A inconstitucionalidade do Tribunal do Júri por videoconferência

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bit.ly/2VCqhZ5 | Proposta do Conselho Nacional de Justiça (Ato Normativo 0004587-94.2020.2.00.0000) autoriza a realização do Tribunal do Júri por videoconferência, em razão do prolongado contexto de pandemia, bem como do considerável quantitativo de réus presos que aguardam o julgamento de crimes dolosos contra a vida, sob o argumento de que a mera espera pelo fim do isolamento social para a realização dessas sessões de julgamento não se mostra adequada com os comandos constitucionais.

A proposta trata basicamente de organizar o plenário do júri em uma parte presencial e outra virtual.

O plenário virtual seria composto pelo Ministério Público, pela defesa, pelo réu, pela vítima e pelas testemunhas. No que se refere ao plenário presencial, estariam presentes: o Juiz, os Jurados e as equipes de apoio, de segurança e de higienização do ambiente. Ademais, seria facultado ao Ministério Público, à defesa e ao réu, quando solto, a participação presencial, bem como às testemunhas que não dispusessem da tecnologia necessária para a solenidade.

Primeiramente, já que estamos falando de constitucionalidade, cabe referir que é vedado ao Conselho Nacional de Justiça inovar no ordenamento jurídico, haja vista a competência privativa da União para legislar sobre Processo Penal, nos moldes da Constituição Federal, art. 22, inciso I.

Ademais, de acordo com o artigo 5º, inciso XXXVIII, é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a plenitude de defesa; o sigilo das votações; a soberania dos veredictos e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

Da análise da proposta – como um ponto positivo – verifica-se a observância do sigilo das votações (ao menos no momento específico da decisão), uma vez que para a votação dos quesitos pelos Jurados (conforme artigo 13) o Juiz Presidente poderá declarar sala secreta a sala de sessões plenárias, permanecendo somente o Juiz Presidente, os Jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça, na forma do art. 485, caput, do Código de Processo Penal.

Todavia, o cerne da questão reside no conflito entre normas fundamentais. De um lado a duração razoável do processo (CF/88, art. 5º, inciso LXXVIII) e do outro a plenitude de defesa (CF/88, art. 5º, inciso XXXVIII, alínea “a”) e o devido processo legal  (CF/88, art. 5º, inciso LIV).

Quando da análise do artigo 457, §2º do Código de Processo Penal (que não pode ser tornado sem efeito), verifica-se não haver sentido na proposta quando possibilitado o comparecimento presencial apenas do réu solto, uma vez que, de acordo com a norma processual retro, na ausência do réu preso, o julgamento seria adiado, a fim de que em momento posterior fosse possibilitada a sua presença, com vistas a assegurar a plenitude de defesa.

Cumpre esclarecer que, diferentemente do julgamento realizado pelo juízo singular, no Tribunal do Júri muitas peculiaridades irrelevantes naquele acabam tendo um peso colossal, haja vista a composição do plenário por Jurados que em sua maioria são leigos, o que resulta em um julgamento não técnico, com consequente análise aprofundada da linguagem corporal do acusado, das testemunhas e da vítima (quando presente), bem como do comportamento do interrogado durante a autodefesa.

Mais do que isso, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça considerou que, para que sejam respeitados os princípios da não culpabilidade, da plenitude de defesa e da presunção de inocência, o acusado tem o direito de não vestir o uniforme do presídio. No mesmo sentido é a proibição do uso de algemas durante a sessão, visto que ambos simbolizam a massa encarcerada brasileira.

Nesse ponto, questiona-se: se o uso do uniforme prisional e das algemas pode gerar uma preconcepção no ânimo dos Jurados leigos, que influência teria na convicção subjetiva destes a presença do réu na Casa Prisional durante a sessão do Tribunal do Júri?

Em se tratando de jurados leigos – em sua maioria desconhecedores do direito – todos os detalhes capazes de influenciar na íntima convicção destes devem ser observados.

Pelo exposto, verifica-se que a duração razoável do processo não pode ser alçada a uma condição privilegiada ao ponto de rebaixar a uma condição subalterna a plenitude da defesa e o devido processo legal, sendo preferível um processo mais lento com respeito aos direitos fundamentais do acusado; contudo, não chega a ser este o caso.

O processo pode ter seu curso normal, cabendo ao Poder Judiciário realizar a solenidade com observância às orientações de saúde, adequando o ambiente de forma que fique seguro a todos os presentes. Isso porque, a proposta já estabelece o plenário de forma presencial, sendo necessária apenas um pequeno ajuste para a inclusão do réu preso, da vítima e das testemunhas.

Por fim, no que se refere à publicidade, neste ponto específico, diante da situação atualmente vivenciada pelos brasileiros, bem como da necessidade de limitação na sala de sessões plenárias apenas para as pessoas essenciais ao julgamento, seria compreensível que o acesso ao público se desse por transmissão da solenidade pelas redes virtuais.
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Kellen Passos Soares
Fonte: Canal Ciências Criminais

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