Ah, o jeito certo de fazer júri… Afinal, qual o jeito certo de fazer júri? Por Guilherme Kuhn

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bit.ly/2o5EorL | Cenário 01

Edenílson, acadêmico de Direito, prestes a se formar, já aprovado nos exames da Ordem dos Advogados do Brasil, alimenta o sonho de se tornar Advogado Criminalista. Edenílson, todavia, precisando trabalhar e estudar, e sustentar a sua família, durante a graduação em Direito, não logrou fazer estágios voltados à área criminal. Ficou à mercê do curso de Direito, ao que ensinam os professores nas matérias de Direito Penal, Processo Penal e Prática Penal.

Apesar da dificuldades enfrentadas, sempre que conseguia, Edenílson assistia plenários de júri, sonhando, um dia, vestibular nesta instituição.

Finalmente, Edenílson se graduou em Direito e, com a carteira de Advocacia em mãos, corajosamente, abriu o seu Escritório e passou a Advogar na seara criminal.

Cenário 02

Edenílson realizou o seu primeiro Júri. Brigou, discutiu o júri inteiro. Um julgamento muito complicado, complexo, onde os ânimos estavam exaltados; enfrentou um Promotor de Justiça com mais de 20 anos de experiência no Tribunal do Júri.

Como ninguém ensinou Edenílson a fazer Júri, como na graduação em Direito não houve nenhuma matéria destinada ao Tribunal do Júri, à construção da defesa oral, desamparado, sem assistência, Edenílson encontrou no YouTube um amparo para sua falta de experiência.

Resolveu copiar, verdadeiramente imitar o desempenho de Advogados admirados por ele.

Afinal, qual o jeito certo de fazer júri?

Mas, afinal, qual o jeito certo de fazer júri?

Seria o jeito como aquele Advogado, renomado, admirado por Edenílson, faz júri? Seria o jeito como os Advogados experientes fazem júri? Como atuam os “grandes Advogados”? O modo correto de fazer júri é aquele onde o Advogado não leva desaforo para casa?

Maurice Garçon, famoso Advogado Francês (especialmente por sua eloquência), no livro Eloquência Judiciária, deixa claro:

Não existe um jeito certo de fazer júri; cada pessoa, cada Advogado tem um modo de ser, de existir e de se expressar peculiar, inigualável e diferente. Quanto mais natural for o Advogado, sem artificialismo, mais eficaz será a sua atuação. O jeito certo é o seu jeito; e cada Advogado tem o seu.

Para Garçon, “é o crédito pessoal atribuído à causa defendida que justifica a eloquência do orador.” O orador, assim, primeiramente, deve acreditar no que está argumentando, para que seja mais eficaz no convencimento. É essencial para a eloquência, afinal, não há como enganar a própria consciência.

 O saudoso Advogado francês faz, em sua obra, uma crítica às escolas de Direito, que, em sua época, jogavam os jovens Advogados à toda sorte no mercado de trabalho, completamente despreparados, no que se refere à oratória e à construção de argumentos, para a realização de sustentação oral, para a realização de defesas perante o júri.

Maurice Garçon nasceu em 25 de novembro de 1889, em Lille, uma Cidade localizada no norte da França; e morreu em 29 de dezembro de 1967, aos 78 anos de idade, em Paris.

A crítica que Maurice fez aos cursos de Direito, na França, nos Séculos XIX e XX, aplica-se, perfeitamente, aos cursos de Direito no Brasil, em pleno Século XXI.

Com efeito, as Faculdades e Universidades de Direito não dedicam nenhuma matéria para a oratória, para a construção de um argumento (com início, meio e fim), não ensinam seus alunos a atender clientes, a administrar escritórios, a formalizar contratos de honorários e, muito menos, ensinam a realizar sustentação oral e a atuar perante o plenário do Tribunal do Júri.

Desamparados, os alunos, os Advogados iniciantes socorrem-se, com frequência, ao emprego da arte da imitação. Garçon observa que, para aprender, é necessário ouvir uma variedade de oradores, analisar as técnicas, os temperamentos e estilos.

A arte da imitação, utilizada pelo Advogado Edenílson in casu, é temerária, porquanto, denúncia Maurice Garçon: não raro, o Advogado, ao se deparar com uma Defesa que inspira, acaba por admirar o temperamento, a personalidade daquele Advogado e não, propriamente, a construção do discurso, a estratégia da defesa, o modo de apresentação da prova e das teses.

Eis o perigo: cada pessoa habita uma casa diferente; logo, não somente a casa que cada pessoa habita é diversa, única e inigualável, como também o caminho a ser percorrido para chegar-se à casa que cada um habita.

Ao se imitar atuações, não raro, busca-se imitar personalidades e temperamentos, os quais, muitas vezes, não são compatíveis com o modo de ser e se expressar do Advogado iniciante, o qual chamamos, aqui, de Edenílson.

O resultado disso tudo é a perda de naturalidade na atuação; e o que não é natural (ao revés: é artificial), tende a não convencer.

Personalidade e temperamentos não podem ser imitados; cada sujeito tem a sua peculiar personalidade e o seu diferente temperamento. Portanto, o jeito “certo” de fazer júri é o teu jeito!

A naturalidade é uma das qualidades mais difíceis de conseguir… para atingi-la é necessário autoconfiança, ousadia, brilho nos olhos e a coragem de ser quem se é.

Diante da ausência de preocupação dos cursos de Direito com a preparação dos alunos, futuros Advogados, para a atuação oral, faz-se mister buscar o compartilhamento de experiências, assistir o máximo possível de júris, buscar cursos, enfim, analisar o que, para cada sujeito, dá certo ou não.

Porém, atenção: adverte Maurice Garçon que, o que importa na Defesa, é a sua eficácia. O processo é técnico, a técnica jurídica, processual, na análise das provas é imprescindível. A vaidade não pode ter espaço no júri. O objetivo do Advogado não deve ser o brilhantismo de sua atuação, uma “apresentação sensacional”, esquecendo-se completamente do cliente.

Uma apresentação clara, simples, é fundamental, afinal, “a principal qualidade do discurso deve ser a clareza (…) se a confusão reinar nas ideais, o discurso é ineficaz; deve ser claro, de modo que os raciocínios, mesmo os mais complicados, apareçam como verdades tendentes à evidência.”

A preocupação do Advogado não é consigo; é com o seu cliente. Nas palavras de Garçon:

O Advogado deve sacrificar a sua glória pessoal em prol do triunfo da causa. (…) não deve esquecer que é um instrumento; a sua inteligência e a sua arte estão a serviços de outrem.

E, para encerrar, complementa:

A moralidade do Advogado não se avalia por o que se diz, senão pelas provas no decorrer da sua carreira. 

Até o próximo mês, pessoal. As mensagens que ficam são:

  1. O melhor jeito de fazer júri é o “teu jeito”, o jeito de cada um, a partir dos peculiares modos de falar, se expressar e de pensar o processo, as provas e o mundo; 
  2. Precisamos discutir os cursos de Direito, que, evidentemente, não formam Advogados, senão bacharéis que são ensinados, simplesmente, a decorar os vades mecuns, na mesma lógica dos concursos públicos do Brasil, e não a preparar petições, defesas, sustentações e a construir argumentos, apresentar teses e se manifestar oralmente.

O ensino jurídico pátrio não anda bem…
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REFERÊNCIAS

GARÇON, Maurice. Eloquência judiciária. Rio de Janeira: Livraria Editora da Casa do Estudante do Brasil, sa.
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Guilherme Kuhn
Advogado criminalista. Pesquisador.
Fonte: Canal Ciências Criminais

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