“Inconstitucional e asquerosa”, diz advogada sobre legislação que estabelece escuta de fet0 antes do ab0rt0

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Via @jornalopcao | “Inconstitucional, degradante e asquerosa. Inconstitucional porque viola o art. 227 da Constituição Federal e impõe uma sanção cruel, degradante e desumana às vítimas de estupro. Essa lei estadual viola várias legislações federais, inclusive a Henry Borel, que criou mecanismos para a prevenção e o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente”, disse a advogada Bartira Macedo de Miranda sobre a Lei 22.537/2024. O texto, de autoria do deputado estadual Fred Rodrigues (Democracia Cristã), foi sancionado como lei pelo governador Ronaldo Caiado (UB) na última quinta-feira, 11.

A legislação estabelece que o Estado forneça às gestantes uma ultrassonografia que inclua os batimentos cardíacos do feto antes do procedimento de aborto. A medida “dá às mulheres que procuram os serviços de aborto legal mais acesso a informações e dados, antes da tomada de uma decisão tão importante, que certamente definirá os rumos de sua vida futura”, justifica o deputado. Para Bartira, a lei submete crianças e adolescentes a situações desumanas, degradantes e humilhantes.

Isso porque a cada 8 minutos uma mulher é estuprada no Brasil. Do total, 74,5% são consideradas vulneráveis por serem menores de 14 anos ou possuírem enfermidade, deficiência mental ou outra causa que impeça o consentimento. As informações foram divulgadas ontem no relatório Violência contra meninas e mulheres no 1º semestre de 2023, feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Além disso, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) concluiu, em 2019, que há uma alta subnotificação de casos de estupro no país.

No Brasil, o aborto é permitido em três circunstâncias:

  1. Gravidez resultante de estupro: O aborto é permitido em casos de estupro, desde que a gestante apresente um boletim de ocorrência policial ou termo circunstanciado.

  2. Risco de vida para a mulher: Se a gravidez apresenta risco de vida para a mulher, é permitido interrompê-la mediante parecer médico.

  3. Anencefalia: O aborto é autorizado quando o feto é diagnosticado com anencefalia, uma condição em que o cérebro não se desenvolve adequadamente.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública delineou o perfil das principais vítimas de estupro no Brasil. A maioria são meninas com idade entre 0 e 13 anos (61%), sendo que 56% delas são negras. Do total de violências, 68% dos casos ocorreram dentro da própria residência. Quanto aos agressores, em 86% dos crimes envolvendo crianças de 0 a 13 anos, os estupradores eram conhecidos e familiares, como pais, avôs, padrastos e tios. Para as vítimas com mais de 14 anos, 77,2% dos agressores eram conhecidos, enquanto 24,3% foram estupradas por parceiros ou ex-parceiros íntimos.

“As meninas vítimas de estupro têm direito ao serviço público para realizar procedimento de abortamento. E essa lei impõe que antes de ser feito o procedimento, vai se colocar as mulheres e as meninas para ouvir o coração do bebê. É degradante, é uma lei asquerosa, é a pior lei que eu já vi na minha vida”, concluiu Bartira.

Bartira Macedo de Miranda é professora do Mestrado em Direito e Políticas Públicas da Universidade federal de Goiás e associada do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. | Foto: Arquivo

Ela explicou que a OAbGO e o Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) podem ingressar, no Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a legislação estadual.

A Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (Alego) não disponibilizou a votação dos parlamentares. A reportagem entrou em contato com a assessoria da Assembleia e aguarda retorno.

Menina vítima de estupro foi hostilizada por religiosos

A criança de 10 anos, vítima de estupro por parte de um tio em São Mateus, no Espírito Santo, iniciou o procedimento de aborto em 2020, após o Tribunal de Justiça do Espírito Santo conceder-lhe o direito previsto na lei brasileira para interromper uma gravidez resultante de estupro. O caso, que envolveu uma menina que sofreu abusos desde os 6 anos, deveria ter sido mantido em sigilo absoluto, dada a sensibilidade do tema do aborto, mesmo quando legal. Contudo, o vazamento do caso para a imprensa transformou-o em uma questão política.

Embora centenas de meninas estupradas realizem abortos legais no Brasil sem a necessidade de autorização judicial, a repercussão do caso forçou a menina a viajar para o Recife, onde foi atendida no Centro Integrado de Saúde Amauri de Medeiros (Cisam), especializado nesse tipo de atendimento, realizando cerca de 40 abortos legais por ano.

O caso ganhou notoriedade após a ex-ministra Damares Alves, da Secretaria da Mulher, torná-lo público nas redes sociais, transformando-o em um jogo político. A reação da ministra gerou uma atmosfera de hostilidade na Justiça de São Mateus, transformando a situação em um palanque político, o que foi considerado uma crueldade pela vítima.

Apesar da oposição de conservadores, incluindo a bancada evangélica, especialistas afirmam que não há restrições legais para abortos quando a vida da mãe está em risco, como era o caso dessa criança. O embate ideológico sobre o tema se intensificou nos últimos anos no Brasil, seguindo uma tendência global de polarização política.

Segundo o ministro Luís Roberto Barroso, a resistência ao aborto representou fanatismo religioso. “Ali, o que se teve o que se teve foi evidentemente o direito daquela menina, sendo que é uma das exceções previstas no Código Penal para interrupção legitima da gestação. E de outro lado, como você bem observou, o fanatismo religioso”, afirmou o ministro durante debate virtual realizado pela Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho.

O ministro defendeu o procedimento realizado pela menina, e questionou a ação de grupos religiosos contrários ao aborto, que chegaram a fazer manifestações e agredir funcionários nos arredores do hospital onde a criança estava internada.

“Eu tenho muita dificuldade é de compreender esse Deus agressivo e intolerante que inspira essas pessoas. Na minha posição filosófica antiga, eu acho que enquanto o feto não tem nenhuma viabilidade de vida extrauterina e enquanto não haja risco para a mãe, qualquer mulher tem o direito de interromper uma gestação”, completou Barroso.

Além de ter que se mudar para outro estado, a vítima também teve que se esconder no porta-malas de um carro para entrar no hospital no Recife (PE) enquanto o médico e diretor da unidade, Olimpio Moraes, atraía para o portão principal os fanáticos religiosos e políticos que se dividiam e bloqueavam todas as entradas para impedir a garota de realizar o procedimento.

Hospital onde menina de dez anos recebeu atendimento foi palco de protestos contra e a favor do aborto. | Foto: Divulgação

Giovanna Campos
Fonte: @jornalopcao

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