O que o advogado criminalista precisa saber para atuar em casos de violência doméstica

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bit.ly/2lv97xF | A Lei Maria da Penha, prevista na Lei Federal nº 11.340 de 2006, composta por 46 artigos distribuídos em 07 títulos, visa a prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, consoante dispõe o artigo 226, § 8º, da Constituição Federal, in verbis:

A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

O nome da Lei foi adotado em homenagem à farmacêutica brasileira, Maria da Penha Maia Fernandes, visto ter sido vítima de violência doméstica durante 06 anos até que, depois de sofrer um atentado por arma de fogo em 1983, tornou-se paraplégica. Houve uma luta incessante por parte da farmacêutica para que o seu agressor viesse a ser condenado, e após 19 anos de julgamento, conseguiu a punição – 02 anos em regime fechado.

Entretanto, em que pese a “punição” supracitada, foi a partir do sofrimento desta mulher que a luta contra a violência doméstica e familiar tomou grandes proporções, resultando na Lei nº 11.340 de 2006. Hoje, Maria da Penha Maia Fernandes é líder de movimentos de defesa que representam os direitos das mulheres. “Maria da Penha” passou a ser símbolo de força e resistência contra a violência doméstica, sobretudo a familiar.

Sanção e inovações da Lei Maria da Penha

Das inovações previstas na Lei Maria da Penha

A Lei Maria da Penha foi sancionada em 7 de agosto de 2006, pelo ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tendo completado 13 anos no último dia 7 de agosto de 2019.

A referendada Lei assume papel de destaque na sociedade brasileira a partir de seu sancionamento, visto que inova em medidas de proteção à mulher e em repressão ao agressor, conforme:

  • Possibilidade da prisão em flagrante do agressor com decretação de Prisão Preventiva;
  • Impossibilidade de aplicação de Penas alternativas e benefícios da Lei nº 9.099 de 1995;
  • Possibilidade a aplicação das Medidas Protetivas de Urgência previstas no artigo 22 da Lei nº 11.340 de 2006;
  • Impossibilidade, haja vista apresentar ausência de idoneidade moral, de inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – havendo críticas atinentes à sua constitucionalidade.

Nesse diapasão, a Lei Maria da Penha somente veda a possibilidade de aplicar penas alternativas e benefícios atinentes à Lei nº 9.099 de 1995. Não menciona a impossibilidade de estabelecimento de liberdade provisória, com ou sem imposição de medidas cautelares, nos termos do artigo 319 do Código de Processo Penal.

Portanto, o Advogado Criminalista deve buscar, caso em defesa do acusado, a ausência dos requisitos atinentes à Prisão Preventiva, bem como o pedido de liberdade provisória (com ou sem imposição de medidas cautelares diversas da prisão). Nesse sentido vaticina a nossa melhor jurisprudência.

Das medidas protetivas de urgência

As Medidas Protetivas de Urgência poderão ser concedidas pelo juiz, desde que requeridas: a) pelo Ministério Público; b) pela ofendida (vítima). Dessarte, logo após o requerimento, tais medidas podem ser, no prazo de lei, determinadas pelo magistrado, independente de audiência das partes ou de manifestação do órgão ministerial.

Destaque-se que as Medidas Protetivas de Urgência poderão ser aplicadas cumulativamente. E, em caso de necessidade, poderão ser substituídas a qualquer tempo.

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III – proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

O descumprimento de Medida Protetiva de Urgência passa a ser uma conduta típica do ordenamento jurídico criminal brasileiro. O agressor que, após ter medida protetiva determinada pelo juiz, e insiste na conduta de descumprir essa Medida Protetiva, estará praticando a conduta criminosa prevista no artigo 24-A da Lei nº 11.340 de 2006, in verbis:

Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos. §1° A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas.

§2° Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança. §3° O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis.

Do (não) cabimento de concessão de fiança pela autoridade policial

É um tema ainda enfrentado com divergências e críticas doutrinárias e jurisprudenciais, pois a Lei nº 12.403 de 2011 criou várias medidas cautelares para coibir a utilização do instituto da prisão preventiva de forma desregrada. Dentre tais medidas, alterou o artigo 322 do Código de Processo Penal para estabelecer a possibilidade de concessão de fiança pela autoridade policial, estipulando um critério quantitativo de pena.

Consoante previsto no artigo em comento, cabe a autoridade policial conceder fiança nos casos em que a pena máxima do delito cometido não ultrapasse 04 (quatro) anos. Ainda acrescentando que, nos demais casos, a fiança pode ser requerida ao juiz (que deverá decidir em prazo não superior a 48 horas).

Nesse contexto, ainda sobre os demais casos, destaque-se que o delito cometido deverá estar em conformidade com as vedações expressas previstas nos artigos 323 e 324 do Código de Processo Penal.

