O direito evidente ao divórcio: decisões recentes a respeito do divórcio liminar

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bit.ly/3byoixw | Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, a tese de que o divórcio poderia ser declarado liminarmente ganhou força na doutrina [1]. Os argumentos, lançados em conjunto, eram os de que o direito ao divórcio é potestativo e que o CPC/15 permite a antecipação da tutela nas hipóteses em que identifica "evidência", nos termos de seu artigo 311. Na medida em que o réu não pode se opor ao pedido de divórcio propriamente dito (não se confundindo com outros direitos decorrentes do divórcio, como partilha e alimentos), não haveria razão para não o decretar liminarmente [2].

A jurisprudência, por sua vez, adotou postura mais contida e cautelosa. Apesar de algumas iniciativas isoladas terem reconhecido o direito ao divórcio pela via de liminares, tal como o Provimento 06/2019, do Tribunal de Justiça de Pernambuco (o "divórcio impositivo"), os juízos de primeiro grau seguiram sustentando a necessidade de citação do réu para posterior decretação do divórcio.

O presente artigo tem como objetivo contribuir para este debate por meio da exposição de duas decisões recentes do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Trata-se de um acórdão e de uma decisão monocrática que merecem atenção pelos argumentos lançados, uma vez que podem provocar alteração no posicionamento dessa corte e repercutir nacionalmente. Para tanto, os fundamentos serão apresentados de modo descritivo, sem qualquer pretensão de desvirtuar a interpretação dos julgadores.

Em primeiro lugar, será examinado acórdão da 12ª Câmara Cível, de relatoria da desembargadora Rosana Fachin [3]. É dessa decisão que se extrai o título do presente texto, na medida em que afirma que o direito ao divórcio é evidente.

O caso tem os seguintes contornos fáticos: a autora pleiteou concessão de tutela de evidência (artigo 311, CPC) para decretar o divórcio entre as partes de forma liminar, destacando que desconhece o atual paradeiro do réu e que se encontra separada de fato há cerca de oito anos. A requerente destacava, ainda, que essa realidade a impedia de seguir com sua vida amorosa.

A decisão do juízo de primeiro grau negou o pedido, sob o fundamento de que a tutela da evidência depende do cotejo entre as posições jurídicas do autor e do réu e que, como o réu não havia sido citado, não haveria incidência das hipóteses do artigo 311, CPC. Foi interposto agravo de instrumento pela autora.

Ao conhecer do agravo de instrumento, a relatora proferiu decisão monocrática em que deferiu o pedido, decretando o divórcio desde logo. Essa decisão foi posteriormente confirmada pelo colegiado. Um ponto, porém, chama atenção: a decisão se utiliza de um fundamento diverso da tutela da evidência. O divórcio evidente foi concedido com fundamento nos artigos 355 e 356, ambos do CPC. Ou seja, o TJ-PR aplicou o julgamento antecipado parcial do mérito para decretar o divórcio de forma liminar.

Os fundamentos para tanto foram os seguintes: nos termos da ementa, a primeira premissa é a de que o pleito de divórcio é um direito potestativo: "Diante do pedido expresso da parte autora quanto à sua concessão, ao réu não há defesa juridicamente possível que obste o provimento do pleito, mantida a demanda, por evidente, para apreciar demais pendências, se for o caso" (grifos do autor). O acórdão vai além ao examinar o ponto do direito potestativo ao considerar as peculiaridades do caso, uma vez que a requerente não conseguia se desvincular do casamento pela impossibilidade de citação do réu: "(O) Caráter potestativo do direito é de uma evidência incontrastável, pois afirmar o contrário seria admitir o inadmissível: o dever de permanecer casado mesmo diante do fim da vida conjunta".

Nesse ponto, a decisão deixa claro que o divórcio entre as partes já é uma realidade. Isso não significa, por outro lado, que discussões sobre a data da dissolução de fato, da partilha, ou outros temas, não possam prosseguir. Sobre o divórcio, porém, não há provisoriedade, na lógica do Direito Processual Civil. O que há é um juízo de certeza decorrente do exercício de um direito potestativo. Foi essa afirmação, de que o juízo é de certeza, e não de probabilidade, que levou a fundamentação do acórdão para outro instituto processual.

A fundamentação indica que o artigo 311 não contém qualquer hipótese que se adapte ao caso. No entanto, consigna o acórdão, é "possível a entrega da prestação jurisdicional de modo adequado" por outra via. Trata-se do instituto da sentença parcial antecipada de mérito, denominada no acórdão como "antecipação parcial dos efeitos da sentença", com indicação expressa dos artigos 355 e 356, do CPC. O elemento central, na ótica da decisão, é que o pedido de divórcio dispensa a necessidade de instrução probatória. Essa situação permite o julgamento antecipado do pedido (artigo 355, I, CPC) ou o julgamento antecipado parcial do mérito (artigo 356, II, CPC).

