A Poligamia é crime?

poligamia crime familia codigo penal direito
bit.ly/2VMxGG5 | Dentro do título que trata dos crimes contra a família, o nosso Código Penal prevê, em seu art. 235, o delito de bigamia, que consiste em “contrair alguém, sendo casado, novo casamento”. A pena é de reclusão, de dois a seis anos.

Ocorre quando o agente, ignorando a proibição presente no inciso VI, do art. 1.521 do Código Civil, segundo a qual não podem casar as pessoas já casadas, inicia o procedimento de habilitação para o casamento (art. 1.525 e seguintes, do Código Civil).

A grande questão é que, embora o legislador tenha feito expressa previsão acerca do crime de bigamia, nada mencionou acerca da poligamia.

Precisamos ter em mente que o nosso Código Penal foi elaborado na década de 1940, período em que a sociedade brasileira era ainda bastante tradicionalista. Sendo, naquela época, inimaginável a possibilidade de formação de novos arranjos familiares; diferentes daqueles constituídos pelo homem, a mulher e os filhos.

O fato é que a realidade está mudando e, por consequência, as discussões ligadas ao tema da poligamia vêm, aos poucos, ganhando voz e vez no Direito.

Dito isso, podemos fazer a seguinte pergunta: se o legislador apenas previu como sendo crime a bigamia, então aquele que pratica a poligamia não será punido na esfera criminal?

Há quem sustente que, diante da omissão legislativa, a norma incriminadora da bigamia possa admitir a chamada interpretação extensiva, compreendendo a proibição não prevista da poligamia [1].

Traduzindo: já que o CP “não disse tudo o que deveria dizer”, caberia ao intérprete/julgador estender o alcance do art. 235, abrangendo, também, a poligamia.

Logo, seguindo tal raciocínio, aquele que, sendo casado, contrair novos casamentos (e não apenas mais um), poderá, também, ser punido com a pena de reclusão de 2 a 6 anos, prevista originariamente para o delito de bigamia.

Porém, a maioria dos nossos autores parece pensar de modo distinto.

Defendem que, se o sujeito se casou mais de uma vez após o primeiro matrimônio, haverá concurso de crimes, ou seja, quando uma mesma pessoa, a partir de uma ou mais condutas, comete vários delitos. Nesses casos, teria de responder criminalmente pelo número de matrimônios ilegalmente contraídos.

Portanto, a depender do contexto, o caso poderá caracterizar o concurso material, o qual ocorre quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes (CP, art. 69), ou mesmo ser hipótese de crime continuado, havida quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie, nas mesmas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, sendo os delitos subsequentes uma continuação do primeiro (CP, art. 70).

Em resumo, embora não haja previsão expressa do Código Penal quanto à prática da poligamia, é perfeitamente possível a sua incriminação, seguindo-se as regras do concurso de crimes.

Por fim, cabe o seguinte questionamento: haverá crime se o agente, tendo já constituído uma união estável, vir a constituir outra (s)?

A resposta parece ser negativa, já que a norma contida no art. 235 do CP apenas faz menção à palavra “casamento”, a qual não se confunde com a união estável [2].

Até porque, cabe lembrar, em respeito ao princípio da legalidade, não se admite a chamada analogia in malam partem em matéria de Direito Penal, sem prejuízo de que a questão possa ser analisada na órbita do Direito Civil, tanto no Direito de Família quanto no campo da Responsabilidade Civil.

____________________________________________

Fontes:

[1] Gagliano, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume 1 : parte geral / Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. – 21. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 143. E-book.

[2] Greco, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III / Rogério Greco. – 16ª ed. Niterói, RJ: Impetus, 2019, p. 238.

Imagem: O Globo

🔶 🔶

Compartilhe em suas redes sociais!

Instagram: https://www.instagram.com/victor_emiidio/?hl=pt-br

Victor Emídio
Estudante de Direito
Atualmente, cursando o 7° período do Curso de Direito da Universidade Presidente Antônio Carlos, em Barbacena/MG. Estagiário acadêmico do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), após aprovação em 1° lugar no concurso de seleção. Apaixonado pelo Direito e eternamente curioso pelos seus impactos nas esferas políticas e sociais. Alguém que vê nos poderes da escrita e da leitura formas de alcançarmos o tão sonhado mundo melhor. Futuro advogado criminalista.
Fonte: emidiovictor.jusbrasil.com.br

0/Comentários

Agradecemos pelo seu comentário!

Anterior Próxima