Dos benefícios (in)aplicáveis ao agressor

Ainda nesse ínterim, cumpre salientar que, consoante dispõe a Súmula nº 536 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), os institutos da suspensão condicional do processoSursis Processual – e a transação penal são inaplicáveis nas hipóteses de delitos que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher. O artigo 41 da Lei nº 11.340 de 2006 ainda reforça esse entendimento ao afirmar que não cabe a aplicação dos benefícios da Lei dos Juizados Especiais Criminais previstos da Lei nº 9.099 de 1995.

Logo, em benefício do agressor, também caberá a aplicação do instituto da suspensão condicional da pena.

Outrossim, cabe trazer à baila o entendimento firmado na Súmula nº 589 do Superior Tribunal de Justiça (STJ): “É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas”.

E para a configuração da relação doméstica, consoante entendimento estabilizado da melhor doutrina e jurisprudência pátria, não há a necessidade coabitação entre autor e vítima, consigna a Súmula nº 600 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Da Inovação Legislativa de 17 de setembro de 2019

A Lei nº 13.871 de 17 de setembro de 2019 altera o artigo 9º da Lei nº 11.340 de 2006 (Lei Maria da Penha) para incluir os parágrafos 4º, 5º e 6º. Ademais, dispõe sobre a possibilidade de o agressor responsável ressarcir os custos relativos aos serviços de saúde prestados pelo SUS – Sistema Único de Saúde, consoante:

§ 4º Aquele que, por ação ou omissão, causar lesão, violência física, sexual ou psicológica e dano moral ou patrimonial a mulher fica obrigado a ressarcir todos os danos causados, inclusive ressarcir ao Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com a tabela SUS, os custos relativos aos serviços de saúde prestados para o total tratamento das vítimas em situação de violência doméstica e familiar, recolhidos os recursos assim arrecadados ao Fundo de Saúde do ente federado responsável pelas unidades de saúde que prestarem os serviços.

§ 5º Os dispositivos de segurança destinados ao uso em caso de perigo iminente e disponibilizados para o monitoramento das vítimas de violência doméstica ou familiar amparadas por medidas protetivas terão seus custos ressarcidos pelo agressor.

§ 6º O ressarcimento de que tratam os §§ 4º e 5º deste artigo não poderá importar ônus de qualquer natureza ao patrimônio da mulher e dos seus dependentes, nem configurar atenuante ou ensejar possibilidade de substituição da pena aplicada.

É importante questionar, nesses casos, uma vez que o legislador não estabeleceu qualquer critério objetivo nesse sentido, como irá funcionar um eventual conflito de interesses entre a supremacia do interesse público e a integridade física da vítima.

Da (im)possibilidade de retratação da vítima

A possibilidade de retratação da notícia crime (vulgarmente chamada de “queixa”, mas que com esta não se confunde) feita à autoridade policial ou à autoridade pública responsável, para salvaguardar o interesse da vítima, somente poderá ser realizada nos ditames do artigo 16 da Lei nº 11.340 de 2006, tratando-se, por óbvio, de casos em que seja possível a retratação (ação penal pública condicionada à representação).

Nesta conjectura, caberá à vítima a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada para este fim, ANTES do recebimento da Denúncia, ouvindo-se, também, o Ministério Público.

Ademais, é importante salientar que a Súmula nº 542 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determina que a Lesão Corporal Leve, prevista no Caput do artigo 129 do Código Penal, terá regramento especial quando envolver violência doméstica e familiar contra a mulher.

Deixa de ser um crime de ação penal pública condicionada à representação – da qual cabe a retratação – para ser de ação penal pública incondicionada – não cabendo a retratação da vítima.

O que a lei considera como violência doméstica e familiar contra a mulher?

Essa é uma questão pouco conhecida pela maioria das pessoas, pois acreditam e associam o termo “violência” à violência física. Entretanto, cumpre salientar que a violência física é espécie do gênero violência. E iremos tratar deste assunto neste tópico, da violência no seu sentido amplo.

A Lei nº 11.340 de 2006, em seu título II, capitulado de

Da violência doméstica e familiar contra a mulher”, em seu artigo 5º, determina que configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão, baseada no gênero, que possa ocasionar:

a) morte;

b) lesão;

c) sofrimento físico, sexual ou psicológico; e

d) dano moral ou patrimonial.

No artigo 7º da Lei Maria da Penha, esses tipos de violência supracitados são elencados de forma a esclarecer minuciosamente o que se entende por cada tipo de violência. A exemplo, destaque-se:

I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Perfaz-se imperioso ressaltar, ainda, que a orientação sexual da mulher vítima de violência doméstica e familiar é indiferente nos termos do artigo 5º, parágrafo único, da Lei nº 11.340 de 2006. Destarte, a Lei Maria da Penha visa, mormente, proteger a vulnerabilidade da mulher vítima deste tipo de violência.

