de elemento de inquérito, além de opor as partes. Assim, o olhar para a produção probatória nos estritos limites do processo civil é descabente.
E ainda contemporizou. “Os graves desafios à ordem democrática que tiveram lugar antes e depois do pleito, embora execráveis, não são necessários para analisar a existência ou não do abuso de poder político. E tampouco são uteis para caracterizar a gravidade ou não desses fatos”, afirmou.
Seu voto apontou que o evento não se inseriu nas atividades diplomáticas brasileiras e que a organização não ficou a cargo dos órgãos competentes, nem foi feito no local adequado — foi sediado na residência oficial da Presidência, o Palácio da Alvorada. Além disso, o discurso de Bolsonaro visou deslegitimar o sistema eleitoral, desincentivar a participação do eleitor e, assim, obter benefícios.
“O investigado usou de suas competências de chefe de Estado para criar uma aparente reunião com o objetivo de responder ao TSE e construir sua persona de candidato, servindo-se dos meios e instrumentos para alcançar seu real destinatário: o eleitor já cativado ou o eleitor ainda a conquistar”, analisou.
O voto do ministro Andre Ramos Tavares seguiu a mesma linha, ao apontar que Bolsonaro criou um evento com mera roupagem diplomática para difundir conteúdo falso e pernicioso com intenções eleitorais.
“É inviável à Justiça Eleitoral ignorar fatos notórios afim de converter a realidade conhecida em uma versão forjada em fabricada em cima de omissões e desconhecimentos desses fatos”, disse, ao criticar tentativas de isolar artificialmente as frases de Bolsonaro, emitidas em um contexto maior de intenção eleitoral e ataques antidemocráticos.
- Aije 0600814-85.2022.6.00.0000
Por Danilo Vital
Fonte: Conjur
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