De acordo com a Defensoria do estado, os novos sinais de violência foram detectados durante inspeção realizada no último dia 23 em Itaitinga, na Unidade Prisional Elias Alves da Silva, onde foram encontrados cerca de cem presos supostamente feridos por policiais penais.
A Secretaria da Administração Penitenciária do Ceará nega a existência disse tipo de prática no sistema. Procurada, disse repudiar "qualquer ato que atente contra a dignidade humana", afirma receber visitas regulares de instituições fiscalizadoras e colaborar na apuração de todas as denúncias.
A mesma unidade prisional havia sido alvo de uma inspeção da juíza Luciana Teixeira de Souza, titular da 2ª Vara de Execução Penal de Fortaleza, que também viu indícios de maus-tratos três dias antes. No último dia 26, a magistrada determinou o afastamento da cúpula da unidade por 90 dias.
Segundo relato dos detentos aos defensores, havia uma rotina de violência que incluía a aplicação de um castigo chamado "posição taturana". Nela, um detento era escolhido aleatoriamente e obrigado a ficar de cabeça baixa, em um ângulo de 45 graus, e sustentar o peso do corpo com a força do abdômen.
"É um teste de resistência que, na verdade, mistura tortura com zombaria. A pessoa precisa ficar em uma posição inclinada, na diagonal, sustentando o peso do corpo com os cotovelos. Se não aguentar, é agredida. Portanto, isso é tortura", diz o defensor Delano Benevides de Medeiros Filho, da Comissão Permanente de Prevenção e Combate à Tortura, que participou da inspeção na unidade.
Esse tipo de tortura, segundo ele, não constava dos arquivos da comissão.
Outra forma de violência comum na unidade, também inédita nas fiscalizações nos presídios cearenses, era o amassamento de testículos, conforme relataram os internos. Com as próprias mãos, o policial penal apertava e, às vezes, torcia a genitália do preso até que a vítima desmaiasse de dor.
"Eu já presenciei lá dentro da ala, de preso que foi pego com jogo e o agente pegar o preso na cela e sair arrastando, e nós escutando o grito dentro da ala. Depois, nós pergunta [sic] e o preso diz que foi arrastado pelos testículos, apertando, e ele gritando", disse o Interno 7 (forma como a Justiça identificou a testemunha), conforme documentos obtidos pela Folha.
O amassamento do saco escrotal também foi confirmado à Folha por familiares de presos dessa unidade de Itaitinga. "Parece que é uma tática que eles têm para derrubar o povo lá. Eles [os agentes] apertam, apertam [os testículos] até o povo desmaiar", disse Maria, nome fictício.
A mulher de outro detento ouvido pela reportagem afirma que os agentes torcem não apenas os testículos dos internos, mas, em alguns casos, o próprio pênis até ferir.
O caso mais grave identificado pela Defensoria foi de um preso que relatou ter perdido os testículos após sofrer um disparo de bala de borracha na genitália. A reportagem da Folha apurou que a Justiça já identificou o detento e tomou o depoimento dele sobre os fatos.
Um dos presidiários ouvidos pela juíza corregedora, conforme documentos, afirmou ter escutado um agente se vangloriar de ter destruído os testículos do interno.
"Chegou falando na rua que ‘foram mais de 170 tiros, preso levou tiro na cara, preso sem testículo, vários presos baleados e agora vai sair mais 50 presos lesionados’. Foi onde ele entrou com a equipe dele, [...] e entraram lá cela por cela, espancando. Quando chegou na nossa cela já chegou batendo em todo mundo", diz o Interno 7, em outro trecho do documento.
Além da violência rotineira e a conta-gotas, os presos contaram que em pelo menos duas ocasiões ocorreram espancamentos generalizados, classificados por eles como "massacres". Os ataques foram tão violentos que, conforme disseram, as marcas das agressões podiam ser constatadas mesmo passados cerca de dois meses depois do primeiro caso, supostamente ocorrido em 18 de março.
Um preso teve o maxilar quebrado durante ação de agentes. Os colegas que tentaram demover os policiais da ação também teriam sido agredidos, segundo contaram os detentos.
Conforme ficou registrado em imagens da Defensoria, grande parte das possíveis vítimas apresentava supostas marcas de balas de borracha pelo corpo. Ao menos um preso teve os dentes quebrados, e alguns deles apresentaram os dedos tortos, fraturados, uma das marcas do chamado "procedimento" –técnica de tortura identificada em ao menos cinco estados, incluindo o Ceará.
Itaitinga é a mesma cidade onde, em setembro do ano passado, a Justiça, também numa visita surpresa, flagrou ao menos 72 detentos feridos por policiais penais da Uppoo 2 (Unidade Prisional Professor Olavo Oliveira 2), alguns com os dedos quebrados no "procedimento".
O defensor Medeiros Filho esteve em ambas as fiscalizações. "Em comparação ao outro caso, houve a inovação com esses novos métodos de tortura, mas a brutalidade continua a mesma. Infelizmente, a tortura no Ceará continua sistêmica, como dizem, repito, os próprios relatórios [de órgãos de controle], incluindo do CNJ [Conselho Nacional de Justiça]", disse ele.
Se confirmado esse caso de tortura, será o primeiro na gestão Elmano de Freitas (PT). O petista ignorou no final do passado o pedido de 60 entidades, incluindo do sindicato dos agentes penitenciários, e manteve o secretário da Administração Penitenciária, Mauro Albuquerque, apontado por órgãos de combate à tortura como um dos mentores do chamado "procedimento".
Procurada, a gestão estadual não quis comentar o tema. Em entrevista à imprensa local, Elmano elogiou a atuação de Albuquerque.
SECRETARIA DIZ REPUDIAR ATOS
Em nota, a Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização do Ceará afirmou que "repudia qualquer ato que atente contra a dignidade humana". Diz receber visitas regulares de instituições fiscalizadoras e todos os casos suspeitos são investigados internamente e também encaminhados à Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública.
A pasta também negou os novos tipos de tortura no sistema.
Sobre o caso do preso com maxilar quebrado, a SAP disse que, durante surto psicótico, o interno agrediu verbalmente os profissionais de saúde e fisicamente os policiais penais de plantão, "de forma que os agentes precisaram fazer uso controlado da força, o que resultou em confronto".
A pasta diz ter aberto procedimento para a apuração do caso e encaminhou toda a situação à Corregedoria. Disse, ainda, que cumpriu a ordem da juíza e afastou os servidores de Itaitinga. Também diz se colocar como colaboradora "das apurações e orientações do Poder Judiciário".
Sobre março, a SAP diz que internos se amotinaram durante banho de sol e passaram a agredir os policiais "com arremesso de objetos, como também tentaram tomar armas de posse dos policiais penais".
"Além do ataque coordenado, eles também portavam instrumentos para escalar o muro da unidade e realizar uma fuga em massa. A sublevação da ordem foi respondida de forma imediata e a unidade pertencente ao estado teve sua rotina retomada pela pronta ação da polícia penal."
Rogério Pagnan
Fonte: www1.folha.uol.com.br
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