O site do Senado Federal destaca diversos canais de comunicação que atuam em proteção da mulher vítima de violência doméstica e familiar, quais sejam: Centros especializados de atendimento à mulher; Casas-abrigo; Casas de acolhimento provisório; Delegacias especializadas de atendimento à mulher (DEAMs); Núcleos ou Postos de atendimento à mulher nas Delegacias comuns; Defensorias Públicas e Defensorias da mulher (especializadas); Juizados especializados de violência doméstica e familiar contra a mulher; Promotorias de Justiça e Promotorias especializadas; Casa da mulher brasileira; Serviços de Saúde Geral e Serviços de Saúde voltados para o atendimento dos casos de violência sexual e doméstica.

O site do CNJ – Conselho Nacional de Justiça – também indica os canais de comunicação do Disque 180 e da Polícia Militar (190).

Ainda nesse norte de intelecção, cumpre destacar que o Governo da Bahia, através do Sistema de Informação e Gestão Integrada Policial – SIGIP –, criou uma ferramenta conhecida como Delegacia Digital, onde há a possibilidade de registrar uma ocorrência através do site: https://www.delegaciadigital.ssp.ba.gov.br/.

Também cumpre destacar uma excelente plataforma, conhecida como SAFERNET, onde há a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos em parceria com diversos setores de atuação no combate aos crimes virtuais. Pode ser acessado através do site: https://new.safernet.org.br/.

Na OAB/BA, temos a Comissão de Proteção aos Direitos da Mulher, presidida pela Dra. Renata Cristina Barbosa Deiró. A Comissão tem como objetivo principal resguardar os Direitos da Mulher, especialmente nos casos envolvendo violência doméstica e familiar.

Como o advogado criminalista deve atuar nesses casos?

O artigo 27 da Lei nº 11.340 de 2006 determina, de forma expressa, que todos os atos processuais que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher, sejam eles na esfera cível ou criminal, deverão ser acompanhados de defesa técnica. 

A área criminal é cheia de pormenores, tendo rito processual singular e muito técnico, e nesta medida, é aconselhado o acompanhamento de uma defesa técnica especializada, a de um Advogado Criminalista de sua confiança.

O(A) Advogado(a) Criminalista, em casos envolvendo a Lei Maria da Penha, deve atuar de forma humanizada, pois estará lidando com uma pessoa violentada e em situação de total vulnerabilidade física, emocional e até patrimonial (quando a mulher é dependente financeira do agressor). E, muitas das vezes, em decorrência de uma sociedade ainda carregada por estereótipos, este atendimento é desrespeitado em diversos setores de atendimento (nos hospitais, nas delegacias, nos órgãos públicos etc).

Há, infelizmente, a falta de sensibilidade com a situação de vulnerabilidade permeada pela mulher vítima de violência doméstica e familiar. Portanto, cumpre ao Advogado Criminalista, de maneira imperiosa, garantir que os direitos da vítima sejam respeitados e salvaguardados a fim de que a regra prevista no § 8º do artigo 226 da Constituição Federal seja cumprida.

Ademais, cabe salientar, também, que o Advogado Criminalista pode atuar tanto na defesa e orientação da ofendida (vítima de um agressor), inclusive como assistente de acusação, quanto na defesa do acusado, a exemplo:

  • Pedido de Medida Protetiva: Afastamento do lar; Afastamento da vítima e seus familiares; Suspensão ou Restrição de visitas aos dependentes menores (após oitiva da equipe multidisciplinar); Pedido de revogação de Medida Protetiva de Urgência etc;
  • Acompanhamento no procedimento administrativo (nas DEPOLs) – oitiva da vítima, acompanhamento de testemunhas, apresentação do acusado, representação da ofendida (vítima) etc;
  • Cobrar o cumprimento e a aplicação da Lei;
  • Pedido de indenização (moral e material) – existe a possibilidade de pedido de danos morais pela vítima, bem como a possibilidade de indenização material pelos gastos com cirurgias, medicações, período que precisou se ausentar de suas atividades etc;
  • Pedido de prestação de alimentos provisórios;
  • Pedido de Prisão Preventiva ou Pedido de revogação de Prisão Preventiva;
  • Pedido de Liberdade Provisória do acusado (com ou sem imposição de Medidas Cautelares diversas da prisão) em detrimento da Prisão Preventiva;

Dentre tantas outras possibilidades de atuação, tento mostrar acima as mais comuns no dia a dia do Advogado Criminalista. Exercer a Advocacia Criminal é um mister de possibilidades em defesa dos direitos individuais e coletivos, e, sobretudo nos casos de violência doméstica e familiar, esse mister precisa ser pautado na especialização constante de conteúdo, visto que tratamos com bens jurídicos de última ratio.
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REFERÊNCIAS

Delegacia Digital. Acesso em: 22 set. 2019.

Safernet. Acesso em: 22 set. 2019.

Portas de entrada da Justiça: onde denunciar a violência doméstica. Acesso em: 20 set. 2019.

Serviços especializados de atendimento à mulher. Acesso em: 20 set. 2019.

Violência contra a mulher impede inscrição na OAB por falta de idoneidade moral. Acesso em: 23 set. 2019.
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Por Christopher França
Fonte: Canal Ciências Criminais

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