Ou seja, o acórdão não deferiu a tutela de evidência para decretar o divórcio; em verdade, considerou o feito apto para julgamento definitivo, no que diz respeito especificamente ao divórcio, e o deferiu liminarmente em sede de julgamento antecipado parcial de mérito.

Em outras palavras, o direito ao divórcio é tão "evidente" que sua tutela não depende de decisão fundada em juízo de verossimilhança. O direito ao divórcio é evidente a ponto de dispensar a instrução e permitir que seja aplicado, desde logo, o julgamento antecipado (se o pedido for exclusivo de divórcio) ou antecipado parcial do mérito (caso existam outros pontos a serem decididos nos mesmos autos).

A segunda decisão é monocrática, proferida em novembro de 2020, de modo que ainda não foi submetida ao colegiado. Parte da mesma 12ª Câmara Cível, do TJ-PR, tendo como relator o desembargador Rogério Etzel. O relatório denota um quadro fático em que as partes estão separadas de fato "há bastante tempo". O pedido de divórcio liminar, nesse caso, foi formulado por dois fundamentos distintos: pela tutela de evidência e pela tutela de urgência.

O relator, em primeiro lugar, afastou o cabimento da tutela de evidência, afirmando que os incisos I, II e III do artigo 311 do CPC são imprestáveis ao pedido, ao passo que o inciso IV impõe a construção de um contraditório mínimo — que não se verifica no caso. Acrescenta, ainda, que a doutrina tem posicionamento contrário à concessão de tutela antecipada em casos que envolvem provimento jurisdicional declaratório, tal como o divórcio.

Rejeitada a tutela de evidência, a decisão examina o caso à luz da tutela de urgência. Destaca, de início, que o tempo da separação de fato permite a presunção do perigo de dano, já que os ex-cônjuges têm direito potestativo ao divórcio e que o lapso temporal influi no cotidiano de ambos, uma vez que o vínculo civil do casamento configura óbice à plenitude de suas vidas.

A decisão monocrática identifica o segundo elemento da tutela de urgência, qual seja, a probabilidade do direito, na medida em que seria inócua qualquer manifestação contrária da parte ré. Diante dessas considerações, decretou o divórcio das partes.

As duas decisões revelam, de um lado, certo receio dos tribunais em relação à tutela da evidência. Esse, porém, é um ponto que demandaria uma investigação específica para compreender as razões da inefetividade do instituto, que é pouco utilizado desde que foi incluído no ordenamento jurídico, pela Lei nº 10.444/2002 (no artigo 273, §6º, do Código de Processo Civil de 1973). De outro lado, as decisões do TJ-PR demonstram que há, sim, interesse das cortes em reconhecer o direito ao divórcio liminar, impositivo, evidente, ou outro nome que lhe seja atribuído.

O fundamento convergente entre a doutrina, a advocacia e a jurisprudência parece ser a natureza potestativa do divórcio. Sob o ponto de vista do direito material, portanto, não se verifica óbice para sua decretação. O óbice da jurisprudência tem sido a via processual adequada para tanto. Nessa linha, muitas decisões optavam por aguardar a citação do réu para proferir o julgamento em seguida.

A peculiaridade dos casos examinados pelo TJ-PR, nas duas decisões acima relatadas, parece ter tido um peso particular para o posicionamento da Câmara ter se alterado. O longo tempo de separação de fato, destacado pelas duas decisões examinadas, provocou uma reflexão diferente. Ao apreciar um caso em que a autora não tinha sucesso em citar o réu, o TJ-PR considerou que o "caráter potestativo do direito é de uma evidência incontrastável, pois afirmar o contrário seria admitir o inadmissível: o dever de permanecer casado mesmo diante do fim da vida conjunta".

Por fim, sem ter o objetivo de comparar as decisões entre si ou com outras, é de se registrar que a aplicação do julgamento antecipado parcial do mérito se revela bastante adequada para o tema. Como se trata do exercício de direito potestativo e que não há argumento jurídico ou probatório que o impeça, os artigos 355 e 356, do CPC, são uma via adequada para o tratamento judicial do tema. No entanto, nessas hipóteses, considerando o sistema processual, o contraditório também seria uma condição para a decretação do divórcio. Esse requisito, porém, vem sendo dispensado paulatinamente pela jurisprudência.

Ao que tudo indica, para a jurisprudência, a ausência de previsão legal específica que autorize o divórcio liminar nos termos da tutela de evidência não impede o emprego de outras técnicas processuais para que se alcance o mesmo resultado — ainda que essas técnicas também não tenham previsão legal explícita acerta do tema. De todo modo, essas recentes decisões apontam para o que, sob o ponto de vista do Direito material, já é realidade: o direito ao divórcio, como direito potestativo, não admite contestação.

Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II-Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM).
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[1] O desenvolvimento da doutrina pode ser consultado em TARTUCE, Fernanda. Divórcio liminar como tutela provisória de evidência: avanços e resistências. In: Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre: Magister, v. 95, mar-abr 2020, p. 37-50. Disponível em <http://www.fernandatartuce.com.br/wp-content/uploads/2020/06/Divorcio-liminar-como-tutela-de-evidencia-Fernanda-Tartuce.pdf>.

[2] Neste portal, a tese foi defendida por NUNES, Dierle; MARQUES, Ana Luiza. Parte do Judiciário já entende que é possível a autorização liminar do divórcio. Consultor Jurídico. São Paulo: Conjur, 2019. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2019-ago-08/opiniao-parte-judiciario-aprova-autorizacao-liminar-divorcio>.

[3] AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO – TUTELA DE EVIDÊNCIA PARA DECRETAÇÃO ANTECIPADA DO DIVÓRCIO – DESACOLHIMENTO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA – INSURGÊNCIA RECURSAL – DIREITO POTESTATIVO EVIDENCIADO NO CASO CONCRETO – INEXISTÊNCIA DE PATRIMÔNIO COMUM DO CASAL OU CONSTITUIÇÃO DE FILHOS EM COMUM – DECRETAÇÃO DO DIVÓRCIO – INEVITÁVEL CONCESSÃO DA MEDIDA – FIM DA VIDA EM COMUNHÃO JÁ RECONHECIDO A PARTIR DO PEDIDO INICIAL - NECESSIDADE DE GARANTIR A LIBERDADE INERENTE À RESCISÃO DA RELAÇÃO MATRIMONIAL E PROSSEGUIMENTO DA VIDA PESSOAL SEM VIOLAÇÃO DA AUTONOMIA DA VONTADE – LIBERDADE FAMILIAR QUE TEM COMO UMA DAS SUAS DIMENSÕES A LIBERDADE AO DIVÓRCIO E DISSOLUÇÃO DA ENTIDADE FAMILIAR – NÃO SE TRATA DE RECONHECER DIREITO ABSOLUTO, MAS A MERA SUJEIÇÃO DO DEMANDADO A UM DOS EFEITOS DO DIREITO POTESTATIVO PLEITEADO PELA AUTORA – PRETENSÃO COM NATUREZA DE JULGAMENTO ANTECIPADO DE MÉRITO – INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 355 E 356 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – APLICABILIDADE NO CASO CONCRETO – NECESSIDADE DA ENTREGA DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL DE MODO ADEQUADO, INDEPENDENTEMENTE DA FORMA JURÍDICA APLICADA – DECISÃO REFORMADA – DECRETAÇÃO DO DIVÓRCIO INAUDITA ALTERA PARS INCIDENTE – CONFIRMAÇÃO DA LIMINAR RECURSAL OUTRORA CONCEDIDA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.1. O pleito de divórcio se trata de um direito potestativo do postulante, vale dizer: diante do pedido expresso da parte autora quanto à sua concessão, ao réu não há defesa juridicamente possível que obste o provimento do pleito, mantida a demanda, por evidente, para apreciar demais pendências, se for o caso. 2. O caráter potestativo do direito é de uma evidência incontrastável, pois afirmar o contrário seria admitir o inadmissível: o dever de permanecer casado mesmo diante do fim da vida conjunta. 3. Soma-se o fato de que a demandante não mais detém contato com o requerido, desconhecendo seu atual paradeiro, o que reforça a necessidade de lhe garantir a liberdade inerente à rescisão da relação matrimonial e prosseguimento da vida pessoal sem violação da sua autonomia, em especial diante da morosidade judiciária e do deficitário sistema de localização para possível citação e oportunidade ao contraditório. 4. Embora o pleito deduzido pela autora se respalde no artigo 300 do Código de Processo Civil, bem como que diante dos fatos expostos, independentemente da forma jurídica vinculada, seja possível a entrega da prestação jurisdicional de modo adequado, a hipótese do caso concreto se adequa à antecipação parcial dos efeitos da sentença (vide artigos 355 e 356 do Código de Processo Civil), bastando para tanto pedido que dispense instrução probatória, como é o caso. 5. Em resumo, em que pese a pretensão se paute na tutela de evidência, incidem, no caso, os artigos 355 e 356 do Código de Processo Civil, autorizando-se o julgamento antecipado do mérito, dada a ausência de controvérsia jurídica sobre o direito ao divórcio. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO (TJPR - 12ª C.Cível - 0041434-50.2020.8.16.0000 - Curitiba - Rel.: Desembargadora Rosana Amara Girardi Fachin - J. 24.09.2020).
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William Soares Pugliese é pós-doutorando pela UFRGS, doutor e mestre pelo programa de pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná, professor do programa de mestrado em Direito da Unibrasil, gastforscher no Max-Planck-Institut für ausländisches öffentliches Recht und Völkerrecht e coordenador da especialização de Direito Processual Civil da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst).
Fonte: Conjur

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