Por maioria, prevaleceu o voto do relator, ministro Og Fernandes, que vedou a utilização de parâmetros objetivos como fundamento automático para negar o benefício, mas admitiu sua utilização em caráter suplementar, como indícios que podem justificar a exigência de comprovação adicional da condição econômica da parte.
Teses fixadas:
- É vedado o uso de critérios objetivos para o indeferimento imediato da gratuidade judiciária requerida por pessoa natural.
- Verificada a existência nos autos de elementos aptos a afastar a presunção de hipossuficiência econômica da pessoa natural, o juiz deverá determinar ao requerente a comprovação de sua condição, indicando de modo preciso as razões que justificam tal afastamento, nos termos do art. 99, § 2º, do CPC.
- Cumprida a diligência, a adoção de parâmetros objetivos pelo magistrado pode ser realizada em caráter meramente suplementar e desde que não sirva como fundamento exclusivo para o indeferimento do pedido da gratuidade.
Histórico
Em abril de 2023, a Corte Especial afetou os REsps 1.988.686, 1.988.687 e 1.988.697, para definir, sob o rito dos repetitivos, se a concessão do benefício da justiça gratuita pode ser decidida a partir de critérios objetivos.
Até o julgamento do tema e a definição da tese, o colegiado determinou a suspensão dos recursos especiais e agravos em recurso especial que tratem de questão jurídica idêntica e estejam tramitando nos tribunais de origem ou no STJ.
Em razão da relevância e da repercussão social da matéria, o relator convidou entidades como a OAB, a Defensoria Pública da União, a AMB - Associação dos Magistrados Brasileiros, a Ajufe - Associação dos Juízes Federais do Brasil e o IBDP - Instituto Brasileiro de Direito Processual para participar como amici curiae.
Casos concretos
Um dos recursos afetados para julgamento, REsp 1.988.686, diz respeito ao caso de um aposentado que, ao ingressar com ação contra o INSS, teve seu pedido de gratuidade negado pelo juiz, o qual levou em conta que a sua aposentadoria, de mais de três salários-mínimos (em 2019), não o impediria de pagar as despesas do processo.
O TRF da 2ª região reformou a decisão, afirmando que a declaração de pobreza feita pelo interessado tem presunção juris tantum de veracidade, e não haveria base legal na fixação de critérios objetivos de renda para a concessão da gratuidade.
Resultado nos casos concretos:
- REsp 1.988.686 e REsp 1.988.697 - Por unanimidade, prevaleceu o voto do relator, que negou provimento.
- REsp 1.988.687 - Por maioria seguiu o relator e negou provimento.
Formaram-se três linhas de entendimento:
- Relator (Og Fernandes): critérios objetivos não podem fundamentar o indeferimento automático, mas podem ser considerados em caráter suplementar.
- Villas Bôas Cueva: admitiu critérios objetivos preliminares, aliados à análise subjetiva de cada caso.
- Nancy Andrighi: reforçou o caráter casuístico e afastou totalmente a utilização de critérios objetivos, mesmo de forma suplementar.
Fundamentação
Og Fernandes ressaltou que a declaração de hipossuficiência feita por pessoa natural goza de presunção relativa de veracidade (art. 99, § 3º, CPC), apta a justificar o deferimento inicial do benefício. Porém, o juiz, diante de elementos concretos, deve intimar a parte para comprovar sua condição, nos termos do art. 99, § 2º.
Para o relator, a utilização de parâmetros objetivos somente é possível em caráter suplementar, isto é, não se prestando ao indeferimento de plano do pedido de gratuidade, mas para justificar o procedimento previsto no art. 99, parágrafo 2º, do CPC, permitindo que o juiz intime a parte requerente para comprovar a situação de miserabilidade jurídica perante o caso concreto.
"Vedo o uso de parâmetros objetivos como critério automático e excludente, mas admito que possam ser considerados em caráter suplementar, como meros indícios que auxiliam o juiz a decidir se é caso de exigir a comprovação adicional."
Destacou que sua posição busca preservar "a garantia do vulnerável de não ser afastado do processo por barreiras econômicas" e, ao mesmo tempo, evitar que a gratuidade seja "instrumentalizada de forma abusiva ou indiscriminada, em prejuízo da efetividade da jurisdição". Por fim, o ministro considerou desnecessária a modulação dos efeitos do julgado.
Divergências
Nancy Andrighi enfatizou que a adoção de critérios objetivos violaria o princípio da igualdade material e restringiria o acesso à Justiça.
"Ninguém deve ser obrigado a sacrificar o seu sustento para exercer um direito. Permitir a utilização de critérios objetivos apenas estimularia decisões padronizadas, afastando a presunção de veracidade da declaração de insuficiência sem a devida fundamentação."
Ela defendeu que a análise deve ser casuística, considerando sempre as condições sociais e financeiras do requerente em relação aos custos específicos do processo.
Já o ministro Villas Bôas Cueva sustentou que, diante da necessidade de resguardar a eficiência do sistema, é legítima a adoção de critérios objetivos preliminares, como renda de até três salários mínimos ou enquadramento em programas sociais, desde que aliados à análise individualizada do caso.
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