Como a prisão muda a personalidade de detentos – Por Pedro Magalhães Ganem

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bit.ly/2LT9T1w | Analisamos hoje uma reportagem da BBC que aborda a influência da prisão na mudança da personalidade dos detentos. É o que chamamos de efeitos da prisionização, ou seja, “Como a prisão muda a personalidade dos detentos” e até mesmo daqueles que estão na unidade prisional para trabalhar, como agentes prisionais, por exemplo. Logo no início da reportagem temos a seguinte informação:

Em um relatório feito para o governo do Estados Unidos sobre o impacto psicológico da prisão, o psicólogo social Craig Haney foi direto: “Poucas pessoas saem inalteradas ou ilesas de uma experiência prisional”.

O ambiente prisional, ainda que em locais bem estruturados, como no caso daqueles que foram utilizados como base para a pesquisa, é responsável por significativas mudanças (danos mesmo) à saúde física e mental do interno, de modo a causar severas mudanças na sua personalidade.

Como a prisão muda a personalidade de detentos

E é esse resultado que a publicação se refere:

Levando em consideração entrevistas com centenas de presidiários, pesquisadores do Instituto de Criminologia da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, foram ainda mais longe, afirmando que a prisão de longo prazo “muda a essência das pessoas”.
Ou, como resumem as palavras de um preso entrevistado para uma pesquisa publicada nos anos 1980, depois de alguns anos na prisão, “você não é o mesmo”.

Imagine, então, o que não acontece na nossa realidade brasileira e toda a sua falta de estrutura física, baixa luminosidade, pouca ventilação e muita umidade, além de toda a questão da rotina prisional, com quase 22 horas diárias dentro de uma cela.

Outro ponto interessante diz respeito ao fato de que as regras próprias do sistema prisional, tanto aquelas do Estado para com os internos quanto as dos internos para com os próprios internos, fazem com que o indivíduo que se encontra recluso tenha que se moldar e se adaptar àquelas realidades, como forma de sobreviver no ambiente carcerário.

A publicação em análise vai para esse mesmo caminho, ou seja, de que “o problema é que essas mudanças de personalidade, embora ajudem o indivíduo a sobreviver à prisão, são contraproducentes para sua vida após a soltura”.

O reflexo disso tudo seriam mudanças na personalidade que vão desde

a perda crônica do livre arbítrio e de privacidade, o estigma diário, o medo constante, a necessidade de vestir constantemente uma máscara de invulnerabilidade e a apatia emocional (para evitar a exploração por outros), além da necessidade, dia após dia, de seguir rigorosas regras ou rotinas impostas.

Dentre as entrevistas realizadas, um ex-detento afirmou que

Eu ainda meio que ajo como se estivesse na prisão. E, assim, você não é como um interruptor ou uma torneira. Não dá para simplesmente se desligar. Quando você faz algo por um período longo… isso se torna parte de você.

É claro que a quantidade de tempo que o indivíduo permanece encarcerado tem forte influência no grau de transformação, quanto maior o período preso, maior será a probabilidade de sofrer profundas transformações na personalidade.

Mas isso não significa que pouco tempo de prisão passe ileso. É o que diz “um artigo exploratório realizado em fevereiro de 2018 aplicou testes neuropsicológicos para mostrar que passar mesmo um período curto na prisão provoca um impacto na personalidade”.

Novamente, chamo a atenção para o fato de que as informações repassadas na notícia que analisamos dizem respeito a pesquisas realizadas em países de primeiro mundo, com condições estruturais inimagináveis para a nossa realidade, como Reino Unido, Suíça e Holanda.

Ou seja, se é um fato que a prisão, mesmo em condições muito mais dignas, causa modificações na personalidade do interno, não há nem o que se falar do que o nosso sistema prisional é capaz de fazer com o indivíduo.

E essas informações são essenciais para compreender a sociedade como um todo, na forma como “devolveremos” quem ficou preso para o convívio social.

Qual a saúde, física e mental, e qual a capacidade que esse indivíduo terá de, em liberdade, estabelecer e manter uma boa relação social?

E é por isso que o crescimento da conscientização sobre a maleabilidade da personalidade faz com que fiquemos esperançosos sobre novos esforços para avaliar e atuar nas mudanças causadas no caráter do preso pelo ambiente prisional, o que certamente poderia afetar seu retorno à sociedade.

A conclusão da reportagem analisada é de que

As evidências atuais sugerem que quanto mais longa e severa for a sentença prisional – em relação à liberdade, escolha e oportunidade de ter relacionamentos seguros e significativos – mais provável será que a personalidade dos prisioneiros mudará de forma a tornar a reintegração difícil e a aumentar o risco de reincidência ao crime. Em última análise, a sociedade deve ser confrontada com uma escolha. Podemos punir os ofensores mais severamente e arriscar mudá-los para pior, ou podemos desenvolver regras de sentença e prisões de forma a ajudar os ofensores a se reabilitar e a mudar para melhor.

Considerações finais

O que eu posso deixar como reflexão diante de tudo o que foi exposto é a necessidade que nós temos de analisar a sociedade com um todo e não como células independentes e não relacionadas.

Tanto aqueles que estão momentaneamente presos quanto os que estão em liberdade fazem parte de uma mesma sociedade, sendo que a prisão é apenas uma forma temporária (e com efeitos deletérios) de restringir a liberdade de alguém, liberdade que mais cedo ou mais tarde será restabelecida.

E, enquanto integrantes da mesma sociedade, como desejamos que um preso retorne à sociedade: melhor ou pior? O quão melhor ou pior?
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Por Pedro Magalhães Ganem
Especialista em Ciências Criminais. Pesquisador.
Fonte: Canal Ciências Criminais

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