Se observarmos minimamente a história brasileira, certamente concluiremos que a elite brasileira, o Estado, e os detentores de poderes políticos sempre se beneficiaram dessa vulnerabilidade para praticar abusos, não só inconstitucionais, como inconvencionais.
Diante da globalização, nos dias de hoje, se torna indispensável o estudo da jurisprudência internacional dos direitos humanos, não só para que seja possível a compreensão de alguns direitos, mas também para que haja um efetivo diálogo com os tribunais internacionais de direitos humanos.
Nesse sentido, ao estudar a jurisprudência internacional, é possível verificar que em 2017, o Brasil foi julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) no Caso “Favela Nova Brasília” vs. Brasil, que muito se assemelha à Chacina do Jacarezinho, e a tantas outras ocorridas em território brasileiro.
Conforme ensinam os Professores Caio Paiva e Thimotie Heemann, o referido caso é resultante de uma morosidade na investigação e punição dos responsáveis por execuções extrajudiciais de 26 pessoas.
Observa-se que essas execuções foram o resultado de duas incursões policiais, realizadas pela Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, em 18.10.1994 e 08.05.1995, na Favela Nova Brasília.
Ocorre que as autoridades policiais justificaram as 26 mortes através de lavratura de “autos de resistência à prisão”.
Fato é que essa letalidade policial se tornou, infelizmente, uma prática comum no Brasil: os “autos de resistência à prisão”, que nada mais são do que uma suposta resistência seguida de morte.
No caso, verificou-se que entre as 26 mortes, três mulheres (duas menores de idade) foram vítimas de violência sexual e tortura por parte de agentes policiais.
Aduziu-se, ainda, que a investigação teria sido realizada de modo a estigmatizar e revitimizar as pessoas falecidas, com um viés voltado para suas culpabilidades e não na legitimidade do uso da força.
Segundo a Corte IDH: “(...) o cumprimento da obrigação de empreender uma investigação séria, imparcial e efetiva do ocorrido, no âmbito das garantias do devido processo, implicou também um exame do prazo da referida investigação e dos “meios legais disponíveis aos familiares da vítima falecida, para garantir que sejam ouvidas e que possam participar durante o processo de investigação.”
Diante disso, revela-se de suma importância o respeito à cadeia de custódia, já prevista no art. 158-A do Código de Processo Penal brasileiro, nos seguintes termos:
Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte. (grifos nossos)
Sendo assim, a devida diligência numa investigação de uma morte exige a manutenção da cadeia de custódia de todo elemento de prova forense.
Nesse caso, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), inclusive, solicitou ao Brasil a eliminação imediata do registro automático de mortes cometidas pela polícia como “autos de resistência”.
Conforme observou a Corte IDH, os chamados “autos de resistência” são classificados desde o primeiro momento como a ocorrência de um confronto que teve como resultado a morte de uma pessoa, ou seja, parte-se do pressuposto de que o policial respondeu proporcionalmente a uma ameaça ou agressão por parte da vítima que morreu.
No entanto, quando falamos em mortes por “autos de resistência”, dificilmente esses falecimentos serão investigados com a diligência necessária, ou seja, com base na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), cujo Tratado Internacional, quer queira, quer não, o Brasil é signatário.
De modo que se alega que as pessoas executadas teriam praticado atividades criminosas e, devido a isso, colocaram os agentes de polícia na necessidade de defender-se e, consequentemente, disparar contra elas.
Essa noção regeu a dinâmica das investigações até o final no Caso Favela Nova Brasília, fazendo com que existisse uma revitimização das pessoas executadas e de seus familiares, o que resultou em uma investigação ineficaz, pois as circunstâncias das mortes não foram esclarecidas.
Ante o exposto, a Corte IDH condenou o Estado Brasileiro, o considerando responsável pela violação do direito às garantias judiciais de independência e imparcialidade da investigação, devida diligência e prazo razoável, estabelecidas no art. 8.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos – CADH - em relação ao art. 1.1 do mesmo instrumento.
Não obstante, entendeu ainda a responsabilidade do Estado Brasileiro no que se refere à violação do direito à proteção judicial (art. 25 da CADH em relação aos artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento), dos direitos à proteção judicial e às garantias judiciais, e, por fim, o direito que todo ser humano possui à integridade pessoal.
Grande similaridade guarda o caso narrado com a operação ocorrida no dia 06.05.2021, no Jacarezinho, Rio de Janeiro, onde se reafirmou uma rotina de utilização desproporcional do uso da força policial nos bairros pobres e periféricos.
No Caso Favela Nova Brasília, a Defensoria Pública de São Paulo atuou como “amicus curiae” e submeteu à Corte elementos que demonstram a existência de um padrão de violência de direitos humanos por parte do Estado brasileiro, especialmente através da violência policial e do uso excessivo da força.
Diante disso, indaga-se: será necessário um novo caso na Corte IDH contra o Estado Brasileiro?
Conforme se observa no Caso Favela Nova Brasília, o Brasil deve eliminar a expressão "autos de resistência", tendo em vista que ela causa não só uma revitimização contra as pessoas executadas e seus familiares, mas também contribui para uma investigação ineficaz, sem quaisquer esclarecimentos do ocorrido.
Portanto, devemos sempre nos voltar para o artigo 4º da Convenção Americana de Direitos Humanos, que prevê o direito à vida, determinando que “1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.”
É. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.
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Por Raquel L. S. de Almeida Reis.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirÉ muito lamentável, observar logo no início do texto esse discurso esquerdista completamente parcial, se antecipando a produção de provas científicas, para afirmar que houve uma chacina, buscando condenar todos os Policiais envolvidos! Esse texto representa o o pensamento de vários pseudointelectuais brasileiros, que ignoram que o Rio de Janeiro foi administrado por décadas seguidas pela esquerda, além de o Brasil ter sido administrado, também, pela esquerda por 13 anos. Na teoria, a ideologia esquerdista prega a solidariedade social, no entanto, na prática, durante esse longo período de gestão esquerdista, no Rio de Janeiro e no Brasil, não tivemos avanço em investimentos resolutivos na saúde, na educação, na geração de empregos, muito pelo contrário, tivemos o aumento da miséria e, coincidentemente, nesses períodos foi notório o crescimento das organizações criminosas no Brasil. Inclusive, nesse texto não se comenta a principal causa do problema que motivou o fortalecimento dessas organizações criminosas, que desde a década de 90 passaram a ostentar publicamente armas de guerras demonstrando um poder paralelo, violento e ditatorial do crime sobre as comunidades, de uma forma que não vemos em nenhum outro lugar do mundo, a ditadura do crime e das drogas!
ResponderExcluirPorque vcs fecham os olhos para a origem do problema ? É importante frisar que junto do fortalecimento do crime organizado, no Brasil, a partir da década de 90, foi notório o crescimento de alguns grupos políticos e de alguns advogados, que enriqueceram trabalhando para essas organizações criminosas